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10 de maio de 2017

O CAMINHO EM RETIRADA DA LAGUNA - 01 - MARCHA E COMBATES DE 8 DE MAIO DE 1867

CAPÍTULO X

AS FORÇAS EM OPERAÇÕES AO SUL DA PROVÍNCIA DE MATO GROSSO

A Marcha das Forças e combates em Retirada da Invernada da Laguna, Paraguai


PARTE I – Da Laguna ao Arroyo Apa-mi, 8 de maio de 1867
Panorama atual da estrada, entre a Estancia Arroyo Primero e da ponte sobre rio Apa-mi, afluente do rio Apa, em território do Paraguai por onde marcharam as tropas brasileira na invasão e Recuo da Invernada da Laguna em maio de 1867. Imagem adaptada do Google Earth Pro 2017. José Vicente Dalmolin
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1- Refletindo sobre as consequências da estada na Invernada da Laguna

Íamos começar a nossa retirada. O inimigo sabia que os movimentos da nossa coluna em qualquer sentido que fossem, tinham outros motivos que não a sua superioridade sobre nós. 

Há um tempo, com o combate que nos tornara senhores do seu acampamento, diminuíras-lhes a arrogância e a confiança da nossa gente em si própria elevara-se à altura das provações que o futuro nos reservava, assim como das que já experimentávamos.

Era indispensável a vantagem ganha sobre os paraguaios para que os soldados aceitassem sem murmuração a situação em que nos achávamos e para que não refletissem na imprevidência que a ela nos levara. Era por certo possível encontrar escusa para a falta dê víveres. As narrações dos refugiados haviam podido de modo explicável, iludir-nos quanto aos recursos locais; mas a falta de munições logo em começo da campanha era em todo o caso censura injustificável, por isso que tudo devia estar de antemão calculado pelos depositários da autoridade, até mesmo o próprio entusiasmo, bem como a paixão da gloria e o amor da pátria.

2- O Caminho de volta, o começo da marcha das tropas em Retirada da Invernada da Laguna, 8 de maio de 1867

Quando o sol levantou-se no dia seguinte, 8 de maio, (era um dia dos mais serenos), já estávamos em ordem de marcha, com as mulas carregadas, os bois de carro nas cangas e quanto nos restava de gado apoiado ao flanco dos batalhões de modo a acompanhar todos os movimentos da coluna.

As sete horas da manhã o corpo de caçadores desmontados, que estava de dia na vanguarda, rompeu a marcha, indo após ele as bagagens e o trem de artilharia; cousa que não trouxe pequeno embaraço na passagem de um ribeiro que as chuvas dos dias precedentes tinham avolumado e tendo uma das nossas peças caído na água, só pode ser retirada à custa de tempo e de trabalho.

Nessa ocasião, os ímpetos de ansiedade impaciente do coronel Camisão estiveram a ponto de reproduzir-se, mas conseguiu refreia-los e daí em diante, não se lhe viram mais as suas antigas agitações, mas unicamente uma solicitude sempre desperta a bem da salvação comum.

3- O primeiro contra-ataque pelas tropas do Paraguai, tiroteios e defesas

Avançávamos em boa ordem, quando de súbito ouviu-se viva descarga de fuzilaria; fora a nossa vanguarda que, costeando um capão de mato, havia sido atacada por uma partida de infantaria ali emboscada[1]. Algumas balas tinham vindo cair por cima das fileiras em um grupo de mulheres que marchavam tranquilamente ao lado dos soldados e nelas produzira tamanha explosão de clamores que não soubemos o que sucedia. Este medonho tumulto durou pouco; pois os nossos, lançando-se denodadamente ao inimigo, desalojaram-no e foram-no repelindo até a primeira encosta da esplanada em que estava a fazenda da Laguna. Mas, acolá os paraguaios formaram-se de novo, mantiveram-se algum tempo, aproximaram-se depois insensivelmente dos seus cavalos e afinal, ao passo que alguns que já estavam montados afastavam-se a toda a brida, outros simulavam resistir para protegerem os camaradas que fugiam a pé em total desbarato. 

Depois de toda esta aparente desordem, com que procuravam separar nos uns dos outros o mais que pudessem, vimo-los pouco e pouco parar com mais frequência e em maior número com os reforços sucessivos que iam recebendo, ao mesmo tempo que o nosso corpo de caçadores mandado após eles isolava-se cada vez mais. 

A descarga de fuzilaria tomou então intensidade nova.

O capitão José Rufino que, à frente do corpo de caçadores, passara o ribeiro depois da bagagem e achava-se mais perto da vanguarda, posto que ainda a grande distância, soube reconhecer e avaliar o estado das cousas; e, depois de ter mandado um oficial em busca de socorro, dando voz de avançar, correu pessoalmente sem atentar para quem o seguia, direto ao lugar do combate.

Chegou no momento em que os paraguaios, depois de todas as suas evoluções de cavalaria simulando fugas, ganhando novamente terreno, tornaram afinal todos juntos e carregaram com fúria o nosso destacamento. Os nossos ficaram efetivamente surpreendidos e momentaneamente perturbados, mas para logo, a voz de Rufino, formaram quadrados em volta dos seus oficiais, como lhes acabava de ser ordenado e desses grupos, fora dos quais não havia mais do que perecer miseravelmente sob a espada e a lança, despejaram-se descargas acompanhadas de ruidosas aclamações. 

Depois, ajudando-se o melhor que podiam uns aos outros, puseram-se a marchar no meio desse turbilhão de homens e de cavalos, para os capões de mato que destacavam-se aqui e ali no meio do campo; luta encarniçada em que houve de parte a parte muitos mortos e feridos.

O capitão imediato do corpo de caçadores, Antônio da Cunha, deveu a vida a um dos seus soldados.

Deu-se em outro ponto um episódio que foi depois várias vezes narrado. O capitão Costa Pereira parecia ter-se tornado nas fileiras alvo predileto dos ataques de um possante cavaleiro, quis atacá-lo por sua vez e mandando abrir passagem, lançou-se fora do quadrado, animado de tamanho ardor que o adversário intimidado deitou a fugir com grande aplauso dos nossos.

No entretanto, o reforço, que José Rufino mandara pedir chegara a marche-marche, exatamente quando ia faltar cartuchames. A primeira companhia que entrou em linha tinha uma peça de artilharia e uma das suas granadas foi estourar no mais travado da pugna[2]. Esta arma trazida de improviso a ação produziu o efeito costumado da surpresa; espalhou imediatamente a confusão nos esquadrões inimigos já abalados com o aparecimento do auxílio e toda a cavalaria paraguaia desapareceu, deixando em nosso poder um acampamento provisório, custou-nos quatorze mortos e muitos feridos.
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Notas de Referências
[1] NE - Visualizar o mapa sinalizando o local dos tiroteios.
[2] NE – batalha; combate; ação.
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a) Atendimento aos feridos e sepultando os mortos

Não podemos esquecer entre estes últimos um jovem soldado, Laurindo José Ferreira, que, cercado por quatro inimigos e tendo por única defesa a espingarda descarregada, foi horrivelmente golpeado, ficou com a mão esquerda cortada, o braço direito profundamente retalhado em muitos pontos e o ombro quase arrancado por uma lançada, sem todavia render-se. Depois de muito tempo ficou afinal bom dos terríveis ferimentos; a sua firmeza na ambulância não desmentira a sua bravura diante do inimigo.

O pessoal do nosso corpo de saúde fora muito perseguido pelas febres paludosas de Miranda; muitos dos seus membros tinham-nos deixado e além disso as nossas caixas de cirurgia e de farmácia tinham-se todas ou perdido ou deteriorado em razão dos acidentes de viagem.

Os nossos feridos, no entanto, puderam ainda receber todos os socorros de que careciam, graças aos esforços de engenhosa humanidade de que foram alvo. O comandante nunca perdia de vista esse serviço e tínhamos tido a felicidade de conservar dois hábeis práticos, os doutores Quintana e Gesteira, este pertencendo aos corpos empenhados no combate do dia 6, ali deram provas de dedicação e de calma, debaixo do fogo, como verdadeiro discípulo do grande Larrey[3].

Os cadáveres paraguaios que não tinham sido arrastados a laço pelos seus compatriotas, foram todos encontrados mutilados de modo horrível. O coronel exprobrou violentamente aos índios tais profanações, ameaçando-os até de pena capital, se daí em diante não respeitassem os mortos e tal foi a sua indignação e o temor que incutiu no gentio, que vemo-nos livres de semelhante espetáculo até ao fim da campanha, quando já ele não existia. 

Mas no momento de que falamos mandou sepultar sem exceção todos os corpos com que estava juncado o campo de batalha, com o zelo de escrupulosa piedade que estava na sua índole e nos seus costumes; duas horas foram consagradas a esse triste mister que confiou à terra inimiga os nossos infelizes concidadãos. Que comoção ao vê-los assim desaparecer e o que não deveria sentir um dos nossos oficiais que teve de colocar por suas próprias mãos na cova o irmão mais moço Bueno, voluntário de São Paulo!
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Notas de Referências
[3] NE – “Domique Jean Larrey nasceu na França no ano de 1766. Formou-se médico e ingressou para o Serviço de Saúde do Exército Francês. General médico do exército de Napoleão, apresentou grandes contribuições para os serviços Médicos de Urgência. Amigo e solidário dos soldados feridos, Larrey foi solicitado por Napoleão a prestar atendimento imediato aos militares feridos, ou seja, o corpo de saúde deveria recolher as vítimas no próprio fronte de batalha e não mais após interrupção do conflito. Com técnicas e equipamentos de hemostasia, Larrey elaborou o primeiro modelo de ambulância com condições de atendimento imediato e veloz. Perfilando dois cavalos, diminuindo as rodas, curvando o telhado para evitar acúmulo de água e peso, abrindo janelas para ventilação, acoplando maca retrátil e Kit de primeiros socorros, pode realmente colocar em prática seu invento Móvel de que foi batizado de "Ambulância Voadora". (Copilado de http://www.medicinaintensiva.com.br/larrey.htm - Acessado em 23.10.2016)
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4- Recomeçando a Marcha e a disposição em direção ao Arroyo Apa-mi

Logo depois de cumprido esse dever, pusemo-nos de novo a caminho; desta vez conforme a ordem de marcha recentemente adotada. Tinha-se dado uma peça de artilharia ao corpo de caçadores, que formava ainda a vanguarda. O Batalhão Nº. 17º dos Voluntários de Minas compunha a retaguarda, tendo igualmente um canhão; no centro os Batalhões Nº. 20º e Nº. 21º, cada qual com uma peça, escoltavam à direita e à esquerda a bagagem flanqueada por duas filas de carretas puxadas por bois; e o conjunto de toda essa massa movediça assemelhava-se a um vasto quadrado que em cada face tinha outro menor diante de si; disposição própria para proteger-nos contra as cargas de cavalaria, por isso que as quatro faces podiam ser varridas pelos fogos cruzados da nossa infantaria e por maior segurança ainda, linhas de atiradores circulavam ao redor do corpo de exército.

Desde esse primeiro dia viu-se quanta vantagem havia nessa formatura, pois a cavalaria inimiga cercava-nos por toda a parte, na frente, nos flancos, atrás, ora distante, ora quase tocando-nos. Os nossos soldados, sem interromper a marcha, afastavam-na com descargas frequentes, tanto mais seguras no resultado que produziam quanto mais próximos estavam os paraguaios. 

a) A Artilharia Paraguaia

Algumas das balas deles atravessavam também as nossas fileiras, mas sem grande efeito em razão da incerteza do tiro disparado a galope, no entretanto vieram por sua vez as balas de artilharia.

Atravessávamos então o fundo lodacento de uma planície sulcada por estreitos outeiros[4] que sucediam-se paralelamente e a peça de 3 dos paraguaios, sucessivamente colocada sobre esses pontos, fazia-nos fogo; mas ou porque nisso ao menos a fortuna nos favorecesse, ou porque fossem inexperientes os seus artilheiros, os projetis iam enterrar-se na lama que nos rodeava ou os menos inofensivos caiam-nos no meio do gado, com mais tumulto que dano, de tal arte que os nossos soldados em quem a primeira impressão fora bastante viva, não fizeram mais do que rir deles e as próprias mulheres acharam nisso assunto de mofa[5], comparando essas balas, que faziam espadanar a água, as laranjas[6] de cera cheias de água de cheiro do antigo entrudo[7] brasileiro.

Demais, tínhamos também resposta para a “palavra de bronze”, conforme uma expressão da linguagem imaginosa do velho Lopes, não copiada, como fora fácil crer, do vocabulário da África francesa, onde também não rara figura.
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Notas de Referências
[4] NE – Cerro, colina, cordilheira, elevação.
[5] NE – zombaria, gozação, escarnio.
[6] NE - Os participantes que saíam às ruas em grupos jogavam nas pessoas ovos e bolas de cera cheias de água (limões de cheiro), e não respeitavam nada nem ninguém.
[7] NE – Entrudo é uma antiga celebração que acontecia nos três primeiros dias antes da Quaresma, e que foi substituída pelo atual Carnaval. O Entrudo chegou ao Brasil juntamente com os portugueses, em 1641, na cidade do Rio de Janeiro. Desde o início, participavam da comemoração todas as famílias e também os escravos. Desde a Idade Média, se comemorava o carnaval em Portugal, com uma série de brincadeiras que variavam de aldeia para aldeia. Em algumas dessas comemorações, existiam grandes bonecos feitos de madeira, chamados entrudos, que foram os responsáveis por originar o nome da celebração. Porém, os entrudos não significavam apenas os bonecos, mas toda a festa em si e as brincadeiras. (Adaptado de https://www.significados.com.br/entrudo/ - acessado em 23.10.2016)
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b) A Artilharia Brasileira

A nossa artilharia[8] ainda nesse dia não desmentiu a sua superioridade. As nossas peças raiadas de calibre 4, La Hitte, estavam bem assentes, perfeitamente sólidas e eram manobradas com a maior regularidade pelos nossos que se haviam exercitado desde o Taboco[9] e alguns dos quais tinham adquirido boa pontaria; além de que os nossos quatro oficiais da arma, tão destros quão valentes, eram todos dignos êmulos[10] uns dos outros, João Thomaz de Cantuaria, Marques da Cruz, Napoleão Freire e Nobre de Gusmão, cada qual, quando punha mãos na obra, empenhava-se em mostrar-se excelente.

Os nossos soldados interessavam-se nessa porfia[11] e animavam-se com ardor novo a cada tiro que podiam atribuir ao seu artilheiro predileto.

Fomos assim todo o dia caminhando com grande estrépito[12], no meio das aclamações dos nossos, dos gritos agudos e ferozes do inimigo, dos mugidos do gado, das explosões da pólvora, confusão de homens e de cousas, em um chão de fumo e pó. O sol já declinava quando avistamos distintamente o Morro da Margarida, o mesmo que já tínhamos observado de ponto diferente, do forte de Bella Vista, sinal de reconhecimento que desta vez brilhou aos nossos olhos como raio de esperança. Tínhamos feito duas léguas e meia sob fogo contínuo e fatigante, posto que pouco mortífero.
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Notas de Referências
[8] NE – Em outro capítulo será comentando sobre as armas utilizadas na guerra, entre elas as peças de Canhões
[9] NE - Taboco em outro capítulo comentará sobre o Tabobo, localidade próxima à Aquidauana-MS.
[10] NE – Competidores, adversários, concorrentes. 
[11] NE – Tenacidade, pertinácia, perseverança, empenho.
[12] NE - Rumor alto de vozes simultâneas; alarido, algazarra, ruído estrondoso; barulho.
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5- Na mata e Ribeira do Apa-mi, as tropas paraguaia passam à frente da brasileira

A mata da margem do Apa-mi[13] fora designada para o nosso acampamento da noite; estávamos dela próximos, mas a bateria paraguaia de campanha passara-nos adiante pela esquerda havia muito e achava-se postada além da nossa vanguarda; as suas balas enfiavam a margem em que íamos ficar encurralados, pois a ponte que aí existia outrora, acabava de ser destruída.
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Notas de Referências
[13] NE – Apa-mi ou pequeno Apa.  É um afluente da margem esquerda do Rio Apa, em Território da República do Paraguai, próximo a cidade de Bella Vista Norte. 
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a) Novos confrontos no Apa-mi

Era tempo de que as nossas quatro peças dificilmente arrastadas para cima da eminência oposta a que o inimigo ocupava, começassem por seu turno a jogar; não tardou que fizessem calar o fogo dos paraguaios, cuja peça de 3 foi desmontada pela explosão de uma granada.

Este combate que pôs termo a jornada não durou menos de uma hora; a nossa perda não foi considerável, um homem morto e alguns feridos e pudemos contar como uma vantagem a experiência que então fizemos da firmeza do nosso Batalhão Nº. 20º que estava de serviço junto à bateria; o fogo paraguaio parecia dessa vez ter melhor direção que anteriormente e a nossa gente não arredou pé. Não passavam entretanto, de recrutas valetudinários[14], vindos de Goiás, comandados é certo por um esforçado oficial do exército, o capitão Ferreira de Paiva; ficamos assim sabendo quanto devíamos esperar do valor e da abnegação de todos para o resto da retirada.
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Notas de Referências
[14] NE – Neste contexto pode ser entendido como soldados com pouca experiência militar, de combate, novatos. Recrutas.
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b) Pernoitando na margem do Apa-mi

Nesse, entretanto os membros da comissão de engenheiros restabeleciam a ponte; o trabalho deles foi rápido; o comandante, sob cujas vistas operava-se, cumprimentou-os por isso e foi o primeiro a passar. Todo o resto da coluna acompanhou-o sem o menor obstáculo e foi acampar na margem direita do Apa-mi; já alguns piquetes de cavalaria paraguaia, que tinham atravessado o rio mais abaixo, estavam de observação adiante de nós.
Panorama atual da estrada, ponte e rio Apa-mi, afluente do rio Apa, em território do Paraguai por onde marcharam as tropas brasileira na invasão e Recuo da Invernada da Laguna em maio de 1867. Imagem adaptada do Google Earth Pro 2017. José Vicente Dalmolin

Caíra a noite, noite profundamente escura. Estávamos todos exaustos de fadiga, com os olhos deslumbrados e o ânimo abalado por tantas variadas impressões, cujas imagens acabavam por confundir-se. Ninguém levantou tenda ou barraca. Dormíamos em grupos, formados ao acaso, de três, quatro ou mais, conchegados uns aos outros, cobertos em comum com capotes, ponches, mantos, com quanto encontráramos; cada qual com a sua espingarda, revólver ou espada ao alcance da mão, vestidos, com os chapéus puxados para cima dos olhos para resguardar-nos de orvalho tão abundante que tudo inundava.
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PARTE II
Transcrição de Relatórios dos comandantes dos Corpos referentes a marcha e os confrontos com trapas paraguaias, na marcha de Retirada da Laguna, 8 de maio de 1867.

Documento 19
Parte do capitão Pedro José Rufino, Comandante interino do 1º Corpo de Caçadores a Cavalo

Ilmo. e Exmo. Sr. 

Cumpre-me levar ao conhecimento de V. Exc.ª. a ocorrência havida na manhã do dia 8 do corrente entre o Corpo de meu interino comando e as forças Paraguaias. Ao levantar o acampamento, tive ordem de V. Exc.ª. para o meu Corpo marchar na vanguarda das Forças, e logo no começo da marcha a cavalaria e infantaria inimigas, emboscadas em dois capões de mato, fronteiros ao nosso acampamento, principiaram a descarregar suas armas sobre o Corpo; pelo que, incontinenti fiz avançar o Corpo, que se achava em dois esquadrões, o primeiro pelo flanco direito e o segundo pelo esquerdo, conseguindo, meia hora depois de vivo fogo, afastar toda força inimiga para um curral e casa próxima, em que se entrincheirou e depois para o campo, onde o inimigo tornou-se bem ousado, combatendo a ferro frio. Com quanto estivessem os bravos oficiais e praças bastante cansados, por combaterem a pé, todavia avançaram com denodo sobre quinhentos a seiscentos Paraguaios, até que estes foram derrotados e desalojados de suas posições, retirando em completa debandada para uma mata distante do lugar do combate um quarto ele légua.

Pouco depois chegou uma grande divisão do Batalhão de Infantaria nº 20º sob o mando do Capitão de Voluntários da Pátria Vicente Miguel da Silva, protegendo uma boca de fogo que V. Exc.ª. mandara a meu auxilio, e em seguida o mencionado Batalhão 20º, comandado pelo brioso Capitão Joaquim Ferreira de Paiva. Durante o dia o inimigo procurou interromper com guerrilhas a nossa marcha, sendo, porém, baldado seu intento, e sempre batido e desalojado de suas posições.

O Corpo, em número de cento e cinquenta praças, inferior em força à do inimigo, combateu duas e meia horas de vivo fogo sem interrupção e em tiroteio até às seis da tarde, hora em que acamparam as nossas forças; somente tenho a lamentar a perda de nove praças e o ferimento de quatro, inclusive o Capitão Mandante, cujos nomes constam das relações juntas, ao passo que o inimigo deixou no campo quarenta e cinco cadáveres, e em nosso poder diversos armamentos e munições. 

Os oficiais e praças combateram sempre com verdadeira coragem, sendo entre eles dignos de menção especial o Capitão Mandante Antonio Dias dos Santos, que achando-se à frente da ala esquerda, só a deixou depois de ferido. O Alferes Ajudante Manoel Rodrigues Bemfica, por executar com presteza a transmissão de minhas ordens. O valente Alferes Quartel mestre, servindo de Secretário, Domingos Marques Lopes Fogaça, sendo o comandante do 2º meio esquadrão, sustentou com ele reconhecida coragem a carga que sobre aquele meio esquadrão fizera a cavalaria inimiga, sem que perdesse força alguma. O Capitão de Voluntários da Pátria Francisco Manoel da Costa Pereira, ainda uma vez deu prova de sua intrepidez no intervalo entre o Corpo e a cavalaria inimiga. O Alferes Antonio José Dias Coelho, sustentou com o 3º meio esquadrão o fogo, mostrando coragem. O Alferes de comissão Elias Leite d' Alexandria, Porta Estandarte, com ele em punho, fez fogo com denodo e sangue frio na linha do primeiro esquadrão, sendo o mesmo Estandarte estragado por duas balas inimigas. O Alferes de comissão Manoel José Rodrigues, servindo de Quartel Mestre, achando-se com bagagem do Corpo, reuniu-se a seus companheiros e tomou parte no combate. Os Alferes de comissão Firmino Georges, José Maria, Anselmo Tavares e Ayres Emydio Dias, sendo supras dos meios esquadrões, portaram-se com coragem. O Capitão do Batalhão de Voluntários da Pátria nº 17º, Vicente de Paula Ferreira e os Alferes Serafim Augusto Moreira, Manoel Joaquim de Oliveira, e do 7.º Batalhão de Voluntários da Pátria, digo, da Guarda Nacional, João Pacheco d'Almeida, que se me apresentaram, combateram na fileira do Corpo, com coragem e sangue frio. O Capitão de comissão Pedro Nunes Baptista Ferreira Tamarindo, Tenente José de Oliveira Malheiros de Albuquerque, e os Alferes de comissão Joaquim Cavalcanti da Silveira Bezerra e Florencio Candido Gonzaga, todos do Batalhão de Infantaria nº 20º, que se me apresentaram ao meio dia por ordem de V. Exc.ª. e fizeram parte da linha de atiradores, cumpriram com seu dever mostrando sempre muita intrepidez.

Também são dignos de menção as seguintes praças: 1º Sargento Paulo Nunes de Siqueira, Cabos Joaquim dos Passos, Manoel Antonio de Oliveira e Francisco Jorge; Soldados Sebastião Thomé Pinto e o Voluntario da Pátria João Monteiro Malafaia, portaram-se entre seus companheiros com distinção e muita coragem, fazendo sempre estrago na força inimiga, acrescendo que o cabo Joaquim dos Passos, além de se distinguir, foi circulado por três Paraguayos, combateu com todos, deixando dois mortos e um ferido.

Por esta ocasião ainda cabe-me o prazer de felicitar a V. Exc.ª. por tão brilhante feito de nossas armas. 

Deus Guarde a V. Exc.ª.

Acampamento volante do 1º Corpo de Caçadores a Cavalo, no Retiro da Invernada, República do Paraguai, 9 de Maio de 1867. 

Ilmo. e Exmo. Sr. Coronel Carlos de Moraes Camisão, 
Muito Digno Comandante das Forças.

Assignado. Pedro José Rufino, Capitão Comandante interino.
2º Ten. Bel. Alfredo d' Escragnolle Taunay.
Secretário Militar.
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Documento 20
Parte Do Capitão Joaquim Ferreira De Paiva, Comandante do Batalhão Nº 20º de Infantaria

Acampamento do Batalhão nº 20º de Infantaria, nas ruínas do Forte de Bella Vista, República do Paraguai, aos 10 dias de maio de 1867. 

Ilmo. Sr. Tenho a honra de comunicar a V. Exc.ª as ocorrências havidas no Batalhão de meu interino comando, nos dias 8 e 9 do corrente.

Tendo-se levantado o acampamento destas Forças do lugar denominado Córrego da Invernada, no dia 8, pelas sete horas da manhã, em regresso a este ponto, fazendo neste dia o 1º Corpo de Caçadores a Cavalo a vanguarda das mesmas Forças, foi ele atacado a um quarto de légua por forças inimigas que se achavam emboscadas na mata da Laguna, em número de seiscentos, pouco mais ou menos, das três armas; à vista disso, ordenou V. S.ª que eu seguisse com o Batalhão de proteção a uma boca de fogo comandada pelo Major de comissão comandante do Corpo Provisório de Artilharia, João Thomaz de Cantuaria, afim de socorrer o dito Corpo de Caçadores. 

Imediatamente parti em marcha acelerada, e chegando ao campo onde estava o citado Corpo, todo em linha de atiradores, uma distância de trezentos passos, e observando que o inimigo o tinha cercado por todos os lados, fiz seguir, não obstante a ordem de V. S.ª, de eu não abandonar a boca de fogo, uma grande divisão composta da 1ª e 2ª Companhias comandada pelo capitão de comissão de Voluntários da Pátria, Vicente Miguel da Silva, ordenando a este que a dividisse em duas linhas de atiradores, para direita, e esquerda do mencionado Corpo, o que sendo cumprido pelo dito capitão, entrou logo em fogo; e notando eu mais que o fogo cada vez mais se ia tornando renhido, tomei a deliberação de seguir com a 3ª, 4ª, 5ª e 6ª Companhias, deixando de proteção a boca de fogo a 4ª grande divisão, composta de 7ª e 8ª Companhias sob o comando do Alferes do Exército, capitão de comissão Pedro Nunes Baptista Ferreira Tamarindo, apoiada sobre um curral; e tomando eu a frente do predito Corpo, formei linha e carreguei sobre o inimigo, conseguindo assim a retirada dele, com o que fiz alto e aguardei as ordens de V. S.ª que, momentos depois, mandou-me ordem que me retirasse com o Batalhão para o centro das forças, afim de dar-se sepulturas aos cadáveres. 

Uma hora depois as Forças puseram-se em marcha e o Batalhão de meu interino comando marchou no flanco esquerdo das mesmas, não só de proteção à boca de fogo comandada pelo Major Cantuaria, como as bagagens, fazendo eu seguir na ocasião da marcha, por assim me haver ordenado V. S.ª, a 7ª e 8ª Companhias, que formavam a 4ª grande Divisão, sob o comando do já citado capitão Tamarindo, para marchar na frente das Forças em linha de atiradores, a qual assim o fez sempre de tiroteio com o inimigo até ás 6 horas da tarde em que acampamos no córrego do Apa-Mirim. 

Durante a marcha o inimigo nos fazia fogo de artilharia com intervalo de quarto de hora, o que obrigava as Forças a fazerem alto, e assim como os demais, o Batalhão de meu comando com a boca de fogo tomava posição e em poucos momentos era o inimigo desalojado das suas posições em consequência dos certeiros tiros dirigidos pelo bravo Major Cantuaria. 

No dia 9, pelas 6 horas ela manhã, levantou-se o acampamento, e o Batalhão de meu comando marchou no flanco esquerdo com a mesma boca de fogo de proteção as bagagens, fazendo eu seguir na ocasião da marcha, também por ordem de V. S.ª, 30 praças sob o comando do 2º cadete, Alferes em comissão, Manoel da Silveira Miró, para com igual número de força do Batalhão 17º de Voluntários da Pátria, fazerem a vanguarda em linha ele atiradores, cuja Força veio até este ponto sempre em tiroteio com o inimigo.

Uma hora depois da marcha recebi ordem de V. S.ª para ficar com o Batalhão e a boca de fogo, comandada pelo Major Cantuaria, na retaguarda das forças, afim de garantir a passagem das mesmas e bagagens, no córrego da Bella Vista, para cuja garantia, foi necessário empregar-se alguns tiros da Artilharia; e efetuada como foi, a passagem, retirei-me com o Batalhão e prossegui na mesma ordem de marcha até o ponto em que nos achamos acampados. 

Faleceram no combate elo dia 8 de maio o 2º cadete Antonio Bueno de Azevedo e o soldado Pedro José Francisco, sendo ferido levemente o Alferes de comissão de Voluntários da Pátria Joaquim Cavalcanti da Silva Bezerra.

Os oficiais do Batalhão cumpriram com o seu dever, mostrando sangue frio e coragem, especialmente os capitães de comissão Pedro Nunes Baptista Ferreira Tamarindo, Vicente Miguel da Silva, Tenente do Exército José de Oliveira Malheiros de Albuquerque, ditos de comissão, Paulo Antônio Ferreira Lisboa, Luiz Rodrigues de Moraes Jardim, Manoel José da Costa, Alferes também de comissão Luiz Antonio Gonzaga, Manoel da Silveira Miró, Joaquim Antonio de Matos Junior, Joaquim Cavalcanti da Silveira Bezerra, Manoel Cavalcanti da Silveira Bezerra e Florencio Candido Gonzaga, os dois primeiros como comandantes da linha de atiradores, e os outros como subalternos.

Cumprindo mais comunicar a V. S.ª que no combate do dia 8 apresentaram-se o capitão de comissão de Voluntários da Pátria do Batalhão nº 17º, Vicente de Paula Ferreira e Alferes do Exército e Tenente de comissão, empregado na Repartição Fiscal, Antonio Bento Monteiro Tourinho, para fazerem parte da linha de atiradores. O que foi satisfeito, portando-se ambos com bravura, especialmente o Tenente Tourinho, que não só prestava-se na linha de atiradores, como também dirigia-se a mim para transmitir as minhas ordens ao comandante da linha, visto que nela não se podia ouvir o toque de corneta em consequência do fogo que era renhido. 

Deus Guarde a V. S.ª

Ilmo. Sr. Coronel Carlos de Moraes Camisão, Comandante das Forças.
Joaquim Ferreira de Paiva, Capitão comandante interino. 

2º Ten. Bel. Alfredo d' Escragnolle Taunay.
Secretário Militar.
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Documento 21
Parte do Comandante Interino do Batalhão 21º de Infantaria Major de Comissão José Thomaz Gonçalves

Ilmo. Exmº. Sr. - Tendo as Forças marchado às seis horas pouco mais ou menos da manhã, com destino a Bella Vista, foi logo ao sair atacado o Corpo de Caçadores a Cavalo, que fazia a vanguarda, pelo inimigo de infantaria que se achava acobertado em um mato, e marchando logo o Batalhão de Infantaria nº 20º, comandado pelo distinto Capitão Joaquim Ferreira de Paiva e uma boca de fogo, comandada pelo destemido Major de Comissão João Thomaz de Cantuaria, fizeram o inimigo retirar-se marchando então toda a Força na melhor ordem possível, seguindo o dito Corpo de Caçadores na frente, o Batalhão 20º na esquerda, o Batalhão 21º que muito me honra em comandar, na direita, o Batalhão 17º de Voluntários da Pátria na retaguarda, e toda a bagagem no centro.

Nesta ordem marchamos até ás 10 horas mais ou menos, sempre trabalhando nossos atiradores da frente, flanco e retaguarda, quando a essa hora o inimigo principiou fazendo-nos fogo de Artilharia, que prontamente foi correspondido pela nossa, durando este fogo até ás 6 horas da tarde, alternadamente e com pequenos intervalos, acampando a essa hora a Força junto ao córrego do Aspa-me, ficando a nossa linha de vedetas em frente a do inimigo. 

Tenho a informar a V. Exc.ª que todos os oficiais e praças deste Batalhão mostraram, como sempre, muito valor e coragem. Julgo, pois, de meu dever apresentar especialmente a V. Exc.ª os nomes dos oficiais abaixo declarados: Alferes de comissão Bento Thomaz Gonçalves, que comandou a linha de flanqueadores da direita, pela energia e atividade que desenvolveu nesse serviço, proibindo a aproximação do inimigo por esse lado e fazendo-lhes fogo sempre que eles se apresentavam ao seu alcance. Dito João Luiz do Prado Mineiro, que designei, para substituir na marcha o meu distinto Ajudante, Alferes Manoel Ignacio Pinheiro da Guerra, cujo animal cansava, portou-se com muito sangue frio e valor, transmitindo as minhas ordens com a maior presteza e atividade, e o Alferes Clementino Pereira Passos Cavalcanti, que não pertencendo ao Batalhão, apresentou-se para comandar um pelotão, que dirigia perfeitamente.

Finalmente e com especialidade tenho a apresentar a V. Exc.ª o nome do muito distinto e valente 1º Tenente de Artilharia Napoleão Augusto Muniz Freire que comandou a boca de fogo protegida pelo meu Batalhão, o qual é superior a qualquer elogio, portando-se sempre com muita calma e sangue frio, e fazendo logo que se apresentava ocasião, tiros sobre o inimigo com as mais certeiras pontarias, não tendo o Batalhão de meu comando sofrido o menor prejuízo. 

Deus Guarde a V. Exc.ª .

Acampamento do Batalhão nº 21º de Infantaria no Arroio Apa-mi, na República do Paraguai, oito de maio de mil oitocentos sessenta e sete. 

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Coronel Carlos de Moraes Camisão, 
Comandante das Forças em Operações. 

José Thomaz Gonçalves, 
Major de Comissão Comandante interino.

2º Tenente Bel. Alfredo d'Escragnolle Taunay,
Secretário Militar
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Documento 22
Parte do Comandante do Batalhão 17º de Voluntários da Pátria, Tenente-Coronel Antonio Enéas Gustavo Galvão

Número vinte e oito.

Quartel do comando do Batalhão 17º de Voluntários da Pátria, Acampamento no Forte de Bella Vista, República do Paraguai, nove de maio ele 1867.

Ilmo. Exmo. Sr·

Cumprindo-me dar conta minuciosa do comportamento e parte que tomaram no combate do dia oito do corrente, o Batalhão dezessete de Voluntários, de meu comando, e as duas bocas de fogo que estavam à minha disposição, na ocasião em que estas Forças regressavam para este Forte, cabe-me a honra de faze-lo pela maneira seguinte. 

Às sete horas daquele dia na ocasião da marcha, recebi ordem de Vossa Excelência para Com o meu Batalhão e duas bocas de fogo comandadas pelo digno Tenente de Artilharia João Baptista Marques da Cruz, proteger a retirada das Forças. Principiando estas a marcha, ouvi logo tiroteio na frente, distinguindo na minha retaguarda uma grande massa de cavalaria, em distância maior ao alcance das armas de infantaria não podendo as duas bocas de fogo dispersa-las pela falta de uma posição.

Assim marchamos ouvindo sempre os tiroteios na frente destas Forças, e distinguindo diversas massas de cavalaria manobrarem sobre a minha retaguarda, dando indícios de quererem carregar; até que chegando a uma eminência que dominava a posição inimiga, o distinto Primeiro Tenente Cruz, pondo as duas bocas de fogo em posição, principiou com as suas bem calculadas pontarias a causar-lhes estragos, obrigando-as a dividirem-se em uma grande quantidade de pequenos esquadrões.

Em seguida continuamos a nossa marcha, e poucos momentos depois vendo que o Batalhão podia ser carregado pela proximidade dos inimigos, causando, talvez na nossa bagagem algum estrago, mandei comunicar isto a Vossa Excelência, dando incontinenti o sinal da aproximação da cavalaria. Formei o meu quadrado, pondo a abrigos as duas bocas de fogo, e reconhecendo o inimigo as disposições tomadas, principiou a manobrar pelo meu flanco esquerdo.

Chegando, porém, as nossas forças a uma eminência, e tendo descambado, fiquei só com o Batalhão de meu comando e uma boca ele fogo visto ter a outra ido para frente, lutando com as dificuldades do caminho, que além de ser mau, pior ficou com a passagem de nossa pesada bagagem.

O inimigo, aproveitando-se desta ocasião, principiou a fazer, de muito perto, um vivíssimo fogo de Artilhara, e julgando ser mais prudente fazer calar esta bateria para poder subir a eminência, durante a qual podia causar-me sérios estragos, assentamos uma boca de fogo; porém, tendo-se desarranjado uma das viaturas, principiei, apesar das dificuldades, a subir a eminência debaixo sempre de vivíssimo fogo de Artilharia. Nesta ocasião, reconhecendo Vossa Excelência a má posição em que me achava, apresentou-se em pessoa, ativando a minha subida, e pelo risco mesmo que Vossa Excelência corria pela quantidade de balas que cruzavam a nossa passagem, aparecendo já na retaguarda massas de cavalaria para nos carregar. Poderia avaliar os momentos amargos que passei, não podendo Vossa Excelência, naquela ocasião, dar-me proteção, visto que os dois Corpos mais próximos que formavam as faces do grande quadrado, no centro do qual se achava a nossa imensa bagagem corriam risco de serem dispersados pela cavalaria. 

Chegando à eminência assestei as duas bocas de fogo, porém, o inimigo tirando a ilação de que o Batalhão se achava ao abrigo de um pequeno capão, junto à dita boca de fogo, começou a fazer tiros para este, ferindo mortalmente o soldado Sebastião de Araujo Lima e ficando contuso o Primeiro Sargento Antonio Maria dos Passos. 

Reconhecendo a necessidade de sustentar-me, até que na frente ai nossa Artilharia nos protegesse a Retirada, conservei-me, por algum tempo, e logo que foi estabelecida a nossa nova bateria, o inimigo principiou a fazer fogo para ela, não deixando, com tudo, de incomodar-nos. Chegando ao lugar onde estava a nossa bateria, a substitui, recebendo ordem de Vossa Excelência para permanecer ali enquanto se fizesse uma pequena ponte sobre o carrego que se tinha de atravessar, atrás da mata, na qual nossas forças tinham de acampar.

Nesta ocasião apresentou-se o muito digno Major comandante do Corpo de Artilharia João Thomaz de Cantuaria, com mais duas bocas de fogo, sustentando fogo com a bateria inimiga, até quase ao escurecer, momento em que, calando-se aquela, comecei a fazer a minha retirada. Faltam-me expressões para relatar a Vossa Excelência os serviços prestados pelo muito digno e valente Primeiro Tenente Marques da Cruz pelas prestezas de suas pontarias, contribuindo para que os tiros da bateria inimiga fossem incertos, dispersando os Esquadrões de Cavalaria. Incorreria também em uma grande falta se não mencionasse o nome do muito distinto e corajoso Major Cantuaria, pelo seu sangue frio e tenacidade, permanecendo ali talvez hora e meia afim de fazer calar a bateria inimiga, tendo esta feito alguns tiros de granada, porém, que pelo pouco alcance não ofenderam ao Batalhão. 

Também se achava presente à testa de uma boca de fogo o Segundo Tenente Cesario de Almeida Nobre de Gusmão, que pelo sangue frio e boa pontarias muito concorreu para incomodar o inimigo. Honra, pois, a esses nossos Artilheiros que muito me ufano em ter tido por companheiros na distinta Escola Militar, e nessa jornada gloriosa na qual o inimigo teve grandes prejuízos, como foi observado. 

Acanho-me todas as vezes que tenho de faltar a favor do Batalhão de meu comando; porém, omitir os seus serviços e os nomes de oficiais distintos, seria uma falta de atenção, que longe de ser modéstia, só concorreria para abater os ânimos, visto como as recompensas honorificas são as únicas a que o militar aspira.

A nossa marcha vagarosa pela pesada bagagem, impropria do serviço de campanha, com a multidão de animais inteiramente estropiados, tendo-se de atravessar grandes planícies, onde a cavalaria, apoiada por suas baterias a cavalo podia carregar a qualquer momento, foi feita em dez horas, percorrendo-se duas pequenas léguas; durante todo esse trajeto coloquei uma linha de atiradores de oitenta praças, tiroteando sempre com a linha de Cavalaria inimiga, que nos picava a retaguarda, em cujas linhas muitas vezes vi cavaleiros caírem, retirando-se muitos por feridos.

Muito se distinguiram o Tenente Raymundo Fernandes Monteiro Junior, substituído depois pelo Tenente Raphael Thobias de Souza Vasconcellos, Alferes Affonso Augusto da Silva Pêgo, Primeiro Sargento Antonio Maria dos Passos, segundo dito Raphael Archanjo da Fonseca, e Espingardeiro Manoel Polycarpo das Dôres, e bem assim, o Alferes Ajudante Joaquim Candido de Vasconcellos que com risco de vida muitas vezes percorreu a linha afim de transmitir-lhe minhas ordens. 

Enquanto aos mais oficiais do Batalhão, deixo de falar neles por que Vossa Excelência mesmo, nas ocasiões árduas tem lançado mão deles e lhes dado um lugar de honra; Vossa Excelência, pois, far-lhe-á justiça igual a confiança que o Batalhão merece nas Forças. 

Peço a Vossa Excelência para que se digne obter do Governo Imperial uma recompensa para o soldado deste Batalhão Nicoláo Firmiano de Lemos, que, fazendo parte da bagagem, e vendo a cavalaria inimiga carregar a linha de atiradores do nosso Corpo de Caçadores a Cavalo, muito se distinguiu.

São dignos de todos os elogios por terem-se também muito distinguido pela coadjuvação que prestaram nesta ocasião os Alferes Quartel Mestre Justiniano Augusto Cesario Moreira, e Agente da Enfermaria, Manoel Joaquim Rodrigues de Oliveira, e soldados bagageiros Severiano Evangelista, Agostinho de Araujo, Martiniano Rodrigues da Silva, Adriano Ferreira e José Antonio de Paula.

Dou, portanto, a Vossa Excelência os meus parabéns pelo bonito feito de armas desta Força trazendo na sua retaguarda uma força de cavalaria superior a mil praças com alguma infantaria e baterias a cavalo, não caindo no laço que o inimigo estava armando para atrair estas Forças ao interior da República.

Deus Guarde a Vossa Excelência. 

Ilustríssimo e Excelentíssimo

Senhor Coronel Carlos de Moraes Camisão, 
Comandante em Chefe destas Forças em Operações. 

Antonio Enéas Gustavo Galvão.
Tenente Coronel em Comissão Comandante.

2º Ten. Bel. Alfredo d'Escragnolle Taunay.
Secretário Militar.
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Documento 23
Parte do Major de Comissão João Thomaz de Cantuaria, Comandante do Corpo Provisório de Artilharia

Ilmo. Exmo. Sr.

Tenho a honra de passar as mãos V. Exc.ª a narração dos fatos dados no Corpo de meu comando, na marcha do dia 8 do corrente, do acampamento do carrego da Invernada até o Apa-mi, onde pousamos. 

Entre às 6 e 7 horas da manhã, o Corpo de Caçadores a Cavalo, que devia fazer a vanguarda de nossa Força na marcha, transpôs logo o córrego que ficava à retaguarda do nosso acampamento e apenas ganhava distância para dar lugar a bagagem, foi recebido pela infantaria inimiga que se achava de emboscada na mata.

O comandante Pedro José Rufino, carrega sobre ela e persegue-a, separando-se cada vez mais da Força que ainda não havia transposto o córrego; entretanto, o inimigo, aproveitando-se da ocasião, lança sua ligeira cavalaria sobre os nossos soldados que no número de 100 mais ou menos resistiam com heroísmo, ajudados pelos nossos camaradas que, abandonando a bagagem dos oficiais, correram corajosos em auxílio de seus companheiros.

Foi, então, que recebi ordem de V. Exc.ª para seguir com uma boca de fogo protegida pelo B.m nº 20º de Infantaria ao mando do Capitão Joaquim Pereira de Paiva, que aproximando-se do inimigo, estendeu uma grande Divisão em linha de atiradores, enquanto eu fazia atirar sobre eles as nossas granadas que os obrigou a retirarem-se em debandada para depois reunirem-se nos nossos flancos à frente. A perda do inimigo foi superior a nossa e os nossos soldados ainda uma vez atestaram sua bravura.

Depois de cessar o fogo e ter toda Força transposto o córrego, seguia-se a marcha continuando o Corpo de Caçadores a marchar na vanguarda, sendo coberta a retaguarda pelo B.m nº 17º de Voluntários da Pátria, o flanco esquerdo pelo B. nº 20º de Infantaria e o direito pelo 21º da mesma arma, indo eu com uma Divisão junto do Batalhão 20º, o 1º Tenente João Baptista Marques da Cruz com uma seção junto do B.nº17º e o 1º Tenente Napoleão Augusto Muniz Freire junto do B.nº 21º, com outra. 

No meio da marcha o inimigo, aproveitando-se da ocasião em que a Força transpunha uma extensão de terreno baixo e alagadiço, colocou sua ligeira artilharia na nossa retaguarda, oculta em um pequeno vale, donde nos fez muitos tiros, vindo suas balas caírem no centro da nossa bagagem. Procurei então uma posição vantajosa para a nossa Artilharia e colocando uma peça sobre uma eminência no nosso flanco esquerdo, fiz calar a bateria inimiga, protegendo assim a marcha da nossa Força e bagagem. 

Continuando a marcha o inimigo transportou suas bocas de fogo para o nosso flanco esquerdo e fazia lançar balas e granadas na nossa Força, que na margem esquerda do Apa-mi, esperava que se preparasse a ponte que nos devia dar passagem. Escolhendo ainda nova posição, fiz calar uma Divisão da bateria que, fazendo vivíssimo fogo sobre o inimigo, devia ter-lhe causado grande dano, parecendo- me, pelo que observei, que uma de suas peças fora desmontada.

Dirigia eu uma boca de fogo e a outra o distinto 1º Tenente João Baptista Marques da Cruz, que debaixo de toda calma fazia suas certeiras pontarias. Efetuada a passagem da Força, fiz retirar a Artilharia, o que se fez debaixo da melhor ordem possível, protegida pelo Batalhão nº 17º, do mando do Tenente Coronel de Comissão Antonio Enéas Gustavo Galvão, e acampamos na margem do mesmo carrego Apa-mi, quase ao anoitecer. A marcha deste dia foi quase toda ela feita debaixo de fogo, sendo ele muito pouco interrompido na linha de atiradores que ia sempre afastando o inimigo. A Artilharia fazia fogo sobre os esquadrões inimigos sempre que eles se apresentavam já nos flancos, já na frente e já na retaguarda, e levando a debandada as suas fileiras, não permitia que eles se reunissem. 

A confiança que a Força depositava na Artilharia cresceu neste dia e encheu de orgulho ao comandante dela. 

Terminando, cumpre-me declarar a V. Exc.ª que todos os oficiais e praças deste Corpo voltaram-se com a coragem e sangue frio que distinguem os soldados brasileiros nos combates, e julgo de meu dever apresentar a V. Exc.ª os nomes dos oficiais e praças que por seu comportamento se tornaram dignos ele especial menção. 

Os 1ºs Tenentes João Baptista Marques da Cruz e Napoleão Augusto Muniz Freire, que mostraram sempre o maior sangue frio e coragem, sustentando as posições que lhes eram indicadas. 

O Alferes de comissão Amaro Francisco de Moura, que sendo secretário do comando das Forças, se me veio apresentar no começo da marcha e acompanhou-me sempre, e muito me ajudou no serviço da peça que sempre dirigi, mostrando, a par de toda atividade, muita coragem.

O 2º Tenente de Artilharia Cesario de Almeida Nobre de Gusmão, e 2º Tenente de comissão Salvador Francisco Gomes da Paixão. O soldado Laurindo Francisco Ferreira que abandonando a bagagem, correu em auxílio de seus camaradas, e enquanto derrubava com certeiro tiro um seu adversário, foi barbaramente mutilado por outros, ficando no campo com seis golpes profundos, um dos quais lhe decepou uma mão. 

Este soldado conservou sempre sua coragem e gritava: “o soldado brasileiro não se rende”!

Recomendo ainda a V. Exc.ª o 2º Sargento Salvador Roiz da Silva, que distinguia-se mostrando sangue frio e coragem, o cabo Manoel Martins Pereira e o soldado Antonio Teixeira da Silva.

Deus Guarde a V. Exc.ª .

Ilmo. e Exmo. Sr. Coronel Carlos de Moraes Camisão, Digno Comandante das Forças.

Acampamento do Corpo Provisório de Artilharia, no Forte da Bella-Vista, 9 de maio de 1867.

Assignado, João Thomaz de Cantuaria, Major de Comissão Comandante.

2º Ten. Bel. Alfredo d' Escragnolle Taunay.
Secretário Militar.
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