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25 de maio de 2017

O CAMINHO EM RETIRADA DA LAGUNA - 11 - MARCHAS E COMBATES DIA 2 DE JUNHO 1867


CAPÍTULO XX

AS FORÇAS EM OPERAÇÕES AO SUL DA PROVÍNCIA DE MATO GROSSO 

A Marcha entre o pouso no Rio Canindé até margem esquerda do rio Nioac
 2 de junho de 1867

Passagem antiga e atual sobre o Rio Canindé, próximo ao Canindezinho, no município de Nioaque. O Rio Canindé é afluente do Nioaque, próximo ao Bairro Largo da Baía. Imagem construída do Google Earth Pro. José Vicente Dalmolin. 2017
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1- A urgência da marcha para Nioac
À vista do cadáver estendido na margem do rio Canindé, não pudemos alimentar dúvidas acerca da perda de todo o comboio, da morte dos mercadores e saqueio dos gêneros que traziam, além de todos os objetos com que contavam negociar. O que teria sido preciso era havermos chegado ao Canindé dois dias antes. Esses viajantes desarmados, que regulavam a sua marcha pela nossa e dos quais dependera sempre grande parte do nosso abastecimento e ainda mais a sorte da povoação de Nioac, que evidentemente ia ser também de todo destruída, requeriam realmente mais alguma diligência. 

2- No Canindé, as considerações sobre a decisão adotada: salvar os mercadores o que não foi possível e a escolha do caminho pela Estância do Jardim e não da Colônia de Miranda, segundo o Autor Alfredo Taunay

A observação que acerca disto foi feita com malignidade e formulada a modo de acusação, como ordinariamente sucede quando a fortuna é adversa, originou ali mesmo entre os oficiais viva discussão, de que aliás não foi difícil tirar uma justificação completa dos movimentos da expedição, depois que soubéramos da chegada desse desditoso comboio à Machorra.
Tipo de comboio de carreteiros que circula em Mato Grosso. Imagem original de Lobo Viana. A Epopeia da Laguna. 1938.

Tratando apenas dos últimos dias, haveria possibilidade de marcha mais rápida? 

E não sabíamos de sobejo que excessiva fadiga acabava ela de custar-nos?

Pois não fora a obrigação de salvarmos os nossos canhões que tinham sido consagrados os dois dias cuja perda se lamentava, dois dias que decorreram entre a morte do coronel Camisão e a nossa partida da estância do Jardim?

Querendo ir mais longe e até à ocasião em que foi preferido o atalho proposto por Lopes, cumpria recordar que nessa escolha tinha-se considerado, entre outras vantagens, o próprio interesse dos mercadores, que era desviarmos deles o inimigo, atraindo-o para nós, ao passo que, se fossemos pela estrada conhecida reunir-nos a eles e protegê-los, como poderiam supor, era mais que provável que tivéssemos sucumbido todos, nós e eles sem exceção. 

O cólera, salteando-os também, não nos houvera poupado mais do que na direção então adotada, quer tivéssemos conosco o gérmen, quer no-lo houvessem contaminado os paraguaios. 

E quanto aos ataques incessantes com que nos tinham inquietado, mais expostos nos veríamos a isso, tendo de atravessar um depois do outro todos os rios já mencionados, o Feio, o Santo Antônio e o Desbarrancado, onde nos veríamos mais embaraçados com o comboio, do que em condições de defendê-lo.

Se alguma falta fora cometida, só aos próprios mercadores devia ser atribuída, desde que não aceitaram, ao passarem pela colônia de Miranda, o conselho que lhes dera um tenente da guarda nacional de Goiás, Vieira Rezende, um da gente deles, aquém já vimos figurar na tomada de Bella Vista. 

Propusera-lhes este homem, tenente da guarda nacional de Goiás, nortear a marcha do comboio para a estância do Jardim, distante apenas cinco léguas da colônia e emboscarem-se ali na mata do rio à espera da nossa coluna que não podia deixar de lá ir ter, por isso que a sua marcha para o norte era indicada no horizonte pela fumaça dos incêndios que se renovavam diante dela sem conseguir detê-la. 

E, supondo mesmo um caso extremo, as vinte e duas carretas de mercadorias formariam excelente trincheira contra o embate, quando muito passageiro, de alguma incursão de cavalaria, visto que afinal de modo algum poderíamos tardar em ir socorrê-los. 

Procurou debalde Vieira Resende fazer prevalecer uma consideração que pareceria decisiva para eles e vinha a ser que teriam excelente ocasião de vender as suas mercadorias no momento em que íamos sair esfomeados dessas planícies, devastadas pelo fogo. Nada os persuadiu! 

A face militar desse projeto, muito de acordo, na opinião deles, com os hábitos aventurosos de quem o apresentava, assustou a homens cuja inquietação era alimentada pelos boatos da nossa catástrofe, que os nossos desertores espalhavam por toda a parte. 

Perseveraram em continuar a sua marcha sobre Nioac pelo Canindé. Os paraguaios alcançaram-nos ali e os dispersaram a primeira descarga, depois, saqueadas as carretas, trataram de agarrar os donos demorados, como o estavam muitos, por alguns objetos mais preciosos das suas cargas, que se não tinham podido resolver a abandonar. Foram implacavelmente perseguidos, ao passo que mais alguma resolução os houvera posto sob a nossa salvaguarda.

Quando chegámos ao Canindé, existiam apenas destroços de toda a sorte, restos esparsos do saqueio, semeados por toda a parte ao longo da estrada, alguns montes nojentos de farinha e de arroz amassados pelas chuvas torrenciais, perto de poças d'água.

3- Ainda no Canindé, os soldados recolhem os destroços das mercadorias, agora em chamas e destruição deixadas por partidas paraguaias

Ninguém diria por certo que esses miseráveis montões de víveres que mal se podia saber o que eram, tivessem de ser alvo de uma colisão séria, quase de um motim. 

Mas tal é o império do organismo que sofre, tal era o grito desses estômagos por tanto tempo privados de alimentação, que soldados puseram-se a comê-los com a avidez com que bestas feras devoram a presa. 

Quiseram todos correr para ali! 

As fileiras foram rompidas com inexprimível tumulto, no meio de um misto ensurdecedor de queixas, de ameaças, de vociferações e de risos de idiotas, à vista daquele pasto em que cada qual pretendia saciar-se. 

Os oficiais que primeiro quiseram interpor a sua autoridade, viam-na menoscabada[1], quando um deles, o tenente Benfica, injuriado por esses possessos, atracou-se com um deles, derribou-o no chão e conservou-o deitado, sob o seu revólver.

A surpresa que causou esse ato de energia começou a conter a multidão e esse momento de suspensão passou a um estado de apaziguamento geral, depois de um grito que de repente se ouviu:

__ “O inimigo”! 

Quer o inimigo fosse efetivamente avistado, quer fosse isso apenas um expediente empregado por inspiração feliz para fazer diversão, o odioso repasto foi esquecido.

Essa confusão não teve outras consequências! O comandante fingiu ignorá-la, lançando-a à conta do excesso dos nossos infortúnios e estendendo um tanto mais longe essa marcha para a qual as nossas forças tornavam-se insuficientes, ordenou dentro em breve que fizéssemos alto, e tratássemos de acampar.
______________
Notas de Referência:
[1] NE – Menosprezada.
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4- Dando nova função aos Oficiais

As disposições foram dadas pelo novo assistente do quartel-mestre, o tenente Catão, nomeado para substituir o tenente-coronel Juvêncio. O capitão Lago fora chamado ao emprego de assistente do ajudante-general. O 2º tenente Escragnolle Taunay ao de secretario militar junto do comandante. Devendo o tenente Barboza substituir sozinho, nas funções de engenharia, a comissão desta arma que acabava de ser dissolvida.

5- Acertando a pontaria e renascendo as Esperanças

Apenas duas léguas nos separavam então de Nioac e o comandante, para dar aviso de que nos aproximávamos, mandou dar uma descarga com os nossos quatro canhões ao mesmo tempo, acompanhada de um fogo rolante de todos os batalhões.
Carabina Minié 14.8 mm de calibre

A nossa gente, nessa ocasião, reconheceu a pouca harmonia do seu tiro, em razão de tudo quanto as nossas armas tinham sofrido com as últimas chuvas e por si mesma tratou imediatamente de pô-las em bom estado, de experimentá-las uma e muitas vezes, de apostar qual atiraria melhor e mais depressa, luta improvisada que dissipou todo o vestígio de torpor, e que aos últimos clarões do dia acabou por tomar aspecto festivo. 
Espadas encontradas, nas proximidades do rio Canindé. Fazenda do Sr. Carbonaro. Imagem cedida pelo CAT/Jardim-MS. 2004.

A esperança de melhores tempos está sempre pronta a renascer no homem!

Outra fase de existência, com efeito, anunciava-se então. A vida despertava e o nosso horrível passado da véspera, o cólera, a fome, a morte sob todos os seus aspectos continuamente transformados, já não nos parecia senão como alucinações de um pesadelo que sacudíamos.

Não que pensamentos sombrios não voltassem, depois da realidade a assaltar-nos ainda, contávamo-nos, quantos não faltavam? 

Os clarins soavam! Folgávamos em ouvi-los. 

Mas o que era feito das bandas de música dos nossos batalhões? 
Paralelo a estrada atual entre a Povoação de Nioaque acesso ao Municipio de Guia Lopes da Laguna, a Fazenda Jardim. Em vermelho sinalizando a estrada antiga via Rio Canindé por onde marcharam as Forças Brasileiras à caminho do Apa, Paraguai e a marcha em Retirada da Invernada da Laguna em 1867.

Companheiras das primeiras provações da expedição nos pântanos de Miranda, ainda brilhantes por ocasião da nossa incursão no solo paraguaio, não tardou que as dizimasse o fogo do inimigo. Pouco depois, a necessidade nelas fizera recrutar soldados a proporção que nas nossas fileiras se iam abrindo claros. O cólera viera competir a obra de destruição, arrebatando-nos quatorze músicos, dos que tinham pertencido ao Batalhão de Voluntários de Minas.


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