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29 de abril de 2017

À CAMINHO DO APA - LAGUNA, PARAGUAI - 03 CAMINHO DE NIOAC

CAPÍTULO II
AS FORÇAS EM OPERAÇÕES NO SUL DA PROVÍNCIA DE MATO GROSSO

Parte 2 - Deslocando de Miranda à Nioac 11 a 24 de janeiro 1867

FOZ DO RIO NIOAQUE NO MIRANDA

Conhecido por Forquilha

Próximo ao Rodovia MS-345 Bonito à Anastácio

Imagem Adaptada Google Earth Pro 2017




A 11 a força pôs-se em movimento e pela primeira vez as praças de artilharia montada, puxadas por bois, acompanharam a marcha da infantaria.

Os diferentes corpos saíram da povoação de Miranda completamente fardados, armados e providos de munições.

Livres, pressentiam-no, das privações a que tinham sido submetidos, altivos com o sentimento de disciplina que os fizera tudo atravessar adestrando-se cada vez mais ao manejo das armas, o que esses homens pediam era um clima salubre que acabasse de restara-lhes as forças e os pusesse em estado de operar, iam deparar esse auxílio em Nioac[1].

A estrada era longa e costeava magníficos bosques, grupos de árvores imponentes, em que dominavam os umbus[2] embalsamando o ar à distância com as suas flores abertas, os pequis[3] carregados de frutos e as providas mangabeiras[4].
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Notas de Referências:

[1] NE - 25 léguas ao Sul de Miranda. Atualmente pelas rodovias a distância é de aproximadamente 168 km. As coordenadas Geográficas da cidade de Nioaque são Latitude: 21º 09' 35" S - Longitude: 55º 49' 49" O de Greenwich. Determinadas pelo Coronel Renato Barbosa Rodrigues Pereira. Marco afixado na Praça Central. Livro de Ata de reuniões da Câmara Municipal de Nioac – Folha 28 do dia 06 de Maio de 1940.
[2] NE – Umbu, intitulado por Euclides da Cunha como a “árvore sagrada do sertão”, o umbuzeiro é também conhecido como imbuzeiro (nome cientifico: Spondias tuberosa). O seu fruto é o umbu ou imbu. A palavra que lhe deu esse nome é o “ymbu”, de origem tupi-guarani, que significa “árvore que dá de beber”, uma referência a sua característica de armazenamento de água, especialmente da raiz, qualidade necessária para sobrevivência nos longos períodos de seca no seu habitat natural. A planta pode alcançar sete metros, tem tronco curto e copa em forma de guarda-chuva. As flores são brancas, agrupadas, perfumadas, com néctar que é retirado pelas abelhas para se alimentarem e produzirem mel. (http://www.cerratinga.org.br/umbu)
[3] NE – Pequi, O pequi (nome científico: Caryocar brasiliense) é um fruto típico do Cerrado, cuja nomenclatura vem do Tupi e significa “pele espinhenta”. Já seu fruto possui o tamanho aproximado de uma maçã e uma casca verde. No seu interior, existe um caroço revestido por uma polpa comestível macia e amarela. Embaixo da polpa há uma camada de espinhos muito finos, por isso ao roer o pequi cozido, é preciso ter cuidado. Por baixo dos espinhos há uma amêndoa macia e muito saborosa. A época de produção dos frutos é de novembro a janeiro. A germinação do pequi pode demorar até um ano, mas menos da metade dos caroços germinam. (http://www.cerratinga.org.br/pequi)
[4] NA – Mangabeira, arbusto da família das apocyneas cujo fruto tem sabor de maçã. Fruto chama-se mangaba.
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Os acidentes do solo são formosíssimos: os regatos e as ribeiras correndo abundantes, ofereciam por toda a parte água excelente. Os olhares já não caiam sobre as tristes perspectivas dos pântanos, ao contrário deleitavam-se na contemplação de prados verdejantes, de planos cheios de felizes contrastes sob sombras vigorosamente coloridas.



A estrada até Lauiad[5] dirige-se diretamente para leste; atravessa a torrente do Betemigo, do Enagaxigo e do Ponadigo[6], nas margens dos quais existiram aldeias indígenas[7].



De Lauiad em diante à direção[8] é S.SE. O panorama que daí se descortina e que se desenrola de improviso é incomparavelmente imponente. Vasta planície aos pés do espectador, enriquecida de magníficos pormenores; além, às grandes orlas do bosque do Aquidauana acompanhando as sinuosidades das suas formosas águas; ao longe, a cordilheira de Maracaju com os seus picos escalvados a refletirem os esplendores do sol e a formarem uma coroa por sobre toda essa prodigiosa massa azulada pela distância.



Esse sítio foi com razão chamado pelos guaicurus Campos Formosos (Lauiad).

O sentimento de admiração parece ser apanágio dos povos civilizados; a manifestação desse sentimento, a exterior pelo menos, é muito rara no homem primitivo.

Mas os largos traços de uma cena majestosa da natureza conseguiram uma vez penetrar o invólucro material do selvagem e unir ao Autor da obra o rude espectador maravilhado. O primeiro guaicuru que lançou os olhos para essa zona encantada, não pôde reter uma exclamação de surpresa; com a voz gutural e profunda saltou a palavra “Lauiad”, que ficou para sempre consagrada.

Reconhecemos não longe daí, à beira da estrada, que é quase em linha reta até Nioac, os restos de um acampamento inimigo, que devia ter pelo menos contido cinco mil homens, tal era com efeito o número dos paraguaios que o haviam ocupado, antes que parte deles fosse chamada a Humaitá, fato que não podia deixar de confirmar-nos na opinião de nossa insuficiência numérica ao abrir-se a guerra.
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Notas de Referências:
[5] NE – Lauiad, segundo denominação dos índios guaicurus, Campos Formosos.

[6] NE - Betemigo, Enagaxigo e Ponadigo, denominações indígenas a córregos localizados aproximadamente a duas léguas na antiga estrada que interligada a Vila de Miranda e a Povoação de Nioaque.
Ponadigo ou Eponadigo, como em geral todas as denominações de lugares do Distrito de Miranda, é este nome de origem guaicuru e significa— bando de traíras. Ierecê A Guaná. Autor: Taunay, Visconde De (Afonso D'Escragnolle Taunay
[7] NE - Ierecê a Guaná: seguido de, Os índios do distrito de Miranda: vocabulário da língua guaná ou chané. Ierecê a Guaná. Autor: Taunay, Visconde De (Afonso D'Escragnolle Taunay)
[8] S.SE é a abreviatura para designar a direção Sul e Sudeste. Os pontos cardeais, colaterais e subcolaterais indicam, juntos, dezesseis orientações no espaço de referência. São meios de orientação no espaço terrestre utilizados em diversos instrumentos, tais como as bússolas e os mapas. Os quatro pontos Cardeais – Norte, Sul, Leste e Oeste N,S,L/E,O/W. Pontos colaterais: NE nordeste, NO ou NW noroeste, SE sudeste, SO ou SW sudoeste. Pontos subcolaterais: ENE este-nordeste, ESE este-sudeste, SSE sul-sudeste, NNE norte-nordeste, NNO/NNW norte-noroeste, SSO/SSW sul-sudoeste, OSO/WSW oeste-sudoeste, ONO/WNW oeste-noroeste.
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Esse acampamento abrangia com a sua circunvalação uma coluna inteira, arredondada, cujas rampas eram banhadas por águas bastante profundas e de notável pureza, nas quais vimos flutuarem “nenuphares[9] com os seus thyrsos” de lindas flores azuis.



Algumas informações relativas a esse acampamento foram-nos dadas por um brasileiro, excelente explorador de regiões novas, o sertanejo José Francisco Lopes, cujo filho, costumado ao mesmo gênero de vida, tinha sido chamado pelo chefe dos paraguaios e convidado a tomar o partido deles como guia, mas o moço não assentira nisso e a exemplo do pai, guardara-se para seguir-nos e será no meio de nós e salvando-nos que vê-los-emos ambos terminar ao mesmo tempo a sua generosa existência.

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Notas de Referências:

[9] NE - Pontederia cordata, vulgarmente chamada aguapé.  Herbácea, pertence à família Pontederiáceas, nativa dos EUA até Argentina, perene, rizomatosa, de crescimento rápido, de até 1 m de altura. Folhas verdes escuras brilhantes, em forma de lança. Inflorescências de cor lavanda azulada, semelhantes a espigas, emergindo do meio das folhas. Nativas ou cultivadas em lagos e rios em águas rasas, fixam-se no fundo lodoso dos lagos, exibindo apenas as folhas e as flores. http://www.floresefolhagens.com.br. Acessado janeiro 2017.


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A quatro léguas de “Lauiad” acha-se a Forquilha, onde o Nioac reúne-se ao Miranda.



Todos esses sítios são de beleza sem par e tais que é impossível a um brasileiro deter-se na ideia de que o futuro entregue a posse deles ao Paraguai a cessão da esplanada incomparável de Nioac é quase uma abdicação do cetro daquela região.



Entre outras uma eminência, donde se dominam as margens cobertas de matas do Uacogo[10], do Nioac e do Miranda enlaçando a planície nas suas curvas convergentes, oferece uma perspectiva que excede ainda, si é possível, a de Lauiad e é tal a luz suave e brilhante que cobre toda a região que involuntariamente a imaginação vem emprestar a sua magia a esse conjunto de encantos irresistíveis da terra e do céu. As frescas águas do Nioac, apertadas entre ribanceiras elevadas, cobertas de taquarussús[11], correm sobre um leito quase continuo de pedra vermelha, disposta em grandes lajes e em muitos sítios o trabalho da corrente sobre a pedra é tão notável que até se recomenda à atenção e ao estudo do geólogo[12]. E que sábio ou artista não acharia ampla messe nesses miraculosos campos?





Rio Nioaque atual e marcas pisada dinossauro.

Na extensão de dez léguas que separam a Forquilha de Nioac, os terrenos têm nível inferior aos que precedem Lauiad, não todavia a ponto de poderem em tempo algum ser invadidos pelas cheias; são pelo contrário secos e cobertos de pedregulho, que forma um como “mac-adam[13]” natural. Nas matas são comuns os pequis; há também uma árvore corpulenta que arreia-se de bagas sacharinas[14] e agradáveis, chamadas frutas de veado. Os jacarandás[15] também não são ali raros.
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Notas de Referências:

[10] NE – Uacogo. Governo de Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, foi um dos governadores mais importante do Mato Grosso no período colonial. Considerado o responsável por consolidar as pretensões portuguesas em terras mato-grossenses. Na tentativa de dominar a navegação do Pardo até o Taquari, organiza duas excursões com o objetivo expresso de investigar toda a região navegável para que pudessem estabelecer como posse definitiva dos portugueses. Nova identificação para a região. Desta forma, a ordem de Dom Cáceres era mudar o nome do rio “Mboteteú para Mondego”, atual Rio Miranda e ao Embotetey ou Uacogo de Aquidauana, denominação que conserva ainda hoje. Nioac, Nioaque, primitivamente entre outras denominações, “Anhuac”, dos índios Guaicurus, significando “Clavícula Quebrada”. Originalmente atributo ao Rio, atualmente ao Rio, cidade e Município de Nioaque.
[11] NE - Taquarussu é decorrência da existência de grande quantidade de bambus ou taquaras, mais conhecidos como taboca. Planta da família das gramíneas, que ainda subsistem nas matas e margens de muito rio.
[12] NE – O Vale dos Dinossauros no Rio Nioaque. Pode-se até dizer que Taunay, ao referir ao rio Nioaque, pressentia que no seu leito escondia alguns segredos da natureza, pois sugeria já em 1867 um estudo Geológico. Na década de 1980, o professor e pesquisador da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Gilson Martins descreve pela primeira vez a existência de sítio paleontológico, no leito, margem do rio Nioaque, aproximadamente a três quilômetros da cidade, são as “pegadas de dinossauros” . Pesquisas preliminares apontaram que as pegadas teriam sido deixadas no período Cretáceo por dinossauros bípedes de postura ereta, como os ornitópodes. No entanto, acrescentaram a possibilidade de que sejam rastros de terópodes, cujo exemplar popularmente conhecido é o tiranossauro. Os estudos prosseguem por diversos pesquisadores e instituições de pesquisas.
[13] NE – MacAdam, Macadame (do inglês Macadam) é um tipo de pavimento para estradas desenvolvido pelo engenheiro escocês John Loudon McAdam, cerca 1820. O processo recebeu o nome de Macadam em homenagem ao seu criador McAdam.
Consiste em assentar três camadas de pedras postas numa fundação com valas laterais para enxugo da água da chuva. As duas primeiras camadas, a uma profundidade de aproximadamente 20 cm, recebem brita de tamanho máximo 7,5 cm. A terceira camada é feita com 2 camadas de 5 cm, cheias de pedra de tamanho máximo de 2,5 cm. Cada camada é calçada com um rolo pesado (um cilindro), fazendo com que as pedras se acamem umas nas outras. Este assentamento de sucessivas camadas de pedra gradualmente menor, de modo que as pedras maiores sirvam de base sólida e levando a que o cascalho fino nivele o solo, é conhecido como macadam water-bound. Embora este método requeira intensa mão-de-obra, resulta num pavimento forte e enxuto. (Adaptado de https://pt.wikipedia.org/wiki/Macadame)
[14] NE – Sacharinas, o mesmo que sacarina. A Sacarina é um dos mais antigos adoçantes.
[15] NE – Jacarandás, O Jacarandá é uma espécie arbórea de grande porte, encontrando-se vulgarizada em diversas cidades do mundo.
Tem a sua origem na América do Sul (Brasil, Argentina, Peru ). Na sua zona de origem esta espécie é semi-caduca ou perene, no entanto a larga amplitude térmica na nossa latitude faz com que o Jacarandá perca a folha.
Não é raro algumas folhas permanecerem na árvore quando esta se encontra em situações mais abrigadas e protegidas do frio.
O Jacarandá prefere solos ricos, arenosos e bem drenados, mas apresenta grande tolerância à maioria dos tipos de solo, não resistindo ao sal. Resiste bem à secura, fato que lhe permite uma dispersão geográfica tão vasta. (Adaptado de http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/arvores/jacaranda).
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A marcha sobre Nioac realizou-se com muita ordem e regularidade, indo alguns dos doentes em redes e outros em cestos[16] com recosto semelhantes aos de que serviu-se o exército francês na Argélia e que foram inventados por Larrey[17] no Egito. Este excelente meio de transporte foi-nos de grande auxílio; ainda nessa ocasião suavizou os últimos momentos do capitão Lomba, do Nº. 21º Batalhão, que morreu ao chegar, último sacrifício à má sorte ligada a nossa longa demora em Miranda.



A benigna influência da esplanada a que havíamos chegado fez desaparecer completamente a epidemia de beribéri!



Os indivíduos afetados restabeleceram-se prontamente; não tornamos a ver esses, terríveis entorpecimentos, sinais precursores da enfermidade que tão cruelmente nos perseguira.

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Notas de Referências:

[16] NE – Outro significado, espécie de cangalhas.
[17] NE – Larrey, Dominique Jean Larrey , Barão Larrey e do Império Frances. Foi médico e cirurgião militar, pai da Medicina de Emergência. Nascido em 8 de julho de 1766 em Beaudéan e morreu em Lyon 25 de julho de 1842. Cirurgião-chefe do Grande Exército, seguindo Napoleão I em todas as suas campanhas. Ele foi um pioneiro da ajuda aos feridos no campo de batalha, praticando cuidados no terreno o mais rapidamente possível, por meio de ambulâncias móveis cirúrgico. Adaptado do Inglês, https://en.wikipedia.org/wiki/Dominique_Jean_Larrey.

À CAMINHO DO APA - LAGUNA, PARAGUAI - 02 NA VILA DE MIRANDA

CAPÍTULO II
AS FORÇAS EM OPERAÇÕES NO SUL DA PROVÍNCIA DE MATO GROSSO
Parte 1 - Na Vila de Miranda 1866-1865


Desenho de Visconde de Taunay retratando o Quartel na Vila de Miranda, entre setembro e dezembro de 1866. Na parte superior, em francês: "O fogo colocado pelos paraguaios no interior da construção não se propagou a toda ela por causa de uma tempestade que desabou no dia seguinte a saída das forças inimigas. As árvores do último plano, margeiam o Rio Miranda à umas cem braças mais ou menos do quartel". A seguir, em baixo, em português: "Quartel de Miranda - Edificado no lugar da antiga estacada, a que chamavam de forte. Bons prédios acham-se todos destruídos pelo fogo: a vila oferece aspecto desolador". Original disponível: http://www.retiradalaguna.hpg.ig.com.br/ 18.12.2004


a) O Coronel Carlos de Moraes Camisão assume o comando das Forças em Operação

Foi a 1º de janeiro de 1867 que o coronel Carlos de Moraes Camisão, nomeado pela presidência de Mato Grosso, assumiu o comando desses mal-aventurados a quem só profundo sentimento de disciplina pudera conter até então sob as bandeiras.

b) A Situação da região da Vila de Miranda: segurança, salubridade, localização, estratégia militar, abandono, população

O sítio de Miranda é quase inabitável; bordado, em extensão considerável, de brejos que a menor chuva inunda em um momento, ainda na boa estação e que os raios ardentes do sol secam com a mesma rapidez, privado de boa água, pois a do rio Miranda é sempre turva e lodosa, o terreno em sua própria disposição não oferecia de mais a mais uma só das condições militares às quais poder-se-iam em rigor sacrificar as considerações da higiene. Ao longo de uma corrente em que podem navegar grandes barcas, estende-se a margem uniformemente baixa a que caminhos abertos e planos tiram toda a segurança.

A comissão de engenheiros tinha-se frequente e energicamente pronunciado contra maior demora em semelhante foco de infecção e o chefe da junta médica apontara-o já por duas vezes nos seus relatórios como causa da ruina da expedição, pois o seu pessoal diminuía de contínuo com a morte ou com a dispensa forçada dos doentes. Continuava o beribéri[1] a fazer em nossas fileiras numerosas vítimas naquele lugar ainda sujeito à influência dos grandes pantanais que a tropa acabara de atravessar, entre o Coxim e Miranda.

Os paraguaios, quando invadiram o Distrito, reconheceram o perigo dessa residência, e, retirando daí em fevereiro de 1866, reforçaram com o destacamento que ali tinham os postos do Porto de Souza[2] e de Taquarussú[3] que eram as suas sentinelas avançadas sobre o rio Aquidauana.
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Notas de Referências:
[1] Beribéri, nota no Capítulo 1.
[2] NE – Sobre o Porto Souza, escreveu Taunay, “E, com efeito, os paraguaios rondavam toda a margem , esquerda do rio Aquidauana e tinham um posto fortificado no Porto do Souza”.
DISTANCIAS ALEM DO AQUIDAUANA
Do porto do Sousa a Miranda 10 léguas
De Miranda ao Eponadigo 9 léguas
Do Eponadigo à Forquilha 7 leguas 
Da Forquilha a Nioac 10 léguas
Do porto do Sousa a Nioac 36 léguas
Os efetivos e os pontos com Destacamento da Força Paraguaia:
“Duas extensas cartas, cuja integra remettemos, que receberam os moradores d'este lugar do cidadão
João Barbosa Bronzique, prisioneiro dos paraguayos em sua fazenda, desde o ano passado (1865), deram-nos informações do estado a que se acham reduzidos os inimigos e da força espalhada em diversos pontos; têm eles nas colonias de Dourados e Miranda 100; no Brilhante 100; Sete Voltas 10; Vaccaria 100; Água Fria 30; Nioac 500; Taquarussú 200; Porto do Sousa 200. Ao todo 1.240 homens, a que se devem acrescentar os 50 de Miranda que vieram para o Espenidio e Sousa, e outros que existem junto do Apa e morro do Canastrão, onde possuem boa cavalhada. Desde o Porto do Souza até o de Maria Domingas. Os paraguayos têm ultimamente lançado fogo a todos os campos e desbastado as margens parecendo ter assim conhecimento dos próximos movimentos ele nossa força.
Morros, 16 de Abril de 1866”. Em Matto-Grosso Invadido. Visconde de Taunay. São Paulo 1929.
“Antigo porto no rio Aquidauana, no atual município de Aquidauana. Bacia do rio Paraguai. Localizava-se algumas léguas a Montante da cidade. Não consta nos mapas atuais. História. A Força Expedicionária de Mato Grosso o atravessou para alcançar Miranda, em 1866, durante a Guerra da Tríplice Aliança. Antes, os paraguaios mantiveram, ali, por algum tempo, soldados em vigília". Enciclopédia das Águas. IHGMS. 2014.
[3] NE – Rio Taquaruçú, de acordo com a Enciclopédia das Águas. IHGMS. 2014. Afluente, pela margem esquerda, do rio Aquidauana, no município de Anastácio; em seu médio curso é limite entre os municípios de Anastácio e Nioaque. Cruzando por este rio estava a estrada antiga entre Nioaque e Aquidauana. Percorrida por paraguaios e brasileiros. Havia um Destacamento do Exército Paraguaio apos a invasão do território mato-grossense.
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Já antes da invasão estrangeira os próprios habitantes de Miranda intentaram fazer com que se transferisse a cabeça da comarca quer para Pedra Branca[4] quer para Forquilha, invocando contra o estabelecimento atual razões demasiado justas, as febres gerais nos meses das águas e os transbordamentos do rio, que subia nas grandes enchentes de trinta a quarenta palmos e chegava a cobrir quinhentas braças da margem direita ao ponto de alcançar as primeiras casas da povoação.

Miranda, quando a nossa gente ali acampou, estava em ruínas. Os paraguaios tinham-lhe deitado fogo ao deixarem-na, parte das construções ardera; mas podiam-se lhe reconhecer ainda sinais não equívocos de decadência anterior ao incêndio, a qual sucedera a uma primeira época de desenvolvimento e bem-estar. 

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Notas de Referências:
[4] NE – Pedra Branca, denominação Pedra Branca, poucas léguas acima, e a Forquilha ainda além e na Confluência dos rios Miranda e Nioac. Livro Ierecê a Guana. Taunay, Alfredo d'Escragnolle Taunay, Visconde de, 1843-1899 (Rio de Janeiro : B. L. Garnier, 1874)
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A população devia ter sido bastante considerável. Cômodas habitações subsistiam de pé e sobre os fundamentos de um velho reduto, um quartel bem construído que aliás fora muito danificado pelo fogo, fechava uma praça donde saiam duas ruas que iam ter à frontaria da igreja paroquial, ambas ladeadas de casas que se levantavam alguma distância umas das outras.



Desenho de Alfredo Maria Adriano d'Escragnolle Taunay Visconde de Taunay. Album Viagem pitoresca a Mato Grosso. Três círculos desenhados lado a lado. O círculo central é maior que os laterais. O círculo à esquerda não contém desenho ou inscrição. O círculo à direita contém a anotação a grafite "Igreja". O círculo central contém anotações a grafite: "Quartel" e "A Dios todas las glorias de Miranda" 
Original da http://ihf19.org.br Instituto Hercule Florence. 20/04/2017


Deste edifício restavam apenas as paredes laterais, o esqueleto da torre, o galo de folha de Flandres e uma cruz esculpida no alto do frontão. Fora construído pelo zelo de um virtuoso missionário italiano, frei Mariano de Bagnaia[5], que não só nisso empregara o produto das esmolas, que tirara por toda a parte com labor e dedicação infatigáveis, mas ainda a isso consagrara a sua modesta côngrua e os tristes restos da igreja, depois que ela fora saqueada pelos paraguaios que até lhe tiraram os sinos[6], tinham sido algum tempo antes testemunhas de uma cena de interesse local que parece-nos merecer que lhe concedamos aqui lugar, posto que venha interromper-nos o começo da narração.

c) O Frei Mariano de Bagnaia em Miranda

A 22 de Fevereiro de 1865 o padre Mariano, que a princípio ao aproximar-se a invasão refugiara-se nas margens do rio Salobra[7], voltara espontaneamente a entregar-se aos paraguaios no intuito de implorar-lhes compaixão para a sua mal-aventurada paróquia. O seu primeiro cuidado, ao chegar à povoação, fora correr à sua catedral, objeto da sua mais viva solicitude. Espetáculo desolador esperava-o ali: os altares derribados, as imagens santas despojadas dos seus adornos, todos os vestígios da profanação. Ao vê-lo, apoderou-se dele tal sentimento de indignação e de desespero que não pôde ter-se que não proferisse logo ali com voz retumbante, na presença do chefe paraguaio e da sua gente, um anátema solene contra os autores de tamanhos atentados:

__Ouviram-no todos cabisbaixos, como se essa voz austera fora a de algum dos antigos padres que os haviam catequizados e o comandante empenhou-se em convencer o missionário de que os Mbaias[8] (Os índios) eram os únicos culpados.

O santo homem, lavado em lágrimas, ia de um altar a outro, como para certificar-se do ultraje cometido contra cada um dos objetos da sua veneração e só depois de minuciosa verificação de todas as indignidades praticadas, resignou-se afinal a celebrar o santo sacrifício da missa, depois de haver tudo aparelhado para que fosse possível a cerimonia.

O que foi depois feito do padre Mariano, conduziram-no à Assunção[9]. Terá sido vítima do seu zelo? 

Dois oficiais da guarda nacional o tenente João Faustino do Prado e o alferes João Pacheco de Almeida, que o tinham acompanhado na sua volta a Miranda, vendo, depois de dois ou três dias passados na povoação, o caminho que levavam as cousas, pretextaram desejo de ir em busca das famílias que tinham deixado escondidas nas matas e, tendo arranjado alguns víveres, lograram a ventura de escapar-se, tomando depois com razão a cautela de não voltarem. Quanto ao padre Mariano nada transpirou acerca da sua sorte[10].


Foto Frei Mariano de Bagnaia, à direita, com outros frades, extraída do Livro do Frei Alfredo Sganzerla, p.172.


Documento com a assinatura do Frei Mariano de Bagnaia em visita episcopal a Nioac, 26 de Agosto de 1882.

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Notas de Referências:
[5] NE – Sugestão: Ler o Livro, A História do Frei Mariano de Bagnaia - Frei Alfredo Sganzerla. 
[6] Conforme relatos das pesquisas do Frei Alfredo Sganzerla, não apenas de Miranda, mas também das povoações de Corumbá e Nioaque os sinos das Igrejas, por serem de bronze foram levados para as fundições metalúrgicas na República do Paraguai. Rezam diversas lendas entre estas localidades sobre a atuação de Sacerdotes católicos e o roubo dos sinos. Neste espolio de guerra não somente os sinos foram carregados, mas todas as espécies de objetos metálicos sacros ou de bens particulares das populações.
[7] Rio Salobra. Salobra, além da denominação ao rio é também em tempos atuais um Distrito do Município de Miranda, no Mato Grosso do Sul.
No tempo da invasão pelo exército do Paraguai constituiu-se em uma região de refúgio imediato para muitas populações da povoação de Miranda que não conseguiram refúgio em outras cercanias.
O Rio Salobra é um afluente do Miranda com a nascente na Serra da Bodoquena, por percorrer terrenos cujo subsolo é de origem calcária, a coloração de suas águas é parda, leitosa e esverdeada. Em virtude desta composição química das suas águas apresenta sabor levemente salgada, contém mais sais que a água doce normal, daí a denominação de Salobra. Parte dos conceitos foram pesquisados na Enciclopédia das Águas – IHGMS.
[8] NE – Mbaia, do Guarani, mbaí, denominación que le daban los indígenas a los extranjeros, principalmente al español. Diccionario Guarani-castellano. Félix de Guarania. Assunción, Paraguay, 2011. Servi Libro. As traduções brasileiras designam simplesmente de índios. 
[9] NE – Quando o autor escreve o Livro e registrou estas informações sobre o Frei Mariano, ainda não se conhecia que destino lhe fora dado.
[10] Foi encontrado ainda vivo depois da batalha de Campo Grande ganha por S. A. o Conde d'Eu, a 16 de agosto de 1869. 
Frei Mariano nasceu na Itália Província Viterbo em 1820, nome de batismo era Saturnino Colonna, batizado na cidade de Bagnaia. Adotou o nome de Mariano de Bagnaia, depois de ter optada pela vida religiosa, na Ordem dos Capuchinhos. Estudou Teologia, Filosofia e Letras. Ao integrar o grupo de Missionários para trabalhar fora do seu país, veio para o Brasil.
A 4 de março de 1847, chegou ao Brasil, no Rio de Janeiro, Capital do Império. Em 1848 já estava na Província de Mato Grosso. Em 1850 está trabalhando com aldeias indígenas na região de Albuquerque, foz do rio Miranda com o rio Paraguai. Em 1859 é nomeado vigário da Vila de Miranda. Em Maio de 1864 saiu em visita pastoral às paróquias da sua Comarca. Recolhendo bastante frutos espirituais e administrando o sacramento da Confirmação a muita gente. 
Na eminência da invasão dos Paraguaios em dezembro de 1864, refugiou-se com os paroquianos, as margens do Miranda, na localidade chamada Salobra. Atualmente Rio e Distrito do Município de Miranda.
Preocupado com o povo da Vila, e das suas paróquias tentou ir implorar clemência ao militares paraguaios. Entretanto, nada conseguiu, pelo contrário, apresentando resistência, foi preso e conduzido a Nioaque, onde ficou sendo a Quartel General dos Paraguaios, após a ocupação e a fuga da população nioaquense. Depois de alguns dias de prisioneiro, foi conduzido com outros prisioneiros de guerra para Concepcion e dali para Assunción. Liberto em 16 de agosto de 1869 pelo exército brasileiro do presídio de Parrero Grande. O caminho de retorno foi de Assunção a Nioaque, segue para Miranda, Corumbá e Cuiabá. Em 1870 é nomeado vigário de Corumbá.
Depois de deixar o território sul-mato-grossense parte para o Rio de Janeiro e deste para o interior da Província de São Paulo. http://nioaquehistorias.blogspot.com.br/2016/04/fragmentos-religiosos-paroquia.html
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d) A substituição de Comando das Forças em Operação

Voltando ao nosso assunto, a demora que o corpo de exército teve em Miranda foi de cento e treze dias, desde 17 de setembro de 1866 até 11 de janeiro seguinte, 1867.

A 28 do dezembro 1866 o coronel Carvalho, um dos comandantes enviados da capital da província, atacado também da epidemia, retirara-se, deixando interinamente o comando ao tenente-coronel Juvêncio Manoel Cabral de Menezes, presidente da comissão de engenheiros e a 31 do mesmo mês o coronel Carlos de Moraes Camisão apresentou-se em Miranda, onde no dia seguinte, 1º de janeiro de 1867, fez-se reconhecer como chefe, como acima deixamos dito.

Despachou imediatamente para Nioac dois membros da comissão de engenheiros, Catão Roxo e Escragnolle Taunay, que o tenente-coronel Juvêncio já havia designado para irem examinar as passagens e o local, nele preparar o acampamento e tomar algumas disposições cativas ao recebimento dos doentes e ao armazenamento das munições de guerra e de boca ia-se afinal satisfazer o ardente desejo de todos; afastarem-se dos pântanos, procurarem ar vivificador. O novo Comandante dera-se pressa em atender a essa evidente necessidade.

A 10 publicou a ordem de levantar acampamento cuja execução, no entanto só se efetuou no dia seguinte, depois de dar-se ao corpo de exército nova organização. Haviam-no anteriormente dividido em duas brigadas, cada uma das quais composta de três corpos; mas quer uma, quer outra estavam por tal arte reduzidas que as manobras, que se baseavam sobre um número determinado de homens, tinham-se tornado quase impossíveis. 

Com a reunião do todo em uma brigada única de 1.600 homens, o estado maior ficou livre de pessoal exagerado, não sem economia sensível para o tesouro público; e semelhante medida há muito reputada útil, foi geralmente aprovada; mas a supressão do emprego de ajudante-general trouxe na prática o grave inconveniente de fazer com que o corpo de exército perdesse o seu mais precioso oficial, o tenente-coronel Miranda Reis, que tornou a tomar o caminho do Rio de Janeiro.

À CAMINHO DO APA, LAGUNA PARAGUAI - 01 DE COXIM À MIRANDA

CAPÍTULO I
AS FORÇAS EM OPERAÇÕES NO SUL DA PROVÍNCIA DE MATO GROSSO
A marcha do Rio de Janeiro à Miranda no Mato Grosso (Sul) 1865-1866[1] 


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1- Um contexto preliminar

Para dar uma ideia[2], algum tanto exata, dos lugares onde, em 1867, ocorreram os acontecimentos cuja narrativa se vai ler, convém lembrar que, ao finalizar de 1864, havendo o Paraguai atacado e invadido, simultaneamente, o Império do Brasil e a República Argentina, achava-se, decorridos dois anos, após tal investida, reduzido a defender o próprio território, invadido do lado do sul, pelas forças conjuntas das duas potências aliadas, a quem coadjuvava pequeno contingente de tropas da República do Uruguai. Ao sul oferecia o caudaloso Paraguai mais vantagens à expugnação da fortaleza de Humaitá, que, pela posição especial, se convertera na chave estratégica do país, assumindo, nesta porfia encarniçada, a importância de Sebastopol, na Campanha da Crimeia.

Ao Norte, do lado de Mato Grosso, eram as operações infinitamente mais difíceis, não só porque ocorriam a milhares de quilômetros do litoral atlântico, onde se concentram todos os recursos do Brasil, como ainda por causa das inundações do rio Paraguai, que cortando na parte superior do curso terras baixas e planas, transborda anualmente, a submergir então regiões extensíssimas. Consistia o plano de ataque mais natural em subir as águas do Paraguai, do lado da Argentina, até o coração da república inimiga e, do Brasil, descê-las a partir de Cuiabá, a capital mato-grossense que os paraguaios não haviam ocupado.

Teria impedido à guerra arrastar-se durante cinco anos consecutivos esta conjugação de esforços simultâneos. Mas era-lhe a realização extraordinariamente difícil, devido às enormes distâncias a transpor. Basta lançar os olhos sobre um mapa da América do Sul e examinar o interior do Brasil, em grande parte desabitado, para que qualquer observador de tal se convença logo.

No momento em que se enceta esta narrativa, estava, pois, a atenção geral das potências aliadas quase exclusivamente voltada para o Sul, para as operações de guerra, travadas em torno de Curupaiti e Humaitá. Quanto ao plano primitivo fora ele mais ou menos abandonado; quando muito ia servir de pretexto a que se infligissem as mais terríveis provações a uma pequena coluna expedicionária, quase perdida nos imensos e desertos sertões brasileiros.

Em 1865, ao abrir-se a guerra que o presidente do Paraguai, Lopez, sem outro motivo mais que a sua ambição pessoal, suscitou na América do Sul, cobrindo-se apenas com o vão pretexto de nela manter o equilíbrio internacional, o Brasil, obrigado a salvaguardar a própria honra e a própria independência, dispôs-se denodadamente para a luta; lançou as vistas para todos os pontos em que podia operar contra o agressor. A invasão do Paraguai pelo Norte acendia naturalmente ao espirito; então, preparou-se uma expedição por esse lado.
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Notas de Referências:
[1]RELATÓRIO COMENTADO da Comissão de Engenheiros desde o rio Taqnary até a Villa de Miranda, com documentos anexos e trabalhos parciais de alguns ajudantes da mesma comissão junto ás Forças em Operações ao Sul da Província de Mato Grosso. 1866. Livro Em Mato Grosso Invadido, Visconde de Taunay, 1929. Pag. 58. 
Quando a coluna expedicionária chegou ao Coxim, passou a denominar-se Forças em Operações ao Sul da Província de Mato Grosso, conforme autorizara o governo imperial. Nas correspondências expedidas pelo Coronel Camisão ao Senhor Albano de Souza Ozorio, Vice-Presidente da Província de Mato Grosso, também emprega esta denominação, Quartel do Comando das Forças em Operações ao Sul da Província de Mato Grosso, na Colonia de Miranda.
Dentro deste pressuposto, adoto em todos o conjunto das publicações esta denominação para designar este conjunto de Civis, militares, brancos, negros, mulatos, índios, homens, mulheres, crianças, animais, mercadores que estiveram envolvidos nesta Operação Militar que operaram no Norte da República do Paraguai e na Província do Mato Grosso.
[2] Nas primeiras edições era tido como Introdução. Na publicação francesa de 1891, Introduz como Capítulo Primeiro.
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a) As adversidades das Forças iniciam muito antes de entrarem em confronto no território do Paraguai

Infelizmente o projeto de diversão[3] tão bem concebido não se realizou em proporções adequadas à sua importância. Mas infelizmente ainda os contingentes acessórios com que se havia contado para engrossar o corpo de exército durante a sua marcha pelas províncias de São Paulo, Goias e Minas, falharam em grande parte ou vieram a desaparecer por efeito de cruel epidemia de varíola e pelas deserções que motivou. 

A marcha foi lenta! 

A demora dependia de muitas causas, e principalmente da dificuldade de fornecimento de víveres. Só no mês de julho, a saída da capital[4] dera-se em abril 1865, pôde a expedição ficar organizada em Uberaba, sobre o Paraná superior, em uma brigada mais ou menos regular, graças à junção de muitos corpos que o coronel José Antônio da Fonseca Galvão trouxera de Ouro Preto[5].

Não parecendo essa Força ainda suficiente[6], o comandante em chefe Manoel Pedro Drago dirigiu-a para a capital de Mato Grosso[7] para ali completá-la. Nesse intuito subira para nordeste até ás margens do rio Paranahyba[8], quando despachos ministeriais ali o alcançaram, levando-lhe ordem formal de marchar direto ao Distrito de Miranda[9], ocupado então pelo inimigo.

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Notas de Referências:
[3]Diversão, em francês “diversion”. Não possui aqui a significação de “Divertir”, mas em sentido militar: “Operação militar ou manobra que tem por fim desviar a atenção do inimigo do ponto que se pretende atacar”. ( http://www.dicionarioinformal.com.br/ entre outros. Jan. 2017)
[4] Na cidade do Rio de Janeiro estava localizada a Capital do Império do Brasil.
[5] Neste período correspondente ao Conflito com a República do Paraguai e o Império do Brasil, a cidade de Ouro Preto era a Capital da Província de Minas Gerais.
[6] O efetivo da tropa inclusive o reforço recebido, estimado por uns 2.500 homens combatentes, subdivididos em duas Brigadas. Dividiam-se essas duas brigadas: a primeira com 1.157 praças, composta do Batalhão Nº 17 de Voluntários mineiros, do Nº 21 de Infantaria de linha (paulistas) e do Corpo de artilharia do Amazonas; a segunda com 914 praças, do esquadrão de cavalaria de Goiás, do Nº 20 de linha da mesma província e dos voluntários policiais de S. Paulo e Minas Gerais. Faziam parte da coluna, uma comissão de engenheiros, outra de saúde, um auditor de guerra Dr. Gonçalves ele Carvalho, um sacerdote padre Antonio Augusto do Carmo, pessoal afeito às repartições de ajudante general e quartel mestre general, 34 oficiais de estado-maior, número sem dúvida superior às necessidades do serviço, mas que as moléstias, as retiradas e a morte em breve deviam diminuir e demasiado reduzir. Extraído do Livro Narrativas Militares, de Visconde de Taunay.
[7] O projeto inicial desta Expedição era marchar para Cuiabá, a Capital da Província de Mato Grosso com objetivo de obter reforços, alimentos, protege-la. E não para a região Sul fronteira com o Paraguai.
[8] O rio Paranaíba é um curso de água que nasce no estado de Minas Gerais, sendo um dos formadores do rio Paraná juntamente com o Rio Grande, no ponto que marca o encontro entre os Estados de São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul.
Na região Leste do Estado de Mato Grosso do Sul está localiza a cidade e Município de Paranaíba, que na Guerra do Paraguai, com a invasão e ocupação de áreas terrestres entre outras Nioaque, Miranda e Coxim foi de apoio logístico para a fuga dos civis envolvidos nesse conflito.
[9] Nota que o emprego do termo “Distrito de Miranda” é uma alusão não somente a Vila de Miranda, hoje cidade e Município do Mato Grosso do Sul, mas toda a regão Sul da Província de Mato Grosso banhada pelo Rio Miranda e uma vasta rede de córregos, rios, entre outros o Aquidauana, Taquarussu, Nioaque, Urumbeva, Canindé, Santo Antonio, Feio, Desbarrancado, Prata. Também Distrito de Miranda refere-se as povoações existentes na época, além dos aldeamentos indígenas nas regiões do Miranda e Aquidauana, haviam um número muito expressivo de propriedades rurais com benfeitorias, produções agrícolas e criação de animais. Os quatro principais núcleos populacionais eram a Vila de Miranda, a Vila de Nioac, a Colonia Militar de Miranda, a Colonia Militar de Dourados, todos alicerçados em bases militares. Haviam também pequenos portos fluviais, no Rio Brilhante e no Aquidauana.
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2- A marcha Coxim à Miranda os pantanais, as enfermidades, as mortes

Esta determinação, no ponto a que chegara o corpo de exército, trazia como consequência forçada obrigá-lo a tornar a descer para o rio Cochim e a contornar depois a cordilheira de Maracaju na sua base Ocidental que é todos os anos invadida pelas águas. A expedição estava condenada a atravessar a região das febres paludosas.


Chegamos a Cochim[10] a 20 de dezembro 1865, sob as ordens do coronel Galvão[11], recentemente investido do comando em chefe e que um tanto mais tarde foi promovido ao posto de general.

O acampamento de Cochim, sem valor algum estratégico, achava-se em uma elevação que lhe garantia salubridade, mas dentro em breve o crescimento das águas tendo-o cercado e isolado, a força viu-se ali submetida às mais cruéis privações, à própria fome.

Depois de longas hesitações forçoso foi arriscá-la por entre os pântanos pestilenciais do sopé das montanhas[12]. Foi a princípio presa das febres e uma das primeiras vítimas foi o próprio e mal-aventurado chefe[13] que perdeu a vida nas margens do rio Negro. 

Arrastou-se com extremas dificuldades até à povoação de Miranda[14].


Ali uma epidemia[15] climatérica de novo gênero, de que esse lugar se tornou foco, a paralisia reflexa, empenhou-se em dizimá-la ainda.

Quase dois anos inteiros haviam decorrido desde que nos partíramos do Rio de Janeiro[16]. 

Descrevêramos lentamente um imenso circuito de dois mil cento e doze quilômetros (trezentas e vinte léguas[17], conforme texto original), um terço da nossa gente perecera.

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Notas de Referências:
[10] Coxim, atualmente cidade e Município situada na região Norte de Mato Grosso do Sul.
[11] Brigadeiro José António da Fonseca Galvão. Pai do TC em Comissão Antonio Enéas Gustavo Galvão, que fora o Comandante do Batalhão Nº 17º de Voluntários da Pátria.
[12] A exploração do caminho entre Coxim e Miranda, por entre pantanais, brejos desde as margens do Taquari até os campos do Aquidauana, confluente do rio Miranda, numa extensão de cinquenta léguas, foi realizada pelo capitão Pereira Lago, 1º tenente Escragnolle Taunay, por ordem do então coronel José Antonio da Fonseca Galvão, comandante das Forças, conforme relatório geral da comissão de engenheiros junto às forças em operações ao sul da província de Mato Grosso, em 1866, publicado Em Matto-Grosso Invadido, 1929.
[13] Com a morte do Comandante José Antonio Galvão, em 13 de Junho de 1866, á margem do rio Negro, foi substituído temporariamente pelo Coronel Joaquim José de Carvalho.
[14] 60 léguas ao sul de Coxim. Na segunda quinzena de setembro de 1866 chegava nas ruínas da Vila de Miranda as Forças.
[15] NE - Neste primeiro momento duas enfermidades atacou as Forças em Operação. Meses depois foi a vez do Cholora Morbus a dizimar muitos outros combatentes. A epizootia dizimou praticamente quase toda a tropas de cavalos e muares. E o Beribéri atacou as tropas. O beribéri é uma doença nutricional causada pela falta de vitamina B1 (tiamina) no organismo, resultando em fraqueza muscular, alterações nervosas, cerebrais, cardíacas, problemas gastro-intestinais e dificuldades respiratórias. (http://www.abc.med.br/. Jan. 2017)
Essa Moléstia que causou verdadeiro terror no meio da Coluna tinha entre os soldados o nome popular de “perneira”, porque atacava em primeiro lugar os pés e as pernas. Era o Beribéri uma das suas formas. Desde os primeiros dias de sua invasão até as últimas vitimas em Nioac levou para cima de 400 homens, num total inferior a 3000. (nota nº 1 do Livro Em Matto-Grosso Invadido, pag. 75, edição de 1929
[16]Abril 1865 – Janeiro 1867. O número de vítimas neste trecho consumiu a metade do efetivo, conforme o autor: “Sem exageração, haviam morrido em menos de seis meses mais de 2.000 praças, sendo pequeno o desfalque por deserção, pois com a chegada do Batalhão de Voluntários goianos, no Coxim, se haviam reunido quase 4.000 homens”. Visconde de Taunay, Em Matto-Grosso Invadido. São Paulo 1929.
[17] NE -Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, de Caldas Aulete, de 1881, légua é medida itinerária cuja extensão varia segundo as épocas e países: 
6,6 km - Brasil, antigamente, chamada légua de sesmaria; o mesmo valor está em nota na edição francesa de 1891 - La lieue brésilienne a 6,600 mètres. Essa medida confere, com os registros deixados pelo Autor Visconde de Taunay no livro “Marcha das Forças”, no último Capítulo que registra as distâncias percorridas pelas Tropas Brasileiras. Editora Melhoramentos, São Paulo 1928.
Se tomarmos por base, 1 légua = a 6,6 Quilômetros. Então 320 x 6,6 = 2.112 km, aproximadamente.


21 de abril de 2017

A RETIRADA DA LAGUNA Á 150 ANOS - RESUMO SUCINTO


Propósito:

Não escrevo para falar  de "Heróis" ou "Mitos"!

Mas de homens e mulheres, "Seres humanos" militares e civis, brancos, negros, mulatos, índios, cavalos, mulas, bois, cães e suas relações com as adversidades extremas com a natureza, rios, terrenos disformes, sol, chuva, frio, calor, fogo, vento, dia, noite, o desconhecido,   fome, enfermidade, miséria, vida, morte, combater, defender-se, matar, morrer, sobreviver, viver, conviver numa epopeia de guerra, de marcha, de expedição, onde o maior inimigo não foram os exércitos paraguaios e nem os seus canhões, espadas ou lanças, mas as adversidades.

É uma História de "Pessoas"!
Não de julgamento de escolhas!  
De Certo ou Errado! Bem ou Mal!


É uma História de Experiências Humanas!





No tema anterior publicamos uma visão do Exército paraguaio de 1867, de que maneira eles registraram a contra-ofensiva contra as Forças Brasileiras que Retiravam-se do Território da República do Paraguai, especificamente da Invernada ou hacienda de Laguna

Agora publico uma transcrição de uma correspondência do Comandante interino Major Thomaz Gonçalves, que é um Relatório sucinto desta operação militar, episódio da Guerra do Paraguai, na região sul da Província de Mato Grosso, A Margem do Rio Aquidauana, junho de 1867.

Mantive a ortografia original.
A Estrutura e divisão Dídática coloquei parta que se possa compreender melhor as principais etapas desta marcha.

O propósito desta publicação não é de apresentar análises históricas, mas fornecer ao leitor uma possibilidade de envolver-se no enredo linguístico, temporalidade da época e construir sua própria releitura.

Resumo sucinto da Marcha dos Retirantes da Invernada da Laguna[1]





Parte dada pelo Commandante Interino das Forças em Operação no Sul de Matto-Grosso, que Invadiram o Territorio Paraguayo, Major José Thomaz Gonçalves, ao Presidente da Provincia de Matto-Grosso, Dr. José Vieira Couto de Magalhaes, em Officio de 16 de Junho de 1867

N.º 1. - Illmº. e Exmº. Senr.  Tenho a distincta honra de dirigir à V. Exa. a participação dos acontecimentos que acabão de dar-se por occasião da retirada a que se viu obrigada a força Operadora no Sul da Provincia de Matto-Grosso, depois ele invadido o territorio Paraguayo por effeito da occupação do fórte de Bella Vista.

Os soldados brazileiros, n'aquella delicada operação de guerra, luctarão com os mais estupendos obstaculos que se puderão imaginar, tocarão ao auge dos soffrimentos e a um tempo virão-se a braços com um inimigo encarniçado, com a mais horrivel epidemia que flagella a humanidade, o cholera morbus, que, n'uma proporção assustadora ele victimas, n'um só dia atacou mortalmente ao Chefe da expedição, o Illmº. Senr. Coronel Carlos de Moraes Camisão e ao seu immediato, o Tenente Coronel Juvencio Manoel Cabral de Menezes. Este facto que acabrunhou por momentos a officiaes e soldados, collocou-me de subito á frente da brioza e martyr columna operadora, lançando-me sobre os hombros o mais pesado cargo que jámais tocou a um militar. Como Capitão mais antigo, major de commissão, assumi immediatamente o commando, com a responsabilidade immensa das graves circunstancias que me rodeavão.

Relatando perfunctoriamente a V. Exa. os factos extraordinarios que se succederão no seio destas Forças, apresenta-la-ei o quadro, verídico sempre, ás vezes sublime, outras medonha  e negro, ele tudo quanto a sorte adversa poude em poucos dias suscitar contra a nossa diminuta porção de bravos.
  
  a) Ocupando o Território do Paraguai

No dia 21 ele Abril entrarão as forças brazileiras, sob o mando do Corone1 Camisão no forte Paraguayo de Bella Vista, que foi desamparado pela sua guarnição á vista de nossas bandeiras, feito glorioso para as nossas armas, o qual já deve estar no conhecimento do Governo Imperial, e que encheo de justo orgulho ao  chefe de nossa expedição.

Desde o dia da occupação, começando-se a fazer sentir a falta de gado, mandava a prudencia que fosse effectuada uma prompta retirada sobre Nioac, que era a nossa base ele operações e que algum tanto inconsideradamente fôra deixada, apenas protegida por uma pequena guarnição, visto como, mesmo a diminuta porção de 1.500 a 1.600 soldados, não permittia distribuir muitas praças por occasião de avançar contra o inimigo.

Entretanto, o Coronel Camisão, tendo tido informações dos fugitivos brazileiros, os quaes, como V. Exa. não ignora, se achavão entre nós desde o dia 11 de Abril, que a 3 1/2 legoas ele Bella Vista, n'uma fazenda do Presidente Lopez havia grande quantidade de gado, não trepidou em avançar, dando ordem de marcha ás forças no dia 30 do mez acima citado. Como subordinados, obedecemos de bom grado á resolução de nosso Chefe, tocando-me tão sómente como comandante do corpo, o cumprir os deveres difficeis que a todos exigião aquelle passo brilhante, porém, algum tanto arrojado.  
 
b)      Ocupação da Invernada Laguna

O inimigo que occultava a sua força, retirou-se como sempre, deixando-nos estrada franca até a Invernada da Laguna, onde acampamos, a 8 ¹/²  legoas do Rio Apa, na esperança de obter algum gado. Varias vezes farão os nossos Batalhões proteger aos campeiros, sendo sempre incommodados por partidas de Cavallarias, as quaes, sem fazerem frente a nossos soldados, impellião, contudo, totalmente, a execução do que pretendíamos.  

Foi, pois, pouco a pouco desvanecendo-se a esperança que nutria o Commandante das Forças, o qual, depois de resolver levantar acampamento, quiz, comtudo, por uma sorpreza audaz, ir bater o inimigo acampado a mais de legoa e cuja força era ainda desconhecida. Encarregados desta honrosa missão farão o Batalhão nº. 21 de Infantaria que eu tinha a ufania ele commandar, e o brioso Corpo de Caçadores a Cavallo, que tem á sua frente o denodado Capitão Pedro José Rufino.  

c)     Ataque ao acampamento paraguaio,
 “Isla Akãrabebo” 6 de maio 1867

Na madrugada de 6 de Maio forão os Paraguayos acordados ao som ele nossas descargas, sendo incontinenti occupado o acampamento inimigo. Gloria immensa coube á nossa soladesca! O enthusiasmo era indescriptivel! N’esta occasião, os Paraguayos desmascararão a força de que dispunhão. Mais ele 700 cavalleros carregarão por vezes a infantaria brazileira, ao passo que duas bôccas de fogo atiravão sobre ella innumeros projectis. As partes deste combate vão juntas, e minuciosamente relatão os seus brilhantes episodios. Muitas, lanças, armas, cavallos, arreios, ponchos, revierão para o nosso acampamento, pois que, havião os dous corpos recebido ordem para se retirarem, apenas os inimigos cedessem o campo.    

O dia 7 passou-se sem novidade, bem que um temporal violentíssimo, acompanhado de chuva torrencial, como tinhamos tido nos dias 4 e 5, fizesse suppôr dever-se esperar uma revindita da parte do inimigo.

d)      Início da marcha em Retirada da região da Fazenda Laguna
 8 de maio 1867

No dia 8 de Maio, ás 7 horas da manhã, começou a força a mover-se, sendo desde logo tiroteada fortemente, por infantes emboscados em uma mattinha, os quaes, porém, cederão á bizarria do Corpo de Caçadores a Cavallo, que desta os expellio apezar de cargas de Cavallaria que o obrigarão a formar circulos parciaes até a chegada de uma grande divisão do Batalhão n. 20, que com um bôcca de fogo correo em seu auxilio. O campo da acção ficou em nosso poder.

E enterramos os mortos, forão n'elle curados os feridos, e seguia-se avante, havendo préviamente o Coronel Camisão adaptado a seguinte ordem de marcha:

• O Corpo de Caçadores a Cavallo, que trabalhava a pé, por falta de cavalhada, na, frente;
• Seguido por uma peça de artilharia;
• Na retaguarda, o Batalhão n. 17 de Volutarios da Patria;
• No flanco esquerdo, o Batalhão n. 20 de Infantaria;
• E no direito, o Batalhão n. 21.
• Ficando comprehendida no centro d'estes corpos toda a bagagem que marchava protegida;
• Além d' isso, por duas fileiras de carros puxados a bois.

As 4 peças de artilharia, puxadas tambem por bois, vinhão debaixo da protecção de cada um dos corpos, caminhando este pesadissimo trem com extraordinaria lentidão.

Os Paraguayos extenderão então linhas de atiradores por todos os lados: frente, retaguarda e flancos, fazendo continuado fogo, ao passo que a artilharia d'elles, composta de duas

bôccas de fogo, de calibre 3 e 6, muito aligeirada e puxada por cavallos, tomava rapidamente posição, procurando incessantemente offender-nos. A marcha d'esse dia, de 2 ¹/² legoas, effectuou-se sempre ao som da artilharia e fuzilaria, conservando comtudo, a força brasileira a attitude a mais firme passivei, cabendo á nossa artilharia, pelas eminencias que occupou, e d'onde varias vezes fulminou o inimigo, o mais importante papel n'essa jornada gloriosa.   

V. Exa. conhece perfeitamente os perigos de uma retirada diante de uma cavallaria ousada, quando a infantaria não tem para oppôr, aos repetidos ataques d'ella, alguns esquadrões resolutos. A força moral que o soldado perde, por efeito de um movimento retrogrado, tem de ser substituida pela coragem continua e esforços incessantes. Mil e trezentos combatentes a pé, não podião desprezar setecentos homens perfeitamente montados e que dispunhão da artilharia extremamente movel.

Por isso o dia 8 de Maio deve ser considerado um brilhante feito de armas; por isso só, se por ventura fosse esse feito o unico na historia da força operadora em Matto-Grosso, merecerião os seus officiaes e soldados a attenção benevola do paiz.  

O dia 9 raiou com o troar do canhão e da fuzilaria de uma extensa linha de atiradores inimigos; entretanto, as posições que tomou a nossa artilharia e as perdas que experimentarão os contrarios com os nossos tiros, fizerão com que a entrada no forte ele Bella Vista fosse-nos facil, e os Paraguayos não procurassem nos detêr os passos.

e)     De regresso ao solo Brasileiro

O dia 10 foi de descanso, effectuando-se a 11, pela manhã, a passagem do Rio Apa, com a qual gastou a força mais de 4 horas, pela quantidade de animaes e carros que passarão ele uma margem a outra. As 9 horas começou a marcha na ordem adoptada anteriormente, caminhando-se perto de tres quartos de legoa sem avistarem-se inimigos. 

Entretanto, os terrenos, prestavão-se perfeitamente aos movimentos da cavalaria, por serem ligeiramente ondulados e abertos em todos os sentidos. Observou-se, por  isso, o maior cuidado, prevendo qualquer tentativa em que fosse ainda experimentado o valor brazileiro.

        f) Combate de Nhandipá

Na realidade, ás 11 horas do dia foi repentinamente atacada a linha de atiradores do Batalhão, n. 17 de Voluntarios, que marchava na frente, por infantaria inimiga, á que se seguio uma furiosa carga de cavallaria, que veio esbarrar contra aquelle Batalhão, abrindo-se em duas alas, as quaes desfilarão a todo galope de um lado e de outro de nossa força, procurando penetrar na bagagem. O fogo que soffreo então o inimigo foi terrível.

Cada Batalhão formou quadrado com rapidez espantosa, indo muitos cavalleiros morrer espetados nas pontas das bayonetas do intrepido Batalhão n. 21. A artilharia, mettendo em bateria com extrema velocidade, fez fogo mortifero de granadas sobre a cavalaria Paraguaya, que deixou o campo alastrado de mortos e feridos. A perda do inimigo não foi inferior a 70 homens; a nossa foi de 19 mortos e 29 feridos, no numero dos quaes contão-se os Tenentes do Batalhão n. 17, Joaquim Mathias de Assumpção Palestino, que falleceo dous dias depois, e Raymundo Fernandes Monteiro, que portou-se com muita intrepidez.

Ainda essa vez, como sempre, o campo ficou em nosso poder, dando-se sepultura aos mortos e recolhendo-se os feridos.  Um soldado Paraguayo, ferido, declarou que o Commandante da força inimiga era o Major Martin Urbieta e que o reforço esperado por este e pedido, depois de conhecidos os movimentos da força brazileira, havia chegado, devendo-se reunir com brevidade, outro que já se achava a caminho.

g)      Dispersão do gado e cavalos

Uma circumstancia veio, porém, entristecer os espiritos depois de acabada a animação d'aquelle glorioso combate. O gado que era trazido encostado ao flanco direito da força, havia desembestado com o estrondo das descargas, assim como, os poucos cavallos

Erão os recursos de bôcca que repentinamente escasseavão por modo desanimador, deixando a nossos soldados a perspectiva de 25 legoas de marcha, com o inimigo sempre na frente, e sem esperanças de renovação da boiada. 

Este facto importantissimo influiu poderosamente para que o Coronel Camisão tomasse então uma resolução, que veio para o futuro crear novos e terríveis obstaculos a facil retirada das forças.
A mudança na direção da marcha em Retirada: ao invés da estrada pela Colônia de Miranda-Nioaque, adotou pelo caminho em campo bruto para a Fazenda Jardim-Nioaque

Achava-se como guia, entre nós, o excellente pratico, José Francisco Lopes, o qual, de ha muito conhecedor dos terrenos do Apa e suas visinhanças, apresentou a possibilidade de conduzir a força, por lugares retirados da estrada, com 6 dias de marcha, á fazenda do Jardim que lhe pertencia e a qual dista de Nioac 9 legoas.

h)     As vantagens d'este desvio erão:

• Em primeiro lugar, o encurtamento de viagem, pois que, elle promettia levar a força em 8 dias a Nioac;
• E ainda abrir uma estrada de recursos completamente desconhecida dos Paraguayos;
• E onde poder-se-hia apanhar o gado que fosse encontrado n'aquelles terrenos, e que, segundo afiançava o mesmo pratico, era abundante;
• Além disso, arredava-se o inimigo do caminho de Nioac, onde sabia o Coronel achavam-se muitos carros de mantimentos que vinhão ao nosso encontro, obrigando os inimigos a nos acompanharem por lugares que elles mal conhecião.

Tomarão, pois, as forças nova direcção, abrindo nos pés de nossos soldados uma estrada, por terrenos nunca d 'antes trilhados. As razões apresentadas acima, são as ponderações justificativas d'aquelle passo; entretanto, outras lhe erão bem contrarias e os acontecimentos futuros demonstrarão á toda a evidencia que houve erro fatal na escolha d'aquella direcção.

Perderão com ella os nossos soldados bôa parte da força moral, abandonando a estrada para irem trilhar lugares cobertos de matto, ou campos não bem conhecidos; e os inimigos devião ter-se regozijado d'aquella determinação, que suberão aproveitar com habilidade.

O Coronel Camisão foi sempre guiado pelo desejo ardente em poupar fadigas e incommodos ao soldado e n'aquelle passo houve tão somente confiança desmedida em promessas que não se verificarão e que um conjunto de circunstancias muito especiaes tornou irrealizaveis.

A marcha,  pois, tomou novo rumo, cortando o pratico diretamente a Norte  para ganhar o ponto denominado Jardim, 5 legoas adiante da colonia de Miranda e 9 legoas distante de Nioac. 

O primeiro dia foi de marcha por cerrados, ficando assim inutilisados os meios de acção da Cavallaria e Artilharia inimigas, o que nos poupava o argumento de gravame de bagagem, consideração que pesou tambem no animo do Coronel Commandante.

Entretanto, com difficulade caminhava a nossa força, vencendo, apesar de andar o dia inteiro, muito pequena distancia no bom rumo.

No dia seguinte, 12, passarão-se as cousas do mesmo modo, indo a força acampar, depois de rodear muitas cabeceiras do carrego de José Carlos, n'uma mattinha que foi logo cercada pela cavallaria inimiga, a qual nos acompanhara de longe. Conquistou-se a aguada a tiros, e a força passou a noite em alarma.

No dia 13 cabia uma chuva torrencial que impossibilitou a marcha, tornando os terrenos que devíamos atravessar quasi intransitaveis e fazendo soffter a nossa soldadesca extremamente pela falta ele fardamento. N'esse pouso decidia o Commandante das Forças a reducção da bagagem, o que foi executado pelos Officiaes com a maior bôa vontade e espontaneidade. Os seus animaes de carga passarão a servir no transporte de cartuxame, e todos abandonarão as poucas commodidades, de que ainda gosavão, em consideração do bem geral.

i)        Os incêndios nas macegas pelos paraguaios, 
a defesa e contra-ataque dos brasileiros

A 14 recomeçou a marcha que em breve tornou-se penosissima pelo estado dos terrenos e pelo novo meio de guerra que adoptarão desde então os Paraguayos para impedir-nos a continuação da viagem. Lançavão fogo aos campos, os quaes, resecados pelo sol ardente de dias de trovoada, ardião com intensidade extraordinaria, cercando-nos por todos os lados de calor abrasador e fumaça asphyxiante. O vento Norte, que soprava constantemente n'esse mez, ainda mais critica tornava a posição da nossa força.

Protegidos pela fumaça vinhão então os inimigos tirotear-nos vivamente, respondendo os nossos soldados com grande tenacidade e constancia.

No pouso esta scena repetia-se, recebendo a força em massa, durante  muitas horas, um chuveiro de balas partido por detrás de densos rôlos de fumo.

No dia subsequente os inimigos procurarão deter-nos fazendo fogo vivo, encobertos por accidentes de terreno em quanto passava a nossa pesada bagagem um difficultoso banhado.   

A resposta de nossa parte trouxe-lhes, entretanto, a convicção de que nunca poderião fazer-nos frente, pois que as pontarias certeiras de nossos soldados se succedião, ao passo que as d'elles erão todas incertas e os tiros precipitados.

Continuarão, pois, o systema ele guerra desleal que havião adoptado, detendo-nos pelas queimas dos campos, durante muitas horas em que era impossivel a marcha. 

j)        Os transes porque passarão as forças começarão a ser horriveis.

A boiada dos carros era de a muito, morta para sustento das praças e regulada de modo que já muito soffrião ellas da falta na alimentação.

Officiaes e soldados enfraquecidos assim, erão, comtudo, obrigados á extrema vigilancia na guarda dos acampamentos, aos trabalhos em construir pontes e fazer rampas nos ribeirões e corregos, que encontrávamos engrossados pelas continuas chuvas. A inclemencia do tempo era desanimadora. Marchavão os nossos soldados ora em pantanaes ora em campos que o fogo devorava n'uma larga extensão.

k)      O cólera, a enfermidade começa a se alastrar

No dia 18 houve novo tiroteio, retirando-se o inimigo apenas começou a trabalhar a artilharia que elle respeitava extremamente.

N'esse dia começarão a aparecer com mais frequencia os casos ele uma molestia que os dous distinctos facultativos da força duvidarão por dias, apezar de seus symptomas irrecusaveis, em qualificar, e que em breve tornou-se um flagello medonho, capaz de causar a desorganização dos mais bem constituidos exércitos. Era o cholera-morbus que fazia a sua apparição, grassando repentinamente nas fileiras de nossos soldados reduzidos á susceptibilidade morbida depois de sofrimentos extraordinarios.

As causas, a marcha d'esta epidemia, vão minuciosamente descriptas na parte do medico, a qual acompanhou esta exposição.

l)        A progressão crescente da enfermidade foi assustadora


     No dia 19, de continuo tiroteio, os atacados da epidemia erão já em numero extraordinario; as victimas em poucas horas perecião no meio dôres crueis, chegando a ser summamente difficil o transporte dos doentes de pouso a pouso, apesar de marchar, muitas vezes,  menos de meia legoa.

A 20 o fogo inimigo durou desde a manhã até ás 4 horas da tarde, respondido rigorosamente pelos nossos que então luctavão com o cholera, com a fome e com o excesso de cansaço proveniente do serviço ela guerra aggravado pela necessidade em carregarem os seus companheiros, visto como, a boiada dos carros que se ia carneando obrigava a queimar aquelle meio  de conducção.

O pesadelo: a enfermidade do cólera, a fome, o cansaço, a miséria, escassez de todos os tipos de recursos, as chuvaradas, terrenos inóspitos, mortes, descontentamentos

Nessas penosas contingencias marchou a força debaixo de chuvas repetidas durante os dias 21, 22, 23, 24 e 25 em que chegou ao corrego  da Prata á 3 ¹/² legoas do Jardim. Então o numero e enfermos era tal que litteralmente metade da força era empregada em carregal-os, pois que, cada padiola ocupava oito homens em sua conducção.

O descontentamento e fadiga da soldadesca erão evidentes. Os sãos, depois de poucas marchas, cahião exaustos pelo cansaço, aos golpes da molestia; e o estado geral reclamava uma prompta solução. 

m)   Cambaracê, deixando um grupo de enfermos coléricos 
em um abrigo improvisada

O Coronel Camisão tomou então uma medida de que dependia a salvação do resto da força, medida cuja execução foi horrorosa, e custou-nos momentos angustiosos e crueis.

A 26 ficarão abandonados 76 moribundos, os quaes, apenas moveo-se a força, forão degollados pelos Paraguayos que seguião-nos sempre em certa distancia.

Nota: Quanto ao número de enfermos e feridos abandonados, farei uma publicação especial. Mas o número  era superior a 150. Os enfermos que foram deixados neste  local era constituído  por dois grupos: um por combatentes da Força Expedicionária,  soldados, cabo 76?  e um segundo grupo ainda maior constituído por agregados à Força Expedicionária entre outros,  carreteiros, mercadores,  empregado dos oficiais, mulheres, crianças, índios

Scena medonha que fica indelevelmente marcada no espirito d'aquelles que ouvirão os gritos dos miseros cholericos!

Quadro horroroso que a sorte adversa nos proporcionou na mais extraordinaria collisão!
Nesse dia  caminhou a força de um só folego 3 ¹/² legoas, levando ainda muitos enfermos nos armões e carros de artilharia. 

n)     Falecimento, José Francisco Lopes, Coronel Camisão, Tc Juvêncio

Sobre eles ião já deitados o Commandante das Forças e o seu immediato, atacado do cholera-morbus, indo fallecer ambos no mesmo dia (29) no acampamento junto á margem esquerda do Rio Miranda.
Na véspera, 27  havião tambem perecido do mesmo mal, o pratico José Francisco Lopes e seu filho os unicos que poderião levar as forças ao ponto em que encontravam-se estrada batida.

A divina Providencia permittio que aquella coincidência fatal se désse no dia em que muitos dos nossos soldados de cavalaria pisarão terrenos que lhes erão conhecidos.

o)     O novo comandante, Major José Thomaz Gonçalves 
e as providências imediatas

No dia 29 assumi, pois, o commando interino elas Forças, havendo préviamente reunido os diversos commandantes de corpos, os quaes concordarão em dar-me aquelle lugar que me tocava por direito de antiguidade, havendo então dado parte de doente o Tenente Coronel de Commissão Antonio Enéas Gustavo Galvão por ser no Exército de patente inferior á minha.

Desde então tomei as mais energicas providencias sobre os meios de passagem do Rio Miranda que se achava muito cheio, affogando-se por occasião da transposição 2 praças e o Senr. Capitão Antonio Dionizio do Souto Gondim, arrebatados pela muita correnteza das aguas.

Procurei desde logo impedir o desanimo que lavrava e sobre tudo conter o espirito de desobediencia que de dia em dia se pronunciava mais claramente.

O soldado brazileiro é felizmente facil em sugeitar-se e subordinar-se.

Alguns actos de vigor vierão calar no espirito de todos, produzindo excellente resultado.

Além d'isso, a molestia reinante apresentou melhoras, permittindo alento que foi logo por mim aproveitado a bem da disciplina.

A causa d'aquella modificação hygienica foi a quantidade extrema de limões e laranjas que a nossa soldadesca encontrou no pomar da Fazenda do Jardim, como o especifica a parte dos medicos.

Os dias 30, 31 de Maio e 1 de Junho forão todos empregados na passagem do rio, que conservou-se sempre cheio, dando apenas péssimo e perigoso váo. Com difficuldade passarão as nossas 4 peças e armões; havendo sido queimados os carros manchegos, força e galera para dar carne ás praças, como havião decidido os commandantes de corpos em reunião, do que existe acta (1) nota 23 I, cuja cópia tenho a honra de remetter a V. Exa. Esforcei-me em trazer as quatro boccas de fogo e consegui-o com grande satisfação.

p)     Enfim, na sede da Fazenda Jardim

Assim, pois, no dia 1 º de Junho acha vão-se as Forças do lado direito do rio Miranda, com 9 legoas diante de si em bôa estrada parra chegar em a Nioac. Os Paraguayos havião effectuado a passagem antes de nós e já se achavam em nossa frente.

Comprehendi a necessidade urgente de marchas rapidas sobre Nioac, por cuja sorte muito temia, apezar de saber que o official comandante d'aquelle ponto, á frente de mais de cem homens, tinha instrucções muito severas corroboradas por um bilhete que o Coronel Camisão a 24 de Maio dirigira ao Senr. Coronel Francisco Augusto de Lima e Silva, Chefe da Repartição Fiscal, e que ficára em Nioac para formar e promover o deposito de viveres, ordenando a este que se retirasse para lugar seguro, com objectos da Fazenda Nacional ficando o Official obrigado ai resistir aos inimigos n'aquelle  ponto  emboscando na matta.

q)     A Marcha da Fazenda Jardim à Nioaque

Dei, por isso, ás 6 horas da tarde ordem de marcha ás Forças, caminhando a noite inteira e chegando ás 3 horas do dia 2 no Canindé, a 3 legoas de Nioac.

Esta marcha forçada effectuou-se maravilhosamente, apesar da chuva copiosissima que cahio durante todo o trajecto, levando então cada corpo os seos doentes.

No Canindé achei signaes da passagem dos Paraguayos. Carros queimados existião no caminho, estando o chão coberto de farinha e arroz.

A soldadesca comeo, emfim, apanhando tudo que foi encontrado, depois de 22 dias de cruel fome, durante os quaes a ração de simples carne era tão diminuta, que, repartião-se 4 a 8 rezes em lugar das 21, que habitualmente ião para o córte!

Do Canindé segui incontinenti para Nioac encontrando pelo caminho restos de carros queimados e mantimentos atirados. A 1 legoa de distancia virão as forças as casas de palha do acampamento ardendo em chama de fogo.

r)       Nioaque em ruína e fogo pela segunda vez

Entrando ás 2 horas da tarde naquelle lugar de desolação e tristeza, visitado poucas horas antes pelo inimigo, que, achando-o completamente abandonado pela guarnição, havia lançado fogo ao deposito de viveres, retirando-se com o nosso aproximação.

A posição de Nioac era excellente para a defeza. Com poucos homens na matta do Orumbéva, confluente daquelle rio, com os viveres de que dispunha o depósito, poder-se-hia apresentar longa e heroica resistencia.

Os Paraguayos que chegarão a Nioac farão em muito pequeno numero, e só entrarão na povoação, quando verificarão que ella se achava deserta.

É, pois, inqualificavel o procedimento do commandante do destacamento de Nioac, o Capitão Martinho José Ribeiro, o qual desprezando as suas instrucções, que o obrigavão a defender a todo o transe o ponto que commandava e a nova e expressa ordem do seu Chefe, abandonou covardemente o seu lugar de honra.

Por este procedimento perdeo a Fazenda Nacional grande porção de viveres destinada a estas Forças, algum fardamento de praças e outros objectos que uma duzia de Paraguayos encontrou em abandono na casa que servia de deposito.

O Senr. Coronel Francisco Augusto de Lima e Silva fez como tinha ordem, recolher a lugar seguro o cartuxame, a caixa Militar, papeis Officiaes, alguns generos, etc., recahindo, pois, tão sómente sobre o commandante de Nioac, fraco e pusilanime a responsabilidade de seu acto, pelo que mando desde já sugeital-o a conselho de investigação e posteriormente ao de guerra.

Ainda em Nioac esperava-nos nova calamidade. No chão da igreja que servira de deposito havia ficado, espalhada, muita polvora que não podéra ser transportada.

Apezar das mais energicas e reiteradas recommandações, a imprudência de um soldado provocou uma formidavel explosão que queimou 13 praças, das quaes 6 falecerão poucos dias depois, apezar dos cuidados que fiz observar na conducção d'elles.

Nota: Visconde de Taunay, no Livro  a Retirada da Laguna, "Uns quinze desses infelizes morreram logo ali no local". Na Praça de Nioaque e nos eventos  teatrais alusivos a este episódio registram os seguintes nomes:
 Do Corpo Provisório de Artilharia
Sd Bernardo Rodrigues Cesar,
Sd João Pereira de Souza.

Do 1º Corpo de Caçadores a Cavalo
Sd Francisco Antonio das Chagas,

Do 17º Batalhão de Voluntário da Pátria, adido ao 1º corpo dos caçadores:
Anspeçada Bento de Arruda Botelho.

Do 21º Batalhão de Infantaria: 
1º Sgt Antonio Thimóteo Carneiro,
Anspeçada Manoel da Paixão,
Sd José Felix de Azevedo,
Sd Joaquim Sabino de Andrade
Sd Benedito José da Siqueira.

Placa na Praça de Nioaque, onde está grafado os nomes dos que pereceram na explosão da polvora dento da igreja.

s)       Abandonando definitivamente Nioaque, 
rumo ao Porto Canuto no rio Aquidauna

Com a retirada do Capitão Martinho José Ribeiro, era impossível a estada em Nioac, reduzido a cinzas.

No dia seguinte ordenei tomar-se a direcção ao ponto onde se achava o Sr. Coronel Lima e Silva fazendo desde então muito regulares marchas de 2 ¹/² e 3 legoas por dia, sendo nós acompanhados por uma pequena partida inimiga de observação, a qual retirou-se quando nos aproximamos do Rio Aquidauana.

t)       Reconhecendo o esforço dos Comandantes
 dos diferentes Corpos do Exército

Fallar a V. Exa. do comportamento da força, seria inutil.

Basta a simples narração que acabo de fazer a V. E. achar-me eu hoje ainda rodeado de algumas centenas de tão nobres militares, para que o maior brilhantismo toque a gloriosa força operadora em Matto Grosso.

Refiro-me completamente ás conscienciosas partes dos Senrs. Commandantes de Corpos sobre a bizarria de seus Officiaes e soldados.

No estado-maior do finado Coronel Camisão  sempre portarem-se  no exercicio de suas funcções, com muita bravura e sangue frio, os valentes Senrs. Capitão Bel. Antonio Florencio Pereira do Lago, Assistente do Ajudante General; o 1º Tenente Bel. José Eduardo Barbosa, Assistente do Quartel Mestre General; Tenente Bel. Catão Augusto dos Santos Rôxo, e 2º Tenente Bel. Alfredo de Escragnolle Taunay, distinctos officiaes que nos combates transmittião sempre as ordens do Commandante das Forças com muita calma e intelligencia, patenteando sangue frio digno de especial reparo, além de se occuparem nos trabalhos de suas especialidades como Engenheiros, coadjuvados pelo brioso, denodado e activissimo Major Fiscal do Batalhão n. 17º de Voluntarios da Patria, José Maria Borges.

O Secretario, Alferes de commissão Amaro Francisco de Moura, offerecendo-se desde o dia 8 de Maio parai ir servir na Artilharia, ahi prestou muito bons serviços, portando-se com bravura, como se vê pela parte do Commandante do Corpo Provisorio de Artilharia.

Merecem tambem os meus elogios o Major Pagador, Candido Pires de Vasconcellos, que acompanhando a força, mostrou muita calma; o Tenente de Commissão Antonio Bento Monteiro Tourinho, o Capitão de Guarda Nacional Caetano da Silva Albuquerque, os encarregados da tropa de cartuxame, Alferes Manoel Climaco dos Santos e Souza, o qual desenvolveo sempre muita actividade e Alferes Sabino Fernandes de Souza e de Guarda Nacional João Pacheco de Almeida, pelo bem que se portou.

Cada Commandante de Corpo houve-se nos innumeros encontros com o inimigo, por modo acima de elogio. O Senr. Capitão Pedro José Rufino distinguio-se pela intrepidez e ousadia de seus movimentos; o Senr. Tenente Coronel de Commissão Antonio Enéas Gustavo Galvão, Commandante do Batalhão n. 17 de Voluntarios da Patria pela reflexão e coragem; o Senr. Capitão Joaquim Ferreira de Paiva, do Batalhão n. 20, pela tranquilidade e sangue frio que reflectio-se por vezes sobre o seu Batalhão; e Sr. Major de Commissão Bel. João Thomaz de Cantuaria pela sua placidez, energia e tenacidade em dirigir fogo certeiro e constante com as quatro boccas de fogo do Corpo de Artilharia que commandava.

Durante os combates achei-me á frente do Batalhão n. 21 de infantaria, e com orgulho affianço a V. Ex. que em muitas ocasiões a atitude que assumia aquelle Batalhão chamou as vistas de toda força.
As partes que junto passo ás mãos de V. Ex. especificão os nomes dos Officiaies que mais coadjuvarão aquelles Commandantes, merecendo d'elles menção de honra.

Os dous medicas junto a esta columna, portarão-se sempre com a caridade e de dedicação que a sciencia recomenda e que as leis militares d'elles exigem.

Os digno e intelligentes  os Cirurgiões Drs. Candido Manoel de Oliveira Quintana e Manoel de Aragão Gesteira curavão aos feridos nos campos de acção, desenvolvendo por occasião do apparecimento do cholera actividade incansavel, sempre solicitas pelo estado do soldado enfermo, apezar de luctarem com a falta absoluta de medicamentos.

O unico Capellão que se achava junto a esta força, o Alferes da Repartição Ecclesiastica Antonio Augusto do Carmo, estava gosando de um mez de licença nos Morros quando marchou-se para Bella-Vista. Acabada ella, vinha a reunir-se a nós, quando em caminho foi feito prisioneiro por uma ronda inimiga, não se achando ao certo o destino que teve aquelle infeliz sacerdote.

u)     O fim da Marcha dos Retirante, Porto Canuto.

Ei, Exm. Sr. a narração succinta de tudo quanto occorreo ás forças em operações no Sul da Provincia de Matto-Grosso, desde os primeiros dias do mez de maio até a data presente.

Deus Guarde a V. Exc. - Quartel do Commando interino elas forças em operações no Sul ela Provincia ele Matto Grosso. 

Acampamento junto á margem esquerda do Rio Aquidauana, 16 de Junho de 1867.
lllm. e Exm. Snr. Dr. José Vieira Couto de Magalhães – Presidente da Provincia.

José Thomaz Gonçalves, Major de Commissão Commandante interino das Forças”.




[1] Relatório do Arquivo Publico de Mato Grosso, publicado ALMANACHE ILUSTRADO. Empreza Editora, Tres Lagoas MT. N.º 2 e 3, Anno III – 1929 e por Lobo Viana, na A Epopeia de Mato Grosso, 1938.