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7 de maio de 2017

A CAMINHO DO APA, LAGUNA, PARAGUAI - 08 DA ESTÂNCIA DO RETIRO A MACHORRA

CAPITULO VII 

AS FORÇAS EM OPERAÇÕES NO SUL DA PROVÍNCIA DE MATO GROSSO 

A Marcha da Estância do Retiro à Ocupação da Fazenda Machorra 
17 a 21 de abril 1867
VOLTAR ⏪⏩ AVANÇAR



PARTE I
1) O primeiro encontro direto com tropas do Exército Paraguaio 

As nossas carretas retardadas tinham chegado ao acampamento no dia 17 à tarde e no dia 18 às nove horas da manhã, a guarda avançada fora mudada. A maior tranquilidade reinava em todas as linhas. De súbito, cerca das onze horas, o grito de alarme:

__ “Cavalaria inimiga”! Ressoou. Os nossos batalhões pegam em armas; o comandante envia os engenheiros aos postos avançados, o assistente do ajudante-general Lago à retaguarda, o do quartel-mestre-general Barbosa aos vários corpos, para certificar-se do estado deles e do que possa faltar-lhes. Ele próprio marcha para a vanguarda, acompanhado pelo Nº. 17º Batalhão de Voluntários, com as bocas de fogo do major Cantuaria[1] e do tenente Marques da Cruz, o mesmo que mais tarde foi morto combatendo nas linhas de Humaitá; tinha, quando passou adiante de nós, a espada desembainhada na mão; não querendo, dizia ele, tornar a metê-la na bainha senão depois que travasse conhecimento com os paraguaios.

Os inimigos estavam então à pequena, distância de nós, junto da mata que bordava uma ribeira; víamo-los avançar, estendendo-se em linha de atiradores, correndo continuamente de um para outro lado sob as ordens de um oficial que distinguíamos no meio deles e que de improviso mandou retirar; perdemo-los de vista.

Depois de uma espera um tanto prolongada, o comandante ordenou que voltássemos ao acampamento e durante esse movimento ouviu-se um tiro de canhão disparado pelos nossos, por haver sido mal carregada uma peça enquanto a conduziam precipitadamente. A surpresa, ao ouvir-se essa explosão inopinada foi geral; mas a impressão não seria duradoura e não encontraria lugar aqui, se os ecos, ainda muito tempo depois do tiro, fazendo-o repercutir em toda a cadeia dos Dourados[2], não se nos afigurasse, na disposição de espírito em que estávamos, outras tantas vozes da nacionalidade ultrajada, clamando vingança daquela invasão de bárbaros.

Na manhã do dia 19 de abril deixamos o acampamento. O coronel destacou o Nº. 21º Batalhão para formar a vanguarda, com recomendação de nunca perder de vista o grosso do corpo de exército, durante a marcha. O resto seguia em destacamentos próximos uns dos outros que em caso de necessidade deviam mutuamente auxiliar-se; mas como a animação dos soldados era igual a dos oficiais, os corpos marchavam para a frente sem se importarem com esta ordem e achavam-se às vezes a maior distância uns dos outros do que o requeria a prudência.

A vanguarda, na passagem do Taquaruçu[3], cuja ponte acabava de ser destruída pelos paraguaios, deu-lhes uma descarga, posto que apenas estivessem ao alcance. Um dos cavaleiros deles foi ferido, vimo-lo cair; um dos companheiros tomou-o na garupa, ao passo que terceiro lançava-lhe a cavalgadura que sentindo-se livre deitava a correr; ao vê-lo, a esta primeira cena de guerra, a nossa gente ia atirar-se n'água para perseguir o inimigo, quando um toque de clarim do quartel do comando os deteve; toda a coluna estava daí a pouco grupada atrás deles. 

Os engenheiros, no entretanto, restabeleciam a ponte; uma hora foi bastante. Passamos e a marcha continuou na outra margem.

Avançamos vingando pequenas esplanadas que separam as depressões paralelas de que a planície está sulcada, até ao pé de uma eminência que domina-a completamente.

A nossa vanguarda encontrara essa posição ocupada por numeroso destacamento de cavaleiros e parara; todos os nossos corpos separados uns dos outros fizeram sucessivamente o mesmo. Os paraguaios examinavam-nos; nada se interpunha entre eles e nós; podiam contar-nos. Isto foi para nós uma grande desvantagem.

Até então pensavam, conforme diziam os nossos refugiados, que a coluna brasileira não tinha menos de seis mil homens e o nosso comandante esforçara-se, segundo a regra na guerra, por alimentar esse erro. A ilusão passara e caiu ao primeiro olhar lançado então para nós.

Isto devia ser mais uma razão para que atacássemos imediatamente, mas o comandante conservou-nos imóveis. Só mais tarde soubemos qual a causa. Provinha da própria natureza dele; estávamos na Sexta-feira Santa e iniciarmos uma ação sanguinolenta logo no dia da morte do Salvador, não assentava em ânimo religioso como o do nosso chefe, escravo de todos os sentimentos nobres ao ponto de exagerá-los até a contradição, inquieto e como perturbado pelo pressentimento do fim próximo.

A luta em seu espírito durou tempo bastante para que o destacamento paraguaio, supondo já não ser atacado e porventura por desdém para com a pequena força assim atirada sem cavalaria em vastas planícies cheias de tremedais e onde todo o homem a pé é assunto de mofa[4], entendesse por de parte toda e qualquer precaução e, usar insolentemente da sua superioridade sobre nós, apearam-se todos; uns estavam sentados à sombra das macaubeiras, outros deixavam pastar as cavalgaduras.

A afetada negligência da atitude deles fazia-nos saltar de indignação. Felizmente afinal também o nosso chefe indignou-se e decidiu-se. Contra eles havia apenas um meio rápido de ação e foi empregado a Artilharia. Marques da Cruz fez avançar a sua peça; atirou-se a primeira granada no meio de aclamações dos nossos soldados. Se houvera tido pontaria mais alta, rebentaria no meio do grupo inimigo mais numeroso; bateu no tronco de uma alta palmeira que os abrigava e depois de ricochetear[5], fez explosão no ar.

Foi pelos menos um prazer para nós vermos o efeito produzido, a surpresa, o alarma, a confusão; uns corriam após os cavalos que a detonação dispersara; outros montavam precipitadamente e sem mais detença ganhavam a planície à toda a brida. Poucos minutos haviam decorrido e já o destacamento inteiro desaparecera.

Segundo projétil foi-lhes mandado no encalço e depois terceiro que alcançou mais de meia légua e deu-lhes a conhecer qual a força da nossa artilharia. A partida, que assim fugiu, só tornou a aparecer diante da fazenda da Machorra, na fronteira.
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Notas de Referências
[1] NE - João Tomás de Cantuária nasceu na Capital Gaúcha, Porto Alegre em 24 de setembro de 1835.
Iniciou a carreira militar em 1854 como Praça do 1º Regimento de Artilharia e chegou ao posto de Marechal.
Combateu na Guerra contra Aguirre no Uruguai.
Na retomada da região Sul da Província de Mato Grosso, participou com As Forças em Operação, que culminaram com o episódio da Retirada da Laguna.
Já no governo Republicano foi Ministro da Guerra de 6 de novembro de 1897 a 15 de novembro de 1898, durante o governo Prudente de Morais. Foi comandante da Escola Militar do Rio de Janeiro e diretor do arsenal de guerra. Foi, ainda, Chefe do Estado-Maior do Exército e ministro do Superior Tribunal Militar, de 3 de outubro de 1898 até seu falecimento em 20 de março de 1908, no Rio de Janeiro.
Em Novembro de 2003, o 9º Grupo de Artilharia de Campanha, sediado na cidade de Nioaque, Mato Grosso do Sul, recebeu a denominação histórica "Grupo Major Cantuária" em homenagem aos feitos heroicos de João Tomás de Cantuária, como seu Patrono. Adaptado de PORTO-ALEGRE, Achylles. Homens Ilustres do Rio Grande do Sul. Livraria Selbach, Porto Alegre, 1917. https://pt.wikipedia.org. Novembro/2016.
[2][2] NE – A denominação de Cadeia dos Dourados atribuída pelo autor, por conta da nascente do rio e da Colônia de Dourados, é na atualidade um prolongamento da Serra da Bodoquena que se estende entre outros Município Bela Vista, Jardim, Bonito, Bodoquena. Neste período correspondente a Invasão Paraguaia, a região Sul da Província de Mato Grosso era bastante despovoada e as toponímias geográficas não estavam bem definidas. Esta observação é válida para outras referências feitas pelo autor no decorrer das narrativas.
[3] NE – Taquarussu grafia Original. É um córrego ou arroio no atual município de Bela Vista, localizado depois da antiga sede da Estancia que pertencera a Gabriel Lopes, margem direita do rio Apa. Não confundir com o Rio Taquaruçu, passa pelo município de Nioaque, afluente do Aquidauana. 
[4] NE – Chacota; gozação.
[5] NE – Ricochetear, a bala do canhão não atingiu precisamente o alvo. Bater. Voltar. Colidir.
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a) A Bifurcação, as orientações dadas pelo filho do Guia

Algumas léguas mais longe uma bifurcação de caminhos igualmente batidos, conservou-nos irresolutos acerca de qual deles preferir; o filho do velho Lopes, que durante uma ausência do pai servia-nos de guia, foi consultado pelo coronel e respondeu que convinha tomar pelo caminho da esquerda, único por onde podia passar a nossa coluna, composta como se achava; que os paraguaios tinham sem dúvida seguido pelo da direita que era mais curto, mas ouriçado de tais obstáculos que só a cavalaria daquela região podia transpô-lo. O coronel mandou, pois, que tomássemos pela esquerda; mas este incidente, o conhecimento desse duplo caminho, dessas duas passagens na mesma direção, por uma das quais a retirada, se a isso se visse obrigado como previa, podia ser tão facilmente cortada, essa antecipação de uma eventualidade perigosa, lançou nova perturbação no seu ânimo, confessou-o depois aos oficiais que o cercavam.

Tendo chegado nessa tarde à margem de uma ribeira que os espanhóis denominam Sombrero[6], fomos acampar no ângulo que ela forma ao lançar-se no Apa. Admirávamos o magnifico rio, limite das duas nações, cujo aspecto com a sua mata espessa, tão vivamente nos impressionara quando o avistamos de longe. Grande futuro lhe está reservado depois da guerra[7].
Vista Panorâmica atual da confluência do Corrego Sombrero e o Rio Apa. No triangulo assinalado, local onde acamparam as Forças. Imagem adaptada do Google Earth Pro 2017, José Vicente Dalmolin

O Apa sai por três nascentes[8], para logo reunidas da cadeia dos montes Dourados, um tanto abaixo da colônia militar deste nome a 12 léguas Este-Sudeste da de Miranda e corre a princípio Oeste dez graus Norte até ao forte de Bella Vista, que está sob o 22º paralelo e daí voltando para Oeste dez graus Sul, vai com um curso levemente sinuoso, banhar Santa Margarida, Rinconada e outros fortins até ao Paraguai, em cujo leito perdem-se as suas águas.
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Notas de Referências
[6] NE – Sombrero, no idioma espanhol significa chapéu. Afluente na margem direita do Rio Apa. Ali pernoitaram as Forças que marchavam em direção ao Forte de Bella Vista. 
Sombrero, unidade lexical da língua espanhola, significa chapéu e como tal pertence à categoria dos ergotopônimos, ou seja, trata-se de um acidente físico inspirado em um objeto pertencente ao mundo cultural dos seres humanos. A motivação para a escolha dessa designação, pela própria natureza taxionômica, pode estar relacionada ao utensílio que faz parte do cotidiano da grande maioria de grupos humanos. Se pesarmos a importância que os espanhóis, os tropeiros, os bandeirantes, dentre outros, tiveram, ainda que em períodos diferentes, na colonização e na própria descoberta e reconhecimento das terras da porção sudoeste do atual estado do Mato Grosso do Sul, verificaremos que o chapéu fazia parte das vestimentas dos desbravadores, utilizado como forma de proteção do sol, do sereno e até mesmo da chuva, podendo, então, dada a sua relevância, ter servido de inspiração para o denominador no ato do batismo deste acidente. (Dissertação de Mestrado Toponímia e Entrelaçamentos Históricos na Rota da Retirada da Laguna Carla Regina de SOUZA (PG/ UFMS/ FAFS). 2006.
[7] NE – De fato, as consequência do período pós Guerra, toda a região banhada pelo rio Apa, bem como de outras localidades, foram impulsionadas com a ocupação por populações oriundas de diversas partes do Brasil, inclusive do Estado do Rio grande do Sul. A exploração com a criação de gado bovino e agricultura básica continua desde os primórdios.
[8] Embora o autor do Livro A Retirada da Laguna, não especifica sobre estas nascentes, até porque naqueles idos de 1867 as fronteiras entre Brasil e Paraguai, principalmente com o Sul de Mato Grosso estavam sob litígios. Ambos reivindicavam soberania quanto as terras entre o Apa e o Miranda entre outros. Só definidos a partir de 1874. Sobre o Apa e os mapas eram ainda bastante imprecisos. A topônima dos pequenos afluentes estava muito circunscrita as denominações dada por particulares. O Proprio Guia Lopes foi um destes informantes. A Enciclopédia das Águas de MS, IHGMS, 2014, “O rio Apa é formado pelos córregos Cabeceira do Rio Apa e Cabeceira do Engenho, no município de Ponta Porã; depois é limite entre este município e o de Antônio João, deslocando-se para os municípios de Bela Vista, Caracol e Porto Murtinho. A partir das proximidades da porção leste da área urbana de Bela
Vista até a sua foz, no rio Paraguai, passa a ser linha de fronteira com a República do Paraguai.
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PARTE II
2) Coronel Carlos de Moraes Camisão, bebe a água do Apa

O coronel ao chegar, pediu que lhe dessem água, dessa mesma água do Apa e ou porque vagas reminiscências históricas relativas a caudais famosos acordassem na sua memória ou porque depois de tamanhas agitações de seu cérebro, tivesse ligeira excitação febril.

__ “Vejamos, disse sorrindo, a que horas bebemos a água deste rio”? Olhou para o relógio, bebeu e acrescentou em tom jovial:

__ “Desejo que este incidente seja consignado na história da expedição[9], se a escreverem algum dia”. 

Pareceu empenhar-se para que lhe prometessem. Foi o próprio autor desta narrativa que a isso se obrigou em nome de todos e que disso se desempenha hoje com religiosa exatidão, pois a morte de que estava tão próxima, por sua própria natureza enigmática, tudo enobrece, tudo absolve, tudo consagra.

O Apa nesse sítio tem grande correnteza, mas as enormes lajes de que tem o fundo como calçado, convidam a entrar nas suas formosas águas; foi o que fez grande número de soldados; muitas chegaram a atravessar para a outra margem, dizendo que iam individualmente conquistar o Paraguai.

À noite vimos chegar dois oficiais brasileiros que vinham na hora do perigo, reunir-se a nós para comparti-lo. Era um o tenente Augusto Pinto de Souza e o outro o tenente João Luiz do Prado, da província de S. Paulo, antigo companheiro de armas que a marchas forçadas acendia de Camapuã. Tinham-se adiantado a escolta que traziam e atravessado sozinhos, não sem perigo de algum engano, as nossas linhas de sentinelas avançadas. Só no dia seguinte chegaram os seus camaradas ao acampamento, com um viajante chamado Joaquim Augusto, homem valente, mas a quem ali apenas levavam interesses pessoais.
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Notas de Referências
[9] NE – É o próprio autor do Livro “A Retirada da Laguna” que escreveu diversas Obras narrando acontecimentos desde a saída da Capital do Império, Rio de Janeiro e o regresso dos sobreviventes. Dias de Guerra e Sertões; Em Mato Grosso Invadido; Iracê a Guaná; Marcha das Forças; Recordações de Guerra e Viagem; Reminiscências; Inocência entre outras.
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a) Aproximando-se da Fazenda Machorra

No dia seguinte, 20 de abril, o corpo de exército pôs-se em movimento às nove horas da manhã e depois de atravessar o Sombreiro avançou pela margem direita do Apa, formando a vanguarda o Batalhão de Voluntários; gastamos muito tempo a transpor uma légua, porque sucedia a cada passo algum desarranjo nas carretas que nos traziam as munições e de que não nos podíamos separar, próximos como estávamos do inimigo e quase chegados, conforme diziam os refugiados a primeira guarda paraguaia, isto é, ao ponto e à fazenda ou aldeia da Machorra no território brasileiro, uma légua e quarto para cá do forte de Bella Vista que está construído na fronteira margem paraguaia. Suponhamos a cada passo encontrar resistência.

Entretanto o nosso Batalhão da vanguarda continuava a marchar, sem reparar ou sem importar-se com a distância que as contínuas paradas dos outros corpos punham entre si e eles. Embalde tocavam os clarins; já se achava demasiado longe para ouvi-los; deixá-lo isolar-se destarte não era prudente; cumpria necessariamente mandar um próprio chamá-lo. 

O tenente-coronel Juvêncio ofereceu-se para isso e seguiu no mesmo instante com os seus dois ajudantes de campo e Inacio Gonçalves Barbosa[10], genro do guia, que quis juntar-se a nós. Felizmente as nossas cavalgaduras não eram más, dentre as que haviam resistido a epizootia; tiraram-nos de um tremedal bastante perigoso que, para irmos mais depressa, não tivéramos o cuidado de contornar. Daí a pouco perdemos de vista o corpo de exército que deixávamos e não avistávamos ainda em nossa frente a nossa gente já empenhada no combate, ao que parecia; começáramos a ouvir descargas e tiros isolados de atiradores. Às vezes supúnhamos ver flutuar a bandeira brasileira; mas elevadas moitas no-la ocultavam de contínuo e parecia além disso não avançar. Em poucos instantes a rapidez da nossa carreira aproximou-nos dela, tal vizinhança eletrizava-nos; detemos os animais em uma ribeira que fechava-nos a passagem, o José Carlos[11], e achamo-nos enfim reunidos aos nossos que combatiam em um lugar fechado à entrada da Machorra[12].
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Notas de Referências
[10] Os Originais em Frances e tradução em Português trata pelo nome de Gabriel Francisco, Já expliquei em notas anterior que o Genro do Guia era Inacio Gonçalves Barbosa, que em primeira Nupcias fora casado com Theotonia Maria Lopes (falecida na Guerra do Paraguai – 1864 –1870 ???) filha do Guia Lopes com Maria Pereira em primeira núpcias. Dentre os dez prisioneiros fugitivos do Paraguai, o genro do Guia era Ignacio Gonçalves Barbosa e não o Gabriel Francisco Lopes. Gabriel Francisco era sobrinho do Guia Lopes.
[11] José Caros Botelho. Sobre a chegada dos combatentes ao córrego José Carlos, atual córrego Machorra, Taunay (1978, p.102) descreve Fomos esta tarde acampar perto de uma das cabeceiras do José Carlos. Contávamos poder, à vontade, nos dessedentar após um dia dos mais penosos, numa atmosfera escaldante. Mas ali, só encontramos água turva e descartável e como, por cima de tudo, tarde chegáramos a este triste pouso, com o sol a posto, nada tivemos para dar, nem água nem pasto aos nossos bois estafados e cujo olhar invocava a nossa compaixão. Parece-nos que as peculiaridades do acidente físico tenham motivado o denominador a batizar essa propriedade rural com tal designação. Já o córrego José Carlos recebe esse nome em homenagem a José Carlos Botelho que, segundo registros históricos, por volta de 1847, ocupava terras junto ao Apa [...] vizinhando com a Dona Senhorinha. Na declaração para registro de posse, a então viúva de Gabriel Francisco Lopes sentencia: Declaro que, desde o ano de 1846, principiei a cultivar uma posse de terras de lavoura e criação de gado no lugar denominado Apa , confinando ao norte com Ignácio Cândido, tendo limite a ponta de serra de Maracaju, ao poente com a posse de José Carlos Botelho; ao sul, pelo rio Apa, pelo nascente com a serra de Maracajú, cujo terreno tem três léguas em quadra. Desse modo, podemos classificar o córrego José Carlos como um antropotopônimo. Por registrar o nome de uma pessoa até então anônima, por meio de seu prenome, o topônimo o “imortaliza” apenas naquele lugar não sendo projetado em outras localidades pelo fato de não possuir nem a representatividade, nem a importância dos nomes históricos que tenham repercutido, por exemplo, nacionalmente. Dissertação de Mestrado Toponímia e Entrelaçamentos Históricos na Rota da Retirada da Laguna Carla Regina de SOUZA, 2006.
[12] Machorra - Atual Córrego Machorra., afluente, pela margem direita, do rio Apa, no município de Bela Vista. Bacia do rio Paraguai. História. O córrego Machorra foi conhecido pelo nome Cabeceira do José Carlos, assim citado por Taunay, em A Retirada da Laguna, quando acamparam, em 11 de maio de 1867, perto de uma das cabeceiras do José Carlos, para transpô-lo no dia seguinte. A 12 de maio, ao romper d’alva, levantamos acampamento e, como de véspera, recomeçou a marcha por entre a macega alta. Longas voltas tivemos de dar para transpor o José Carlos, evitando alguns dos brejos profundos de onde lhe nascem as águas. O nome do córrego deve ter sido atribuído pelo fato de José Carlos Botelho ter posses nas imediações. José Carlos foi prisioneiro dos paraguaios, durante a Guerra da Tríplice
Aliança (1865-1870). Enciclopédia das Águas de Mato Grosso do Sul. IHGMS, 2014.
Consideramos Machorra como uma composição morfológica composta, formada a partir da junção de dois itens lexicais oriundos do tupi (ma+chorá), que deu origem a um animotopônimo já que, segundo Theodoro Sampaio, chorá significa correntoso, impetuoso, ruidoso e ma seria uma forma contraída de mbaé que, agregada a outros vocábulos, caracteriza-os como um objeto, uma coisa. Ainda que tenha sofrido algumas adaptações fonéticas, diz-se Machorra para a fazenda que tinha em suas dependências um córrego que, pela força de suas águas, provocava a sensação de um pequeno, mas perigoso rio, o que para os moribundos soldados e civis, que lutavam diariamente contra o cansaço e a fome, tornava-se um desafio constante. Apesar de Houaiss registrar Machorra como fêmea estéril, incapaz de procriar, optamos por considerar a primeira classificação, haja vista que os elementos históricos que dispomos tendem a corroborar com tal decisão. Dissertação de Mestrado Toponímia e Entrelaçamentos Históricos na Rota da Retirada da Laguna Carla Regina de SOUZA, 2006.
Machorra, estabelecimento destinado a criar gado e fazer alguma plantação de subsistência, que Solano Lopes fez levantar, em território brasileiro margem direita do Apa. Acyr Vaz Guimarães Seiscentas Léguas a pé, 1988.
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PARTE III
3) A ocupação da Fazenda Machorra

Uma linha bastante extensa de paraguaios respondia ao ataque, enquanto grande cópia de outros dos seus companheiros dava-se pressa com um como furor de tudo destruir na fazenda e punham fogo a tudo quanto podia arder.

O nosso comandante da vanguarda, Enéas Galvão, estava ocupado em examinar uma ponte que era preciso passar para cortar o inimigo; foi aí que o tenente-coronel Juvêncio comunicou-lhe a ordem que trazia do quartel do comando de fazer alto; mas as circunstâncias já não permitiam que com ela se conformasse. Ambos os oficiais concordaram na necessidade de ocupar a posição a todo o custo.

Imediatamente a nossa linha de atiradores deitou a correr para a frente oposta pela própria ponte, porfiando todos em ardor, mas precedidos, no entanto, pelo velho Lopes e Loureiro que se nos reuniram e aos quais também nós pelo nosso lado não queríamos ceder o passo.

Os paraguaios recuavam então, mas em boa ordem.

Tinham sem dúvida ordem de não dar combate, mas unicamente de reunirem e tocar adiante de si tropas de cavalos e manadas de bois que não nos queriam deixar e que deviam ser consideráveis, a julgar pela poeira que pouco depois levantaram com a sua marcha.

O recinto foi ocupado; o Tenente-Coronel Enéas Galvão[13] aí tornou a formar imediatamente o seu Batalhão e manteve-o com tal firmeza de linhas que mais tarde mereceu por isso a aprovação do coronel e os aplausos gerais; os nossos foram os primeiros que recebeu.

Gostaram todos de ver o espírito de disciplina que mostrava a sua gente e depois o açodamento[14] com que à primeira voz puseram-se a desobstruir o terreiro dos objetos com que estava atulhado, sem subtrair cousa alguma, bem como de quanto estava no interior das habitações.

No entretanto, apareceu o próprio comandante, pois, vendo que não voltava um só dos que mandara a vanguarda, seguira à toda a pressa para verificar com os seus próprios olhos o que se passava. O entusiasmo do acolhimento que lhe fizeram nesse momento e as aclamações dos soldados causaram-lhe prazer cuja expressão, apesar da sua reserva habitual, foi para todos visível.
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Notas de Referências
[13] Marechal Antônio Eneias Gustavo Galvão, O Barão do Rio Apa. Nasceu em 19 de outubro de 1832, em Sergipe. Falecera no Rio de Janeiro em 25 de março de 1895.
Seus genitores foram Brigadeiro José Antônio da Fonseca Galvão (este era comandante das Forças em Operação no Sul de Mato Grosso e falecera em 1866 no deslocamento da marcha entre Coxim e Miranda) e de dona Mariana Clementina de Vasconcelos Galvão.
Irmão do marechal Rufino Eneias Gustavo Galvão, Barão de Maracaju, tendo sido o comandante responsável pela demarcação dos limites de fronteira entre o Brasil e o Paraguai em 1872/74. Também foi o responsável pela construção dos túmulos e translados dos restos mortais do Guia Lopes, Tenente Coronel Juvencio e Coronel Camisão, a colocação de uma lápide trazida da capital do Império, no local conhecido atualmente como Monumento Histórico do Cemitério dos Heróis da Retirada da Laguna.
Participou da Retirada da Laguna, durante a Guerra do Paraguai, enquanto comandava o 17.º Batalhão de Voluntários da Pátria. Exerceu o cargo de Comandante Superior da Guarda Nacional.
Foi Ministro da Guerra de 13 de abril de 1893 a 31 de janeiro de 1894, durante o governo Floriano Peixoto. Foi, ainda, ministro do Superior Tribunal Militar, de 23 de abril de 1892 até seu falecimento em 25 de março de 1895. Agraciado cavaleiro da Imperial Ordem de São Bento de Avis, oficial da Imperial Ordem da Rosa, cavaleiro da Imperial Ordem do Cruzeiro. https://pt.wikipedia.orghttp://www.stm.jus.br; Visconde de Taunay. Dias de Guerra e Sertões.
[14] NE – Afobação; correria.
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a) O saque na fazenda Machorra por combatentes

Os auxiliares índios, guaicurus e terenas, não foram os últimos a apresentarem-se para o saque, tinham pelo contrário mostrado pouca sofreguidão para a luta, ao ponto de em nossa carreira, ao passarmos por eles, lhes havermos bradado:

__ “Andem, avancemos, bravos camaradas”! Agora a sua indolência era substituída por um ardor sem limites no saqueio. 

Tinham-se já espalhado até pelas plantações de mandioca e de cana e traziam em um instante cargas tamanhas que sob elas vinham acurvados, sem que, no entanto, demorassem o passo.

Havia ainda um resto de crepúsculo quando o grosso do exército chegou; foi esse o momento do atropelo e da confusão; tantos objetos estavam expostos à vista, amontoados de envolta uns com os outros, sem dono e votados à destruição. Cada qual recolheu o seu quinhão; e afinal os menos favorecidos foram aqueles que deviam ter mais direito de apoderarem-se de tais objetos, por isso que os haviam conquistado com perigo e guardado como propriedade pública até o momento da geral dilapidação.

Esse saque aliás era legítimo e sem injustiça não se poderia recusar esse gozo aos soldados, que haviam-no comprado e pago adiantado com meses de privação e de fome. Das oito ou dez casas da Machorra, duas estavam já reduzidas a cinzas pelo fogo que os próprios paraguaios lhes haviam posto; as demais foram preservadas pelos soldados brasileiros; e alguns pedaços do madeiramento, alguns esteios abrasados bem lhes podiam servir para assarem batatas, mandioca e aves do inimigo. A Machorra, denominada fazenda do presidente Lopez, não passava na realidade de um terreno usurpado, cultivado por sua ordem além da fronteira. O trabalho dos invasores, frutuoso como fora, não fazia mais do que comunicar ao banquete o prazer de uma reivindicação nacional; o coronel autorizava-o com ares prazenteiros que nunca lhe viramos.
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PARTE IV
Transcrições de Documento número 09, 10 Expedidos na Marcha da Colônia Miranda à Fazenda Machorra

Documento 09
Relatório do Comandante do 21º Batalhão de Infantaria, Major Gonçalves, sobre a ocupação da Fazenda Machorra

Parte do major José Thomaz Gonçalves, comandante interino do Batalhão nº. 21º de infantaria, 19 de abril de 1867, rumo a fronteira com o Paraguai

Ilmo. e Exmo. Sr.

Depois do 1º toque para a marcha das Forças, tive ordem de V. Ex.ª para, com o Batalhão de Infantaria Nº. 21º, de meu interino Comando, fazer a vanguarda, ao que segui logo, e pouco distante do acampamento avistamos uma força inimiga, pouco mais ou menos de 60 a 80 cavaleiros, os quais oferecendo linha de guerrilha, retiraram-se na nossa frente, em vista da marcha que levou o Batalhão ao passar uma pequena ponte que tem no carrego do Taquarussú, mandei fazer a vanguarda do Batalhão por uma força de dezesseis atiradores comandados pelo Alferes de comissão Symphronio dos Santos Ribas, a qual tendo passado em seguida do inimigo, que apresentou de novo uma linha de guerrilha na colina em frente do passo, fez-lhe esta uma descarga, do que resultou cair imediatamente um, disparando o cavalo que outros foram pegar, tendo neste interim os companheiros posto o ferido na garupa; e continuando o Batalhão na marcha acelerada, ouvi o toque de alto que V. Ex.ª tinha mandado fazer para poder concertar-se a dita ponte, afim de passar a Artilharia; a esse toque de alto, os inimigos vendo que não temos cavalaria, também pararam e se puseram a dar pasto aos cavalos, sempre em distância em que não poderiam ser ofendidos pela infantaria; logo que a Artilharia passou foram por esta feitos 3 tiros, que os disparou, e saíram em debandada. 

Cumpre-me informar a V. Ex.ª que na ocasião em que o Batalhão teve ordem de fazer a vanguarda, veio o Alferes de Infantaria, adido ao 1º Corpo de Caçadores a Cavalo, Clementino Pereira Passos Cavalcanti, apresentar-se para marchar com o Batalhão, visto ter de marchar na retaguarda do Corpo a que pertence, mostrando muito entusiasmo e vontade de combater. 

O Alferes Symphronio, comandante dos atiradores, portou-se com muita galhardia. Assim como o 1º Sargento Antonio Augusto Fernandes Adão, que fazia parte dos mesmos. 

O entusiasmo e alegria foi geral em todo o Batalhão, por ser este o dia primeiro em que avistamos em marcha o inimigo que a muito procuramos. 

Deus Guarde a V. Ex.ª . 

Acampamento do Batalhão Nº. 21º de Infantaria em marcha, 19 de abril de 1867. 
Ilmo. e Exmo. Sr. Coronel Carlos de Moraes Camisão, 
Comandante das Forças em Operações.

José Thomaz Gonçalves, 
Major de Comissão Comandante interino.

O Alferes Amaro Francisco de Moura,
Secretário Militar.
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Documento 10
Relatório do Comandante do 17º Batalhão de Voluntários da Pátria, TC Enéas Galvão

Quartel do Comando do Batalhão Nº. 17º de Voluntários da Pátria. 
Acampamento no Ponto Militar de Machorra, 20 de abril de 1867. 

Ilmo. e Exmo. Sr. 

Ordenando-me V. Ex.ª para que de uma parte circunstanciada da tomada do Ponto Militar denominado Machorra pelo Batalhão Nº. 17º do Voluntários da Pátria, do meu comando, que fazia a vanguarda das Forças, hoje cumpre-me comunicar a V. Ex.ª que às quatro e meia horas da tarde, fazendo-me a vanguarda sinal de inimigo de cavalaria, recebi comunicação do Tenente João Baptista de Souza Vianna, que comandava o apoio da mesma vanguarda, de ter avistado no flanco direito uma partida de cavalaria, a qual em pouco tempo se tornou visível para todo o Batalhão.

E, pela marcha contra o flanco que fazia, parecia querer atacar a vanguarda, então mandando ordem para que ela marchasse bem junta ao Batalhão, ao qual deveria reunir-se no caso de força superior a que pudesse conter. 

Mandei tocar avançar, e em um quarto de hora depois, o mato estreitando-se apresentava um desfiladeiro no fundo do qual avistamos um córrego, fazendo alto ao Batalhão, determinei a guarda avançada que explorasse, e tendo esta o atravessado, fazendo fogo de atiradores nos cavaleiros que ousavam se apresentar nos clarões do mesmo, avancei com o Batalhão, achando-me em uma vasta campina, continuando a minha marcha em colunas de grandes divisões a meia distância. 

Pouco tempo depois, o Capitão Enok Baptista de Figueiredo, comandante da vanguarda, comunicou-me que no mencionado ponto de Machorra, que já avistava, distinguia-se em linha de batalha sessenta cavaleiros, pouco mais ou menos, determinei que continuasse a avançar observando a passagem do córrego e a mata que este bordava, rompendo ele novo fogo de atiradores em alguns cavaleiros dispersos que observavam o Batalhão de mais perto, e retirando-se mandei avançar o Batalhão a marche-marche atravessando o córrego. 

E nesta ocasião observamos que a força que se achava em linha de batalha retirava-se a galope, sendo de crer que fossem tocando a cavalhada que tinham, pela grande poeira que a frente deles se distinguia. 

Este ponto, ocupando uma pequena elevação, apenas visível em muita pequena distância, pelo mato que borda o córrego, compõe-se de duas linhas paralelas de grandes casas, podendo dar abrigo a quatrocentas praças, tendo além disto um curtume, uma grande oficina de coureiros, dois grandes currais, e plantações de mandioca, feijão, milho, canas e fumo, como tudo devia ser observado por V. Ex.ª que instantes depois com o seu Estado Maior apresentou-se.

Acharam-se presentes na ocasião da entrada do posto os Srs. Tenente Coronel Chefe da Comissão de Engenheiros, Juvencio Cabral de Menezes que vinha com ordem de V. Ex.ª para que eu não me alongasse, e 1º Tenente Catão Augusto dos Santos Rôcho e 2º dito Alfredo de Escragnolle Taunay, membros da referida comissão, os quais, colocando-se ao lado da vanguarda, e avançando, entusiástica e corajosamente davam vivas ao Batalhão. 

Faltaria também a um dever, se não manifestasse a V. Ex.ª o bom comportamento que tiveram o Capitão Enok Baptista de Figueiredo, Tenente João Baptista de Souza Vianna e Alferes Ajudante Joaquim Candido de Vasconcellos, pela firmeza com que se houveram, este na transmissão de ordens e aqueles no serviço da vanguarda ignorando eles a força com que repentinamente teriam de se encontrar pelas emboscadas que o mato oferecia. 

É o que me cumpre comunicar a V. Ex.ª 

Deus Guarde a V. Ex.ª.

Ilmo. e Exmo. Sr. Coronel,
Carlos de Moraes Camisão, Comandante em Chefe destas Forças em Operações. 

Antonio Enéas Gustavo Galvão,
Tenente Coronel em Comissão Comandante.

O Alferes Amaro Francisco de Moura,
Secretário Militar.
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