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14 de maio de 2017

O CAMINHO EM RETIRADA DA LAGUNA - 05 - MARCHAS E COMBATES 12,13,14,15 DE MAIO 1867

CAPITULO XIV
AS FORÇAS EM OPERAÇÕES NO SUL DA PROVÍNCIA DE MATO GROSSO
Em Retirada, O Guia Lopes conduzindo as tropas por campos nativos sob temporal, incêndios, ataques paraguaios dias 12, 13, 14, 15 de maio de 1867
Cena da Retirada da Laguna. José Francisco Lopes, o Guia Lopes montado no Cavalo. Imagem fotografada do Museu no Parque Histórico da Colonia Militar de Dourados, Antonio João – MS. Brasil – 2011. Por ora deixo de colocar o autor da pintura, pois este não estava visível. Quem souber dos créditos, gentileza informar-me.
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1- Contornando o Córrego José Carlos

No dia 12 de maio, ao romper d'alva, levantamos acampamento e a marcha começou, qual a da véspera, por entre alta e emaranhada macega. Tivemos de dar compridas voltas para irmos atravessar o José Carlos, evitando muitos brejos profundos onde nascem as suas águas.

Avançávamos, pois, para o Norte. Lopes prometia-nos que nessa mesma noite havíamos de acampar em uma garganta funda em que ficaríamos a coberto dos paraguaios. Víamo-los ao longe procurar passagem pela sua parte, com menos conhecimento, porém, do que nós dos sítios por onde nos seguiam.

A esperança de um bom acampamento trouxe-nos animados o dia inteiro. O nosso guia mostrava plena confiança e divertia-se em apontar-nos o fogo que os paraguaios tinham acendido em vários pontos e em explicar-nos o baldado[1] empenho deles em impedir-nos o trânsito. Graças a sua perícia conservávamos a dianteira sobre eles, mas estávamos a ponto de perdê-la.

Na ocasião em que o sol já declinando tornava a marcha menos penosa, o comandante da artilharia mandou prevenir ao coronel de que os animais que puxavam as peças de canhão estavam exaustos de forças, alguns até já estendidos no chão, porque nem eles nem o minguado resto de gado que ainda conservávamos, tinham bebido ou comido cousa alguma desde a tarde do dia 10 de maio; que conseguintemente forçoso era pararmos.

Paramos, não havia outra resolução a tomar. O corpo de exército assentou acampamento num pequeno cabeço em parte coberto de mato, na extremidade do qual havia uma fonte.
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Notas de Referências
[1] NE – inútil, improfícuo.
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2- Em retirada, o fogo, Lopes coordena o combate ao primeiro grande incêndio nas macegas[2] ateado pelos paraguaios

Mal, porém, ali nos achávamos quando as lufadas[3] do vento sul que soprava rijo[4], começaram a trazer-nos de longe o calor do fogo que se adiantava em nosso encalço pelos campos. Lopes, entretanto, trazia já ocupada a gente que tinha à mão, mandando que cortasse a toda a pressa a macega que nos rodeava por todos os lados e apenas cortada, mandando-a transportar para o mais longe que podia; fiscalizando em pessoa que a acamassem e comprimissem bem com os pés, cousa que se não podia fazer sem muito sofrimento e grande esforço dos trabalhadores, mas nisso dependia a vida de todos. As ordens do guia tinham apenas o rigor da necessidade. Lopes, a grande figura para nós outros nessa cena do incêndio das campinas, dando ordens por toda a parte, multiplicando-se, desenhando-se sobre o fundo de chamas, desaparecendo nos intervalos delas, não era um personagem de vã representação, sem ele estávamos perdidos.

A não serem as precauções tomadas, a fumaça houvera bastado para sufocar-nos. Ainda assim, quando o fogo rodeou-nos completamente, quando galhos e folhas, amontoados de ambos os lados da área que acabava de ser limpa, vieram apesar de tudo a inflamar-se também, levantaram-se imensas línguas de chama que nos tocavam quase, ora finas e erguidas para o céu, ora varridas por correntes de ar variáveis e rápidas que impeliam-nas sibilando[5] enfurecidas por cima das nossas cabeças, muitos homens ficaram com queimaduras profundas; um caiu morto asfixiado.

Afinal este inimigo, o fogo, exausto com a própria violência, não deparando já alimento junto de nós, começou a afastar-se, dirigindo-se para o norte.
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Notas de Referências
[2] NE – O tipo de vegetação macegal no Capítulo XV
[3] NE – Rajadas.
[4] NE – Resistente; sólido.
[5] NE – Assoviando; zumbindo.
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3- Recompondo-se depois do fogo

Entretanto, a nossa gente extenuada e morrendo de sede depois de tamanha luta acrescentada a fadiga da marcha, achou, ao correr a fonte vizinha do acampamento, que os paraguaios lá se haviam emboscado e não foram precisas menos de duas companhias para dali os desalojar.

Vimos, aos últimos clarões do dia, essa partida que se formara alguma distância, reunir-se ao grosso dos seus esquadrões e todos desfilarem em boa ordem, com os estandartes desfraldados, ao toque dos clarins, evidentemente no intuito de afrontar-nos, e, ao que parecia, dando-se pressa em ir ocupar a mesma posição que Lopes nos destinara.

Algumas balas de artilharia que lhes arremessamos satisfizeram a animosidade dos nossos, indignados com a sua cobarde e cruel tentativa de queimar-nos vivos. O efeito visível dos nossos projetis foi acelerar a marcha dos odiosos adversários.

Todavia a provação por que acabávamos de passar nesse campo convertido em fornalha, era do número das que exercem sobre o homem uma ação física irresistível.

A enorme elevação de temperatura subitamente operada bastaria por si só para explicar o abatimento em que caímos e o desfalecimento moral que a ele seguiu-se.

Não sabíamos demais a mais como avançar. Os animais de tiro do nosso trem de artilharia, os bois principalmente, ainda mais do que as mulas, estavam incapazes de dar um passo. E, no entanto, havia mais do que urgência em não perder um momento para movermo-nos.

Entre outras e infinitas razões, cumpria não dar tempo ao inimigo, que agora nos precedia, de fortificar um ou outro ponto adiante de nós e de impossibilitar-nos o trajeto. É conhecida a aptidão que têm os paraguaios para mexer terra, abrir fossos e levantar redutos; mantêm a tradição dos seus mestres os padres da companhia de Jesus, que cultivavam todas as artes, principalmente a arquitetura e a engenharia militar.

4- Reduzindo as bagagens

O imenso perigo da nossa posição inspirou ao comandante a resolução imediata de diminuir ainda a bagagem, para amenizar o esforço dos animais de condução dos cunhetes[6] e das peças de canhão.

Entendeu-se com os oficiais a quem esta reforma unicamente se referia e que a ela submeteram-se sem a menor observação, ficando reduzidos ao que tinham no corpo; queimaram algumas míseras e últimas superfluidades, algumas malas, algumas barracas.

Os soldados, depois do combate do dia 8 de maio, nada tinham já que carregar, nem o que perder; haviam atirado fora os próprios capotes que nos embaraçavam quando perseguiam o inimigo. As bestas[7] descarregadas foram destinadas ao transporte do cartuchame.
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Notas de Referências
[6] NE – Cunhetes, são caixote de madeira utilizados para acondicionar e ou transportar armas e ou munição de guerra.
[7] NE – Refere a animais quadrúpede de porte grande destinados ao transporte de carga. Muares, mulas, jumentos. O híbrido de jumenta com égua ou de cavalo com jumenta. As suas características de resistência física, sempre estimularam o emprego para transportar cargas a longas distâncias.
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5- Experimentando um novo temporal

Para maior desdita caiou nessa tarde uma chuva torrencial, verdadeiro dilúvio que nos pôs admirados, posto que já tivéssemos experimentado outro formidável, e que desde, pela manhã nos fossem anunciados novos e não menores por uma acumulação de imensas e bronzeadas nuvens, de contínuo sulcadas pelos relâmpagos, no meio de incessante trovejar.

Os soldados conservaram-se a noite inteira de pé junto das suas espingardas, que tinham fincado no chão por meio da baioneta; essa vigília não está menos assinalada nas nossas recordações que a do dia 5, entre tantos outros pousos desastrosos.

É preciso ter assistido, com a alma já pejada[8] de tristeza, a essas medonhas crises da natureza para formar ideia exata da sua influência sobre o organismo humano. Não tínhamos recurso algum. Não havia em todo o acampamento uma gota de líquido[9] capaz de entreter o calor interno que nos fugia. O fogo, nossa última esperança, não o podíamos acender debaixo da tormenta.
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Notas de Referências
[8] NE – Tomada de tristeza.
[9] NE -Algum tipo de bebida alcoólica. Aguardente.
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6- Notícias da guerra pelo jornal paraguaio El Semanario

Foi nesse estado de geral desfalecimento que ainda veio impressionar-nos a confirmação de quanto depuseram um ferido paraguaio, que Gurupaity e Humaitá continuavam a resistir e que a guerra estava longe de seu termo. Um número do El Semanario[10] de Assunção acabava de ser apanhado em um inimigo morto numa escaramuça[11]. A nova espalhara-se com a rapidez com que se propagam os boatos funestos, apagando as últimas centelhas de confiança e de valor[12]. Foi impossível marchar no dia 13.
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Notas de Referências
[10] NE - De acordo com os registros históricos A República do Paraguai soube muito bem a utilizar a impressa escrita para intercambiar as informações entre as tropas do exército e marinha durante a Guerra e divulgar o que era de interesse do Governo. Além do El Semanario, outros três Periodicos circularam: El Centinela, Cabichu’i y Cacique Lambaré, este último inteiramente redigido em guarani.
Como o jornal oficial do governo, El Semanario, editado em Assunção, não tinha condições de ser distribuído em todas as frentes de luta, os soldados passaram a imprimir seus próprios jornais, que reproduziam as notícias divulgadas na capital e publicavam artigos e sátiras contra os inimigos (Brasil, Argentina, Uruguai).
O próprio Autor, Taunay, no Capítulo 8, Conferenciando, trocando mensagem com as forças paraguaias realça o domínio da linguagem escrita pelos militares paraguaios. No contexto de outros Capítulos, o próprio autor demonstra a sua indignação e a dos comandantes quanto a falta de notícias, tanto de Cuiabá, do Rio de Janeiro, como do andamento do teatro das operações da Guerra pela região Sul. Demonstra também que quando houve algum prisioneiro de guerra Paraguaio ou dos próprios fugitivos brasileiro a principal inquietação era obter informações acerca das operações militares dos paraguaios e dos brasileiros.
O fato de quase todo soldado paraguaio saber ler e escrever foi aproveitado por Solano López. A imprensa foi o veículo de comunicação largamente usada para a doutrinação dos soldados. As tropas paraguaias estavam sempre bem informadas sobre o andamento da guerra, sua natureza e facilmente atingidas pelos avisos do comando. O Periodico do governo, El Semanário, era lido praticamente por quase todos os soldados. Pelo uso intensivo da imprensa, era comum o simples soldado paraguaio estar melhor informado sobre a guerra do que até mesmo oficiais brasileiros. Adaptado de Visconde de Taunay, A Retirada da Laguna e O papel dos jornais no Exército do Paraguai nos anos 1860. http://nucleopiratininga.org.br. http://www.portalguarani.com.
[11] NE - Batalha; conflito; combate. Também pode ser entendida como uma batalha pedida sendo vencida a custo de extremo esforço.
[12] NE – Coragem.
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7- Retomada a marcha 14 de maio

No dia seguinte 14 de maio, a chuva caia ainda ao amanhecer, mas um tanto moderada, quando deixamos o inóspito acampamento e entramos em uma mata cerrada que o nosso guia, com grande sagacidade, julgou avisadamente que devíamos tomar; por ai marchamos durante mais de duas horas, não sem muita dificuldade; mas evitávamos assim o desfiladeiro que os paraguaios ocupavam, e onde se tinham suposto capazes de aniquilar-nos.

Lopes com razão mostrou-se satisfeito com o êxito dessa volta. Tendo-lhe alguém perguntado que rumo seguia, pôs-se de vontade a rir:

__ “O rumo, disse ele, está na minha cabeça”.

Se via consultar a bússola, dizia que o agulhão só prestava para fazer bonitos desenhos para distração de passeantes. Mostraram-lhe então que havia deixado a direção norte e que assim demorava a viagem:

__ “Sim, replicou, desviamo-nos momentaneamente para os campos da Pedra de Cal[13]que eu descobri e que em 1864 o general Leverger, meu amigo, tinha de visitar comigo, se não sobreviesse a guerra”.

Ao meio dia achamo-nos diante de um cerrado de taquaris, por meio do qual tivemos de abrir caminho a machado e à foice, cousa que nos tomou muito tempo, em razão da dureza e da elasticidade dessa espécie de bambu, como da má qualidade do aço dos nossos instrumentos[14].

Às duas horas estávamos ainda com as mãos na obra. O nosso guia principalmente não podia dominar a sua impaciência; de tempos em tempos entrava pelo matagal deitando-se sobre o pescoço da cavalgadura, procurando entrever alguma abertura para a planície descampada; mas, como o não conseguisse, víamo-lo voltar cada vez mais agitado, mais descontente e com as roupas despedaçadas.
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Notas de Referências
[13] NE – Pedra de Cal, Rio e Região – Atualmente denominado de Rio Piripucu, afluente, pela margem direita, do rio Apa, município de Bela Vista. Bacia do rio Paraguai.
História. Afonso Loureiro, Atanásio Melo e Davi Medeiros exploraram os campos
do rio Piripucu, em 1874, para fazer posse. O rio era também conhecido como Pedra de Cal, cujo nome foi dado por José Francisco Lopes, o dedicado guia das forças expedicionárias de Mato Grosso, na campanha do Apa, em 1867. Na obra Retirada da Laguna aparece com o nome de rio das Cruzes.
Pedra de Cal também deve ser entendida como uma região de Campos, cerrados, macegas entre o caminho do Rio Miranda e o Apa, do qual josé Francisco Lopes o conhecia, já que as propriedades de que dispunha neste período correspondente a ocupação paraguaia estendiam-se nas duas margens do rio Miranda. Adaptado de as Enciclopédia das Águas de MS. IHGMS 2014 e Acyr Vaz Guimaraes, Seiscentas Léguas a Pé., 1988.
[14] NE – As ferramentas de corte apresentavam pouco afiadas. Machadinhas; facão.
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8- Enfim nova parada, a aguada disputada a tiro de canhão

Dali saímos afinal às três horas; às cinco a coluna inteira tinha transposto essa barreira resistente, e continuou a marchar, já ao declinar do dia, ainda por um bom quarto de légua, até um cômoro[15] na base do qual bonitos capões de mato indicavam a vizinhança de alguma fonte.

Já ali estava uma numerosa partida paraguaia que dispunha-se a acampar. Os cavaleiros tinham-se apeado, conservando contudo as suas fileiras. Duas granadas das nossas peças da vanguarda bastaram para que eles se dessem pressa em ceder-nos o lugar, e ali acampamos tranquilamente. Os nossos animais encontraram pasto regular e toda a água de que careciam.

Ainda ali tiramos das nossas carretas os bois mais extenuados para o corte. Era pela insuficiência e pela má qualidade, uma distribuição de víveres quase irrisória.
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Notas de Referências
[15] NE - Saliência ou elevação de pequenas dimensões situada num terreno; Local cuja a base pode estar banhada por alguma fonte de água, nascente.
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9- Depois de relativo pernoite, a marcha é retomada, dia 15 maio

No dia 15 de maio ao amanhecer estávamos em uma planície onde era para recear algum incêndio a outra hora do dia, pois estava coberta de macega, mas Lopes fizera-nos ver que esse mato, embebido no orvalho da noite, só pode pegar fogo depois de estar algum tempo sob os raios do sol, por isso tomamos daí o costume de pôr sempre muito cedo a nossa gente em movimento e de ativar o mais que podíamos a primeira marcha.

O terreno que tínhamos de atravessar, apresentava em uma vasta extensão uma sucessão de montículos, cortados com certa regularidade por extensos charcos, dos que dão origem a vários afluentes do Apa. A passagem deles tornara-se difícil com a chuva torrencial do dia 13, e ora a nossa artilharia, ora algumas carretas atolavam-se.

10- Novos ataques paraguaios da Infantaria, Cavalaria e Artilharia

Em uma dessas ocasiões e quando íamos atravessar um desses estreitos lameiros, consideráveis destacamentos inimigos vieram, não dar-nos uma carga, mas fazer um como reconhecimento, bastante prolongado para convencer-nos de que traziam o intento de empenharem-se seriamente. No entanto, puseram-se para logo em coluna e retiraram. Cousa que tanto mais nos surpreendeu quando viera após eles, um enxame de atiradores que dispostos em pequenos grupos, pareciam ter em vista rarear-nos as fileiras para facilitarem a tarefa da sua cavalaria e apareciam outras partidas prestes a entrar em ação.

Não podíamos atacar a infantaria em tais circunstâncias e tivemos de suportar-lhe o fogo.

Felizmente a pontaria foi má, precipitada, incerta, tal em suma como sempre nos parecera por parte dos paraguaios; pois empregam cartuchos muito grandes que produzem fortes recuos; dir-se-ia que preferem ouvir o barulho do tiro à garantirem o seu efeito. O que é incontestável é que lhes faltava suficiente aprendizagem e exercício.

Ainda dessa vez causaram-nos diminuto dano. As suas balas passavam-nos por sobre as cabeças e apenas tivemos dois homens fora de combate. Tínhamos muito melhor pontaria; pusemos muitas vezes a confusão no meio deles. Vimo-los usar então de nova manobra, deitavam-se por detrás dos acidentes de terreno de que estavam próximos e dali faziam-nos fogo, mostrando uma ou duas cabeças nas encostas dos pequenos cômoros e depois escondendo-se após alguns tiros disparados ao acaso. Quase que não respondemos a esse fogo.

Havia entretanto um tanto mais longe dali, sobre uma esplanada bastante extensa, um grupo de cavaleiros que faziam caracolar[16] os cavalos, soltando hurras em honra do Paraguai e do marechal Lopez e adiantando-se até ao alcance da nossa artilharia; esta fez-lhe alguns tiros, e eles retiraram lentamente. Um deles ficou de observação; imóvel sobre o seu cavalo, parecia afrontar-nos.

O nosso major de artilharia Cantuaria, fazendo por si mesmo a pontaria, atirou-lhe uma granada tão bem dirigida que foi cair-lhe aos pés do cavalo e cobrindo de terra ao animal e ao cavaleiro, saltou depois em ricochetes até um bosque vizinho, onde havia gente, arrebentou ali e produzindo efeito bastante para que notássemos movimento. A sentinela teve dificuldade em conter a cavalgadura no lugar, mas não se moveu e com isso tirou-nos a vontade de apontar-lhe de novo.
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Notas de Referências
[16] NE – Empinar os cavalos.
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11- Não vencendo pelo canhão e a espada, os paraguaios retomam a estratégia do fogo nas macegas

Vendo o coronel, ao cabo de algum tempo, que a demonstração apenas tendia a demorar-nos, fez com que o batalhão Nº. 20º e a coluna inteira passassem a lagoa; mas, apenas tomamos a pôr-nos em marcha, surgiram chamas de todos os pontos da campina e reunindo-se tomaram proporções temerosas.

O Guia Lopes, que não pudera ocultar durante a nossa longa escaramuça uma inquietação que ainda não lhe tínhamos notado, reconquistou toda a sua energia de ação para encostar imediatamente a coluna a dois capões de mato que preservaram-nos por então das chamas laterais e mandou cortar as macegas uma área mais vasta, onde tivemos de sofrer menos que da primeira vez com a aproximação do fogo, mas onde a fumaça foi muito mais terrível, por causa da extensão da planície.

Tem este gênero de incêndio feição toda especial e de que nem uma cidade inteiramente devorada pelo fogo poderia dar ideia. Cresce a distância de onde vêm as chamas tangidas pelo vento, que as domina e mais formarão elas em todos os obstáculos encontrados, contracorrentes espalhadas em todas as direções, animadas como de inextinguível furor. Do combate, que no ar travam, saltam clarões ofuscantes, ardentias e deslumbramentos que cegam e queimam a pele do rosto.

Um dos capões de mato que nos ficava no flanco, compunha-se em grande parte da espécie de bambus chamados tabocas, cujo colmo é oco entre os nós. O fogo neles produzia detonações semelhantes às do canhão, chegamos a supor que a artilharia paraguaia tornava a entrar em linha. O velho Lopes motejou[17] da suposição:

__ “Bem se vê, disse, que os senhores são novatos nesta terra”.

Ao cabo de algum tempo, tendo o vento amainado e a atmosfera resfriado um tanto, quisemos continuar nosso caminho, mas o sol reverberando[18] no chão ardente e calcinado, tornou essa marcha durante o breve tempo que lhe pudemos resistir, verdadeiro trato que arrancava gemidos involuntários aos mais robustos. Os olhos não se podiam conservar abertos no ambiente abrasado que atravessávamos.
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Notas de Referências
[17] NE – Rir, zombar.
[18] NE – Refletir luz; calor; brilhar.
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