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7 de maio de 2017

A CAMINHO DO APA, LAGUNA, PARAGUAI - 10 NA INVERNADA DA LAGUNA

CAPITULO IX
AS FORÇAS EM OPERAÇÕES NO SUL DA PROVÍNCIA DE MATO GROSSO

Em território do Paraguai,  LAGUNA e combate de 6 de maio 1867
Imagem José Vicente Dalmolin/2012



Marchando do Forte de Bela Vista à Invernada da Laguna,
30 e abril a 7 de maio de 1867

PARTE I – 
1) Do Forte de Bella Vista à Na Invernada da Laguna

a) Deixando o Forte de Bella Vista, as estratégias de marcha e combate

O coronel Camisão acabava de decidir que marcharíamos sobre a Laguna. Levantamos acampamento a 30 de abril para irmos fazer alto junto do Apa-mi, torrente que passa a uma légua do forte de Bella Vista. Os soldados pareciam ressentir-se da insuficiência dos víveres; a marcha era silenciosa e como pejada de tristeza.

Para animá-la, deu-se ordem para que as cornetas de todos os corpos tocassem alternadamente e a nossa gente gostou disso, supondo que era uma provocação e um desafio aos paraguaios que de contínuo viam-nos acompanhar de longe a coluna.

Os nossos diferentes corpos avançavam em quatro divisões distintas, formadas na previsão de ataques de cavalaria que devíamos com efeito esperar. Em uma reunião de comandantes, anterior a nossa ocupação de Bella Vista, o coronel fizera adotar uma ordem de marcha apropriada ao caráter da região e da guerra. Propusera ao mesmo tempo duas disposições de defensiva para duas hipóteses de planície, nua ou coberta de capões de mato, combinações muito simples que na prática foram-nos depois de muita vantagem, prevenindo toda e qualquer confusão no começo dos combates; pois, pode se dizer que as cargas de cavalaria foram em geral frouxas e pouco persistentes, deve-se supor que tinham apenas por fim avaliar a nossa resistência e que o primeiro momento de hesitação teria em todo o caso sido decisivo, acarretando-nos completo desbarato.

No caso pois, em que houvesse perto algum bosque, algum grupo de arvoredo ou alguma ribeira, devia-se convergir para esse amparo natural, apoiar aí as carretas de munições e de feridos e as bagagens e cobrir a testa por meio de uma curva formada com as quatro divisões da coluna, alternadas com cada uma das nossas quatro peças de artilharia.

Em campo aberto e sem abrigo, esses corpos igualmente alternados com os nossos canhões deviam formar quadrado em volta do nosso material; em todo o caso deviam ser avisados os comandantes acerca da formatura adotada para a ocasião por ajudantes de campo ou mensageiros mandados expressamente a isso.


Panorama Atual de uma das lagoas, apresenta um volume considerável de água por ocasião da estação das chuvas. No período da estiagem fica reduzida, conforme pode ser verificada em outras ilustrações. Imagem José Vicente Dalmolin.2012

b) Chegada a Invernada da Laguna e a nova mensagem escrita de advertência dada pelo comandante paraguaio

No dia 1º de Maio, depois de uma noite tranquila, a marcha recomeçou e continuou sem incidente até a fazenda da Laguna, o mesmo lugar que fora indicado peles nossos refugiados do Paraguai. Não restava então mais do que uma cabana de palha que o inimigo, retirando, esquecera-se de queimar. Ao chegarmos, vimos um dos nossos soldados dirigir-se para nós, trazendo na mão um papel que achara pregado com um espinho no tronco de uma macaubeira; era uma variante da primeira ameaça em verso dirigida ao comandante:

__ “Mal-aventurado o general que aqui vem procurar o túmulo, porque o leão do Paraguai rugirá, altivo e sanguinolento, contra o invasor”.

PARTE II – A busca frustrada pelo gado na invernada da Laguna
1) Na invernada da Laguna, a busca frustrada pelo gado

Uma esplanada, que dominava dilatada extensão do território, convidava o coronel a aí acampar; mas os refugiados fizeram ainda prevalecer a sua opinião de que se devia ir sem demora até ao próprio centro do estabelecimento onde o gado podia mais facilmente ser reunido e cercado. Conseguintemente resolveu-se continuar a marcha e fomos, sem que disso resultasse cousa alguma daquilo com que se contava, acampar a meia légua da cabana em um terreno de marne[1] nitroso, que formava um triângulo entre dois regatos que se reuniam antes de lançarem-se no Apa-mi e onde os rebanhos, por amor da qualidade salina do solo, vão geralmente concentrar-se na estação das grandes chuvas, o lugar é chamado – “Invernada da Laguna”.

O primeiro relance de olhos mostrou que aí tanto como em qualquer parte o Paraguai disputava-nos toda a alimentação; pois, apenas colocamos as nossas sentinelas avançadas, pudemos distinguir alguma distância um acampamento inimigo que reunira copiosa boiada e cavalhada que começavam a internar, enquanto as suas sentinelas avançadas ocupavam-se em vigiar os nossos movimentos, que podíamos fazer sem cavalaria?

Entretanto os dias 2 e 3 de maio foram empregados em várias tentativas para obter algum gado ou pelo menos surpreender algumas sentinelas de quem pudéssemos alcançar informações acerca do estado do interior da República; não o conseguimos. Quanto ao copioso rebanho que tínhamos avistado, desaparecera. Fizemos ainda algumas excursões em demanda de animais isolados pelos campos. Até este minguado recurso nos falhou. Só o Batalhão Nº. 21º no dia em que chegamos tivera a felicidade de trazer umas cinquenta cabeças, apesar dos cavaleiros inimigos que se não pouparam para arrancá-las. Nenhuma outra exploração deu resultado, posto que todos os corpos fossem mandados uns após outros.

Só o que ganhamos com esse penoso serviço foi que, levando sempre vantagem os nossos nos recontros parciais que então se deram, completou-se lhes a educação militar no fogo sem demasia de sacrifícios e assim ganharam dentro em breve confiança em si e nos chefes.
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Notas de Referências



[1] NE – Marne, do francês “Nom Verbe argile, calamite, kaolin, limon, pisé, poterie, engrais, amendement, apport, compost, fertilisant, fertilisation, fumier, fumure, guano, poudrette, purin, terreau, glaise, terre”. (Nome argila , calamites, caulim, , barro, cerâmica, fertilizantes, alteração, contribuição, adubo, estrume, chorume, o guano, migalha, esterco líquido, solo.) (http://www.dicionarioweb.com.br/frances/marne/ - acessado em 22.10.2016)
Algumas traduções da Obra trata por Marga – “Marga é o nome de uma rocha sedimentar, calcária, contendo de 35 à 60% de argila. Sua coloração varia de uma cor bem clara à cinzenta escura ou acastanhada. Apresenta também na sua composição calcite, dolomite e vestígios de quartzo e micas. Ocorre em depósitos sedimentares marinhos e lacustres. (http://www.dicionarioinformal.com.br , acessado em 21.10.2016)
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2) Em Laguna, a chegada do mercador italiano Miguel Saraco

No dia 4 vimos chegar ao acampamento um mercador italiano, Miguel Archangelo Saraco, que viera de Nioac seguindo-nos as pegadas com duas carretas de provisões; recurso mais que insignificante para nós. Passara o Apa e atravessara as três léguas e meia que dele nos separavam, acompanhado por um só camarada que o ajudava a conduzir as carretas. Não o deixara durante todo o trajeto extremo terror, mas a sua natureza de comediante amparara-o. 

Por uma fantasia calculada para dar-lhe coragem, rodeara-se, dizia-nos ele, de batalhões, imaginários, aos quais de tempos a tempos dava ordens em voz alta, simulando ao longe manobras; e referia, entre outras cenas desse gênero, que na passagem do Apa-mi, às dez horas da noite, e noite escura, mandara com toda a força de seus pulmões cruzar baionetas, ao ver uma moita à direita que lhe despertara receios. No meio da sua alegria por ter chegado e das suas emoções de todo o gênero, não esqueceu, todavia, a nova garantida, dizia-nos, da aproximação de longa fila de comboios aos quais precedia apenas e que rodavam pela estrada de Nioac ao Apa, apesar de todos os perigos de uma linha de mais de trinta léguas a percorrer, completamente descoberta.

3) Em Laguna, o desertor

Esta diversão cômica deve ser desculpada, no momento de passarmos a tratar de cenas daqui em diante sempre dolorosas. Essa mesma noite devia trazer motivo de séria inquietação; deu-se pela ausência de um soldado brasileiro do Batalhão de Voluntários[2]. Esse miserável, vicioso por natureza e quase idiota, tendo roubado a um dos camaradas, furtava-se ao castigo desertando e havia razão para recear que o comandante paraguaio tivesse dele as mais completas informações acerca da nossa falta de víveres e da colisão em que nos víamos de bater em retirada.
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Notas de Referências
[2] Batalhão de Voluntários da Pátria
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4) Em Laguna, as evidências de uma Retirada

Efetivamente o coronel tivera de dar ordens que tal necessidade exigia. Não sabemos se realmente a si próprio a dissimulava, como tentava fazê-lo aos olhos dos mais qualificando o movimento retrógrado de contramarcha sobre a fronteira do Apa, para aí ocupar solidamente uma fortaleza, antes de internasse mais pela república; mas ninguém se iludira, era uma retirada.

PARTE III – Ataque ao Acampamento paraguaio, 6 de maio de 1867
1) Em Laguna, a decisão em atacar o acampamento do Exército Paraguaio

Quis pelo menos cobri-la com algum brilhante feito de armas, pois empenhava-se por mostrar aos inimigos da pátria, assim como aos seus próprios inimigos que se voltávamos atrás, não era que a isso fossemos obrigados pela superioridade dos nossos adversários. 

Conhecendo a excelente disposição da nossa gente, resolveu tomar de assalto o acampamento paraguaio[3] e designou para a execução desse golpe de mão o Nº. 21º Batalhão de linha e o corpo desmontado de caçadores. Estava marcada para a ação a manhã do dia 5, ela porém só realizou-se um tanto mais tarde.
Panorama de acesso a Estancia Arroyo Primero nas proximidades onde estiveram as Forças Brasileira em maio de 1867. Imagem José Vicente Dalmolin
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Notas de Referências
[3] NE – Embora o autor não deixa em evidência o nome pelo qual os paraguaio chamarão o local deste acampamento, entretanto em consulta a mapas e literaturas encontramos as seguintes denominações: “Acarambebo”. “Islã Akãrabelo”. “Akân rabebo”. “Capão Acarebebe”. “Acanebebe
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2) Em Laguna, O temporal da noite

Foi motivo da demora haver-se desencadeado sobre o campo nessa mesma noite às 9 horas um horrível furacão.

Avalanches de chuva transformaram para logo o solo em pântano lamacento. Estes fenômenos terríveis não são raros no Paraguai, mas não viramos ainda outro semelhante.

Os relâmpagos que cruzavam-se incessantes, o raio que caia de todos os lados, o vento furioso que arrebatava tendas e barracas, formavam um chão ao horror do qual misturavam-se a espaços os tiros de espingarda das nossas sentinelas contra inimigos diabólicos que ainda então não cessavam de inquietar-nos; noite interminável em que tudo era para nós imagem de destruição, à mercê de todas as cóleras da natureza, sem abrigo nem refúgio, os soldados quase nus escorrendo água, mergulhados até a cintura em torrentes tão rápidas que podiam carregá-los e ainda assim ocupados em subtrair os cartuchos a umidade; a manhã encontrou-nos nessa posição.

No dia seguinte entretanto, antes dos primeiros albores do dia e apesar de renovar-se a tormenta nessa mesma noite, os dois corpos designados puseram-se em movimento.

3) Em Laguna, os comandantes José Thomaz Gonçalves e Pedro José Rufino

O comandante do Batalhão Nº. 21º era um major de comissão chamado José Thomaz Gonçalves, homem resoluto e empreendedor, popular além disso quer pelo seu mérito, quer pela estima que facilmente se consagra a uma fisionomia franca e simpática, o mesmo que devemos tornar a ver à testa da expedição depois da morte do coronel Camisão, conduzindo-a ao termo desejado.

O comandante do corpo de caçadores, um capitão de nome Pedro José Rufino, tinha grande reputação de bravura e não menor atividade. Se alguma cousa se devia recear era o excesso do ardor de ambos que podia comprometer a empresa e deitar assim a perder toda a coluna; foi pelo contrário o que facilitou o êxito de uma combinação a que o comandante ligava tanto apreço.

Não sabíamos com que força tinham de vir às mãos.
Vista Panorâmica atual da Invernada da Laguna , Estancia Arroyo Primero. Imagem adaptada por José Vicente Dalmolin. Imagem de Satélite. Google Earth Pro. 2017.

O Paraguai fornece ainda menos espiões que guias e não tínhamos podido fazer reconhecimentos por falta de cavalos. Nada viramos ou ouvíramos, ruído, pó ou fumo, que nos pudesse fazer presumir que tivessem recebido reforços, mas conhecíamos a sua habilidade em cobrir movimentos consideráveis de forças; por isso o coronel ordenou que os oficiais que comandavam a coluna de ataque não entrassem em ação sem que o corpo de voluntários estivesse em distância de sustenta-los e com efeito destacou a hora marcada este corpo com uma das peças do nosso parque na direção do acampamento inimigo.

Parte IV - Em Laguna, Paraguai, Combate de 6 de maio 1867, 

4) Em Laguna, enfim o ataque surpresa ao acampamento paraguaio, denominado Islã Akãrabelo - Isla Acârâbebó. Acarebebe, capão Akâraveve 

Àqueles, no entanto, depois de terem dado grandes voltas e atravessado perto de uma légua de pântano, acharam-se junto à posição dos paraguaios uma hora antes do nascer do sol, ainda noite e no maior silêncio.

Puderam reconhecer que a bateria inimiga fora colocada para defender a passagem do fosso. José Thomaz Gonçalves que na posição que ocupava, devia desde que o sol se levantasse sofrer o fogo do inimigo, viu que não tinha um momento a perder e mandou correr aos canhões à baioneta; resolução a que muito secundou a negligência do inimigo pois, de toda a cavalaria acumulada por traz do entrincheiramento não havia um só destacamento fora para cobrir-lhes as peças. Destarte a nossa infantaria à carreira chegou onde elas estavam, dando apenas tempo aos animais de tiro de no-las arrancar das mãos. 

A entrada do acampamento mal defendida contra a impetuosidade de semelhante surpresa, foi forçada em um instante; pois o capitão José Rufino com os seus caçadores tinha já entrado em ação e penetraram todos de roldão no recinto, levando e derribando[4] a porfia[5] quanto achavam adiante de si, em um espaço estreito onde oficiais e soldados, homens e cavalos não faziam mais que embaraçarem-se uns aos outros e tratavam menos de opor qualquer resistência que de ganharem pela fuga o campo. Tudo quanto não foi morto ou ferido, furtou-se ao perigo fugindo.

Estas boas notícias trazidas por um próprio, acharam-nos em cima de uma colina que domina a planície e para a qual dirigira-se o comandante com o seu estado maior para fazer entrar em fogo toda a sua gente, se assim fosse preciso. Avistávamos daí, através dos raios de um magnífico nascer do sol, os nossos soldados correndo embaixo pelo campo para o lugar do combate e ao longe os índios terenas e guaicurus que diziam terem-se mostrado auxiliares valentes no combate, recolhendo os despojos que carregavam aos ombros ou empregando nisso os cavalos paraguaios de que se haviam apoderado.

Os comandantes, depois de terem dado algum respiro aos seus soldados, não tendo ordem demais a mais de ocuparem a posição e vendo também que o coronel, informado da sua vitória, não deixava para marchar ao encontro deles, a eminência em que se conservara, supuseram que não lhes restava mais do que evacuarem o posto que acabavam de tomar e puseram-se em movimento para reunirem-se a nós. Mas nessa mesma ocasião os paraguaios, rápidos como cossacos[6], trouxeram a toda a brida[7] a sua artilharia, sustentada então por numerosa partida de cavalaria e abriram fogo sobre nós até que do nosso lado a nossa bateria inteira, posta em linha a tempo e dirigida pelos nossos melhores oficiais, fez calar a deles depois de algumas descargas. De resto o encarniçamento do inimigo patenteou-se nessa renovação de combate, em que um dos nossos derribado[8] por uma bala de canhão que levara-lhe todo o lado esquerdo, atraiu como abutres muitos cavaleiros que queriam arrastá-lo por meio de laços; conseguiram-no afinal, apesar da intrepidez do capitão Pisaflôres, que com a lança em punho procurou disputar-lhes o cadáver.

O pequeno número de vítimas que tivemos de lamentar, as perdas consideráveis dos paraguaios e a sua inferioridade na peleja em comparação conosco, demonstrada pelos próprios fatos, tinham acalmado o coronel e restituído o seu espírito a um sentimento mais justo:

__ “Estes selvagens, dizia ele, que assassinaram tanta gente e assolaram toda esta região quando estava indefesa, não dirão mais que os tememos; sabem que podemos fazê-los expiar dentro do seu próprio território todo o mal que nos têm feito. Vamos aguardar na fronteira algumas probabilidades de abastecer-nos e desfrutar de algum descanso que me não poderão exprobrar[9]”.
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Notas de Referências
[4] NE – Abatendo, arrasando, arruinando.
[5] NE -perseverança, persistência, empenho.
[6] NE – O autor emprega o termo no sentido de designar os paraguaios como cavaleiros guerreiros, destemidos. “Cossaco é um indivíduo do povo denominado Cossacos, que é um povo nativo das regiões do sudeste da Europa, principalmente da Ucrânia e do sul da Rússia. Os Cossacos são famosos pela sua coragem, bravura e capacidade militar, especialmente na arma de cavalaria. Sua importância militar era tão grande que o governo russo criou uma unidade militar formada somente por Cossacos”. (segundo, http://www.dicionarioinformal.com.br/cossaco/ - acessado em 23.10.2016)
[7] NE – Brida, francês bride. Rédeas. Parte do arreio de um cavalo, que compreende o freio e as rédeas. Rédea, tira de couro, o conjunto completo do freio.
[8] NE – Abatido, caído. 
[9] NE – Exprobrar, censurar; repreender; lançar; criticar; culpar.
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PARTE V - Transcrições de Documento número 16, 17, 18 Expedidos na Invernada da Laguna, República Paraguai, Combate de dia 6 de maio 1867
Vista Panorâmica atual da estrada entre a cidade de Bella Vista Norte, onde havia o Forte e a Invernada da Laguna , Estancia Arroyo Primero. Imagem adaptada por José Vicente Dalmolin. Imagem de Satélite. Google Earth Pro. 2017.

Documento 16
Relatório do Comandante do 21º Batalhão de Infantaria, Major Thomaz Gonçalves, Combate de 6 de maio

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor.

Recebendo ordem de V. Exc.ª para marchar à frente do Batalhão Nº 21º que tenho a honra de comandar, em companhia do Corpo de Caçadores a Cavalo, que trabalha a pé, e trinta Índios com o fim de atacar o inimigo em seu acampamento, que dista deste ponto mais de uma légua, assim cumpri. 

Marchando às duas e meia horas da madrugada, cheguei ao acampamento Paraguaio às cinco, onde os encontrei formados e prontos para o ataque. Ao aproximar-me tive aviso de que vinham na nossa retaguarda dois fortes Esquadrões de Cavalaria, pelo que disse ao valente e brioso Capitão Pedro José Rufino, comandante interino do primeiro Corpo de Caçadores a Cavalo, que, fazendo frente, guardasse a retaguarda para que eu avançasse sobre o acampamento; imediatamente o dito Corpo e a Quarta grande Divisão do Batalhão que era comandada pelo muito digno Capitão Luiz Martins de Carvalho, que fiz rodar a esquerda, por ter outro Esquadrão se aproximado por esse ponto, fizeram uma descarga que os pôs em debandada a galope, deixando no campo dois mortos. Estendendo-se esta Cavalaria pelo nosso flanco esquerdo, deixei o Corpo de Caçadores entretendo uns atiradores e avancei com o Batalhão em direção ao acampamento onde vi uma grande linha de Cavalaria e alguns Esquadrões formados.

Em distância de fuzilaria, mandei formar linha e fazer fogo por pelotões, respondendo o inimigo com dois tiros de Artilharia, ao que mandei formar coluna e seguir a marche-marche sobre a bateria; vendo o inimigo esta disposição, retirou-se precipitadamente, levando suas peças puxadas a cavalo, deixando assim o seu acampamento com mais de oitenta arreios, oito cavalos e três lanças, que trouxemos para o nosso, menos os arreios por falta de condução. 

Tendo o inimigo se formado em outra coxilha, continuei a avançar com o Batalhão, e estando em distância continuaram a nos fazer fogo de Artilharia, pelo que mandei novamente a Primeira Companhia, que era comandada pelo valente e distinto Alferes Manoel Climaco dos Santos Souza, que avançasse sobre a Artilharia e seguindo acelerado, recebeu esta Companhia uma descarga da Infantaria inimiga que se achava emboscada em um pequeno mato à direita, à vista do que mandei o Capitão da Guarda Nacional do Rio Grande do Sul Delfino Rodrigues de Almeida, que serve adido a este Batalhão, e que se achava a meu lado, que com a dita Companhia fiz esse frente para a direita contra o inimigo de infantaria, que se achava no mato, o que o mesmo capitão cumpria com a velocidade de um raio; não desmentindo o elevado conceito que faço deste oficial, experimentado já nas campanhas do Sul. 

Nesta ocasião seguiram também os Índios com o primeiro Sargento Antonio Augusto Fernandes Adão, fazendo grande mortandade na Infantaria que estava de emboscada. Tenho a ponderar a Vossa Excelência que este Sargento portou-se com a maior valentia possível, pois que, ainda depois de ferido, deu um tiro tão certeiro que derrubou um lanceiro, que com a sua própria lança, um Índio o acabou de matar. Neste mato ficaram mais de vinte inimigos mortos, tendo nós tão somente o dito Sargento e um Soldado feridos, tendo a Infantaria inimiga se retirado espavorida e em debandada pela costa do mato, reunir-se a Força que se achava no alto de uma eminência nos fazendo fogo de Artilharia, mandei o dito Capitão Delfino avançar com a primeira grande Divisão a tomar essa bateria, seguindo a marche-marche, e o Batalhão na retaguarda, retirou-se de novo aquela bateria e toda a Força que se achava em nossa frente para o flanco esquerdo, onde estava o Corpo de Caçadores a Cavalo que se aproximou do Batalhão, continuando o inimigo a fugir do alcance de nossas carabinas, por causa do prejuízo que lhe causávamos pela superioridade ele nossas armas. 

Vendo então a inutilidade de nossos repetidos esforços, como tinha ordem, tratei de regressar para o nosso acampamento, pois, que, nunca nos esperavam os Paraguaios, fugindo sempre a nossos primeiros tiros, vindo pelas coxilhas nos fazendo fogo de Artilharia, parando só quando Vossa Excelência à frente do Batalhão dezessete de Voluntárias da Pátria e de duas bocas de fogo, comandadas pelo distinto Major João Thomaz de Cantuaria, os obrigaram a pronta retirada de todos os pontos próximos. 

Cumpre-me informar a Vossa Excelência que o Batalhão vinte e um marchou com trezentos e sessenta e dois homens, o Corpo de Caçadores a Cavalo com cento e sessenta e cinco, trinta índios, e o ex-prisioneiro paisano José Francisco Lopes Junior, o qual nos serviu de guia na marcha, e portou-se sempre com muita galhardia. A força que o inimigo apresentou é superior a setecentos cavaleiros e a oitenta infantes, duas bocas de fogo que pela bala mostram ser de calibre três. Calculo que o inimigo perdeu mais. de oitenta homens mortos, tendo nós só de lamentar a perda, por uma bala de Artilharia, do bravo soldado da 6ª Companhia Porfirio Gonçalves Pinheiro. Todos os oficiais e praças que assistiram este ataque, são dignos de louvor pelo entusiasmo e coragem que apresentaram tendo a mencionar com especialidade o Capitão Mandante do Batalhão Diogo de Santa Rita Brito, que cumpriu satisfatoriamente o seu dever, com muito sangue frio e coragem; o Alferes Ajudante Manoel Ignacio Pinheiro da Guerra, que sempre esteve a meu lado e com muita presteza transmitia as minhas ordens com valor e sangue frio.

São também dignos de menção honrosa, além dos já falados, os seguintes: Tenentes de comissão Dionizio Pires da Motta, Eduardo Simão de Paiva e Adão da Cunha Knippel, Comandantes da segunda, terceira e sexta companhias, Alferes de comissão Bento Thomaz Gonçalves, comandante da quarta, Alferes Clementino Pereira Passos Cavalcante e Jorge Caetano de Souza Couceiros, comandantes da quinta e sétima companhias; e os Alferes, secretário que servia na fileira Joaquim Gonçalves Gomide, João Luiz do Prado Mineiro, Symphronio dos Santos Ribas, Joaquim Bonifacio Ferreira da Silva e Joaquim Alves das Neves, todos de comissão, pelo bem que se portaram; e bem assim, o Particular, segundo Sargento da sexta companhia Alfredo Laurentino Martins de Oliveira; Soldados da quinta Adão da Costa Val Verde, da segunda, José Ferreira, da sétima, Olegario Roque de Souza, que foram feridos. O 1º Cirurgião Doutor Manoel de Aragão Gesteira, fez o seu dever de médico militar por modo superior ao elogio, curando os feridos com extraordinário sangue frio, debaixo de fogo e animando pelo seu exemplo aos companheiros que o cercavam.

Os Índios Guaycurús e Terenas, desmentindo a opinião infundada que deles faz-se geralmente, portaram-se com muita coragem, tornando-se digno de consideração esse fato que eleva na opinião os aborígenes do Distrito de Miranda. Avançando a peito descoberto, desalojaram o inimigo de um bosquezinho, fazendo nele grande mortandade, seguindo sempre o exemplo que lhes dava a primeira companhia do meu Batalhão. 

Nas poucas horas que durou o ataque da Laguna, experimentei o meu Batalhão e achei-o na altura em que o Oficial deve ter o Soldado Brasileiro, sempre entusiasta e destemido. Os inimigos receberam uma lição proveitosa, ficando possuídos da convicção de que os Soldados da Força de Mato Grosso são dignos de ombrear-se com seus briosos irmãos do Sul.

Deus Guarde a Vossa Excelência.

Acampamento do Batalhão número vinte e um de Infantaria, no córrego da Invernada, na República do Paraguai, seis de maio de mil oitocentos e sessenta e sete. 

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Coronel Carlos de Moraes Camisão,
Comandante das Forças em Operações. 

José Thomaz Gonçalves, Major de Comissão Comandante interino.

2º Ten. Bel. Alfredo D’Escragnolle Taunay.
Secretário Militar.
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Documento 17
Relatório do Comandante do Corpo de Caçadores a Cavalo, Capitão Pedro José Rufino , Combate de 6 de maio de 1867

Ilmo. e Exmo. Sr. 

Tendo por ordem ele V. Exª. seguido na madrugada de ontem, com o corpo de meu interino comando, que se acha a pé por falta de cavalhada, e o Batalhão de Infantaria n.º 21º, comandado pelo brioso Major José Thomaz Gonçalves, para bater os inimigos, alojados distante do nosso acampamento pouco mais ou menos, digo, pouco mais de uma légua e tendo assim cumprido, passo a dar a V. Exª. conta de todo o ocorrido. 

Depois de uma marcha de duas léguas por caminhos e pantanais dificultosos, feita pelo flanco esquerdo do acampamento inimigo, com o intuito de surpreende-lo cheguei ao clarear do dia nas imediações daquele ponto. Antes de reconhecer sua posição uma força de cavalaria tentou contra a retaguarda do corpo, pelo que imediatamente mandei mudar de posição por conversão de meios esquadrões, e avançar todo corpo seguindo na frente o primeiro meio esquadrão em linha de atiradores, conseguindo-se depois de uma hora de vivo fogo dispersar o inimigo e impedi-lo de tomar qualquer posição, deixando no campo seis cadáveres. Logo depois segui a marche-marche a reunir-me ao Batalhão nº 21º que avançava sobre a artilharia assentada em uma eminência e contra a infantaria emboscada numa mata próxima.

Consegui ainda destroçar os inimigos completamente, ficando no campo cerca de vinte tantos cadáveres Paraguaios. O inimigo vendo que os dois corpos avançarão com arrogância, franqueou abandonando sua posição, e tratou logo de reunir suas bagagens, cavalhada, gado, etc., longe do alcance das armas de nossos valentes soldados, deixando em poder do Corpo seis cavalos tomados em combate, além de muitos objetos que deixaram em seu acampamento. 

De cento sessenta e seis bravos que combateram com tanta intrepidez durante três horas consecutivas não tenho a lamentar perda nem ferimento algum, ao passo que o inimigo teve fora de combate trinta e tantos homens entre mortos e feridos, só por parte do Corpo que tenho a honra de comandar. Todos os oficiais, que entraram em combate portaram-se com denodo, entre eles são dignos de menção especial o capitão Mandante Antonio Dias dos Santos, por dirigir sempre com coragem a ala esquerda. O Alferes Ajudante Manoel Rodrigues Benfica, por concorrer para rápida colocação das linhas de atiradores. O Alferes Quartel Mestre, servindo de Secretário, Domingos Marques Lopes Fogaça, sendo o comandante do primeiro esquadrão, foi o primeiro que avançou com ele em linha de atiradores e sustentou o fogo durante uma hora, conseguindo dispersar a força que tentava cortar a retaguarda do Corpo, e o capitão de Voluntários da Pátria Francisco Manoel da Costa Pereira, por haver salvado com o quarto meio esquadrão trinta Indígenas que me acompanharam.

No retirar, por ter concluído a missão de que fui incumbido por V. Exª., a cavalaria inimiga em diversos grupos tentou ainda atacar o meu Corpo, sendo logo repelida e derrotada. Meia légua antes do nosso acampamento encontrei-me com V. Exª. à frente de duas bocas de fogo guarnecidas pelo Batalhão de Voluntarias da Pátria nº 17º, que vinha proteger nossa retirada. 

Por essa ocasião cabe-me a honra de felicitar a V. Exª. 

Ilmo. e Exmo. Sr. Coronel Carlos de Moraes Camisão, 
Muito Digno Comandante das Forças.

Acampamento Volante do 1º Corpo de Caçadores a Cavalo, na Laguna, República do Paraguai, 7 de maio de 1867, 

Pedro José Rufino, 
Capitão Comandante interino.

2º Ten. Bel. Alfredo D’Escragnolle Taunay.
Secretário Militar.
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Original de Lobo Viana. A Epopeia da Laguna, 1938.


Documento 18
Relatório do Comandante do Corpo Provisório de Artilharia, Major de Comissão João Thomaz de Cantuaria, Combate de 6 de maio de 1867

Acampamento do Corpo Provisório de Artilharia no córrego da Invernada, território Paraguaio, seis de maio de mil oitocentos sessenta e sete.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor.

Tendo recebido ordem de V. Exª., que me foi transmitida pelo Sr. Capitão Assistente Antonio Florencio Pereira do Lago, para seguir a toda pressa com a Artilharia em proteção do Batalhão número vinte e um de Infantaria e do Corpo de Caçadores, acossados por fortes e ligeiros esquadrões inimigos e por Artilharia, corri com a segunda Bateria a dar pronto cumprimento a ordem de V. Exª. deixando a primeira e todo mais material ao comando do primeiro Tenente João Baptista Marques da Cruz.

A quase um quarto de légua do acampamento, tomei a posição indicada por V. Exª. e dando a direção daí terceira seção ao primeiro Tenente Napoleão Augusto Muniz Freire, e a da quarta ao segundo Tenente Cesario de Almeida Nobre de Gusmão, fiz lançar sobre o inimigo as nossas granadas, que para logo puseram em debandada seus esquadrões e fizeram calar suas baterias, que se retiraram arrastadas por vigorosos animais.

O inimigo, abandonando suas posições, reconheceu a superioridade de nossa Infantaria comandada pelos valentes Major de comissão José Thomaz Gonçalves e Capitão Pedro José Rufino, sobre sua cavalaria e a nulidade de sua artilharia. 

A V. Exª. que presenciou o ardor de nossos soldados, nada é preciso dizer para provar que as mais duras privações passadas em uma marcha de quase quatro centenas de léguas não puderam abater sua coragem que se exalta sempre aos viva a Nação Brasileira, viva Sua Majestade o Imperador.

Recomendo a V. Exª. o primeiro Tenente Napoleão Augusto Muniz Freire, o segundo Tenente Cesario de Almeida Nobre de Gusmão, que muito me auxiliaram no trabalho da segunda bateria, mostrando ambos, a par de toda atividade, muito sangue frio; e o primeiro Tenente João Baptista Marques da Cruz, que manteve-se no seu posto, entregando-me depois a bateria e todo material na melhor boa ordem.

Deus Guarde a V. Exª. Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor 

Coronel Carlos de Moraes Camisão, 
Digníssimo Comandante das Forças em Operações ao Norte da República do Paraguai.

João Thomaz de Cantuaria, 
Major de Comissão comandante.

2º Ten. Bel. Alfredo D’Escragnolle Taunay.
Secretário Militar.
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