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7 de maio de 2017

A CAMINHO DO APA, LAGUNA, PARAGUAI - 09 DE MACHORRA AO FORTE DE BELLA VISTA

CAPITULO VIII
AS FORÇA S EM OPERAÇÕES NO SUL DA PROVÍCIA DE MATO GROSSO
Deixando a Fazenda Machorra e ocupando o Forte de Bella Vista, no Paraguai 21 de abril a 30 de abril 1867
Desenho de Alfredo Maria Adriano d'Escragnolle Taunay
(Visconde de Taunay)
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PARTE I – A Marcha
1) Deixando a Fazenda da Machorra

No dia seguinte, 21 de abril, às oito horas da manhã, os clarins do quartel do comando deram o sinal para a marcha; era nada menos do que para atravessarmos a fronteira, entrarmos o território paraguaio e irmos atacar o forte de Bella Vista, que é desse lado a chave de toda a região. O alcance de semelhante ato sentiam-no todos e dobravam por isso de animação; cada qual vestira o seu melhor uniforme e as nossas antigas bandeiras ainda não consagradas por feito algum de guerra, haviam substituído novas, cujas cores vivas destacavam no formoso céu das campinas paraguaias.

a) Ao deixarmos a Machorra foi adotada a ordem compacta.

De ambos os lados da coluna e para facilitar-lhe o movimento, os atiradores que a flanqueavam batiam a macega, pois a natureza do terreno mudara. Já não era a relva curta e fresca dos prados que acabávamos de atravessar. O terreno estava coberto dessa perigosa gramínea que cresce até a altura de um homem, de haste rija e folhas cortantes, que torna a marcha tão penosa em muitos lugares do Paraguai.

Fomos passar o Apa defronte de Bella Vista. O Batalhão de Infantaria de Goiás Nº. 20º formava a vanguarda sob as ordens do capitão Ferreira de Paiva; mas ainda na frente dos seus atiradores comandados por um moço e valente oficial chamado Miro, destinado também a uma morte próxima, via-se o velho Lopes adiantar-se, montado em um formoso cavalo baio, dos que o filho e os nossos outros refugiados haviam tirado aos paraguaios.

Estava no auge da alegria, o olhar como o de uma ave de rapina fito sobre Bella Vista que começávamos a avistar.

De improviso, no momento em que com o tenente-coronel Juvêncio e Catão, íamos ter com ele, o guia Lopes, anuviou-se lhe a fronte:

__ “A perdiz, disse-nos, voa do ninho e não nos quer deixar os ovos”; apontava ao mesmo tempo para a tênue fumaça que erguia-se no ar:

__ “São, acrescentou, as casas de Bella Vista a que puseram fogo”.
 Original de Lobo Viana. A Epopeia da Laguna, 1938.

A notícia foi levada ao coronel que, advertido também por um sinal do ajudante Porfirio do Batalhão da frente, mandou acelerar a marcha. Começamos a correr; a linha de atiradores do Nº. 20 precipitava-se para o rio. Mas, antes deles, nele se atirara o pequeno grupo no meio do qual estava o guia, sem que os inimigos, com grande admiração nossa, dessem demonstração de nos disputarem a passagem; afastavam-se do rio Apa, como se haviam afastado da Machorra e iam parar a grande distância na campina, imóveis à cavalo.

b) Os onze a pisar no solo Paraguaio de Bella Vista

Tínhamos pois a felicidade de ser os primeiros a passar a fronteira, a atingir a margem esquerda do Apa, a sentir sob os pés o solo paraguaio! Em memória desse júbilo profundo e da emoção patriótica de que estávamos possuídos, seja-nos permitido nomear quantos se achavam nesse logar. Não se trata aqui de glória, mas de acaso propício; éramos onze; o guia, o filho e o genro; dois viajantes, Loureiro e Rezende Vieira; um belga, hábil operário mecânico, Francisco Vandervort; três guardas nacionais, Bento José Rodrigues, Hippolyto Ferreira e Felizardo Correia; enfim os tenentes Catão e Escragnolle Taunay, membros da comissão de engenheiros.

Passado o rio, levamos apenas um momento a subir uma eminência que tínhamos em nossa frente e que mostrou-nos perto a fortaleza e a povoação; as construções estavam em chamas. Alguns paraguaios erravam[1] ainda a pé no interior e nas cercanias do forte, detidos pelo pesar da presa que nos deixavam e pelo furor que os impelia a arruinar tudo. Outros a cavalo em maior número retiravam desordenadamente.

O nosso guia Lopes pôs-se a afrontá-los com assobios e apostrofes de desdém, de que era difícil não rir. Teriam podido voltar contra nós; e esses vigorosos cavaleiros nas suas possantes cavalgaduras, com os seus pesados sabres, facilmente se vingariam de nós, em pequeno número, mal montados e mal armados como estávamos; mas nem pensávamos nisso e Lopes muito menos. O intrépido velho havia-nos quase sempre precedido na nossa carreira a galope, por mais esforços que envidássemos; dobrava a cada momento de rapidez, pensando na mulher duas vezes presa e levada como escrava ao Paraguai, em todos os seus, nos amigos, nos companheiros como ela prisioneiros; e mil recordações de atrocidades antigas e recentes acendiam nele violenta sede de vingança.

No entanto, também nós, os dois engenheiros, tínhamos poderoso motivo de excitação e de ardor nessa conjuntura, não por queixas particulares contra os paraguaios, mas por questão com os nossos próprios amigos e camaradas. Algumas palavras pronunciadas com referência a nós no conselho de guerra, em que discutimos a conveniência da invasão, tinham-nos ficado presentes e queríamos dar-lhes solene desmentido, mostrando-nos sempre em primeiro lugar na ação, cuja imprudência tínhamos demonstrado e censurado bem alto.

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Notas de Referências

[1] NE - Andar de um lado para outro sem destino; vaguear: errar por esse mundo afora.
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PARTE II – Ação no Forte de Bella Vista, Paraguai
a) A instalação das Forças em Operações no Forte de Bella Vista

Uma vez efetuada a passagem pelo corpo de exército, o forte, que apenas consistia em um sólido palanque de madeira, foi ocupado assim como a povoação por numeroso destacamento; e a linha de atiradores do Nº. 20º Batalhão, tornando a formar-se sobre a linha esquerda, pôs-se em movimento para ir atacar os paraguaios que tinham feito alto. Vimos então que tinham arvorado um pano branco e os dois engenheiros adiante de todos dirigiram-se para eles, fazendo flutuar os seus lenços, Catão agitando o seu na ponta da espada enquanto avançávamos, mas não tardou que notássemos que eles afastavam-se insensivelmente e que o seu desígnio era sem dúvida atrair-nos algum bosque onde nos fariam pagar caro o nosso excesso de confiança em sua lealdade, depois de havermos passado a sua fronteira e tomado o seu forte; soubemos depois que esse era o seu intuito na necessidade em que julgavam estar de fazer algumas vítimas afim de colorir ao menos a retirada em demasia precipitada para que não lhe pudessem exprobar[2], fossem quais fossem as ordens que tivessem recebido.

Rio Apa e o Fuerte de Bella Vista
Desenho avulso, encartado no Álbum Viagem pitoresca a Mato Grosso, em papel de maior gramatura e de coloração mais clara do que as folhas do álbum. As dimensões do suporte são também ligeiramente menores. Sem assinatura. Título abaixo do desenho, na margem inferior do papel, a grafite. Anotação no verso do papel, no quadrante superior esquerdo, a nanquim azul , em 5 linhas: "Croquis tomado em combate / pelo Visconde de Taunay / 21 de abril de 1867 / O Rio Apa e o forte de / Bella Vista".
Alfredo Maria Adriano d'Escragnolle Taunay
Original da http://ihf19.org.br
Instituto Hercule Florence. 20/04/2017

Assim passou-se o dia 21 de abril; os dois seguintes foram consagrados ao repouso e ao conselho. O corpo de exército deixara a fronteira e fora acampar ao sul da fortaleza, apoiando nela a ala direita e a esquerda na mata do rio. Havia no acampamento abundância de víveres frescos; tínhamos deles a maior necessidade e a nossa gente gozava assim dos últimos momentos propícios que a fortuna nos deixava.
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Notas de Referências

[2] NE – Condenar; não concordar com; censurar ou repreender.
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b) Uma denominação para o Corpo de Exército

O nosso chefe parecia mais sereno que de costume, mostrava-se confiante. Começou a qualificar a coluna expedicionária com o título de — Forças em Operações no Norte do Paraguay — e todos os seus ofícios, como a exemplo seu todas as nossas cartas para Mato Grosso, Goiás e Rio de Janeiro (confiadas a Loureiro que então despediu-se de nós) tinham no sobrescrito — Para o império do Brasil.

Entretanto, do alto da eminência da Bella Vista viam-se os cavaleiros inimigos de sentinela durante o dia ao pé de uma alta palmeira, das que se chamam buritis e à noite alguns havia que aproximavam-se ainda mais do acampamento.

c) A busca por gado para alimentação

Essa vigilância contínua incomodava-nos tanto mais quanto tinha também em vista o gado dos campos que não cessavam de ir afastando, sempre que as nossas avançadas pareciam querer aproximar-se dele e a nossa inquietação acerca deste ponto era necessariamente muito séria. Os refugiados tinham-nos exagerado a facilidade de abastecer-nos nessas pastagens; nada víamos do que nos tinham prometido e até dois dias depois de ocuparmos Bella Vista, o coronel, tendo mandado sair exploradores, protegidos pelo Nº. 21º Batalhão, os quais foram a mais de légua de distância, nenhum resultado obteve, ficaram todos convencidos de que por então nada havia a esperar de semelhantes tentativas.

Os paraguaios tinham, é verdade, desaparecido ao passarem os nossos, mas voltaram logo no dia seguinte a ocupar o posto ao pé da palmeira.

A presença deles era quase insultuosa. Pudéramos livrar-nos deles atirando-lhes algumas granadas; estávamos quase a recorrer a esse meio, quando outra ideia, meteu-se de permeio, inclinando para outra parte o ânimo do comandante:

d) Conferenciando, trocando mensagem com as forças paraguaias

__ “Não teriam eles alguma vontade de entrar em conferência conosco”?

Neste pressuposto, fez seguir escoltado pelo Nº. 20º Batalhão um oficial parlamentário, levando uma proclamação escrita em espanhol, em português e em francês, a qual foi deixada presa a uma bandeira branca que foi plantada no chão a légua e meia do acampamento. Essa proclamação era assim concebida:

“Aos paraguaios:

A expedição brasileira fala-vos como amigos. O seu intuito não é levar a devastação, a miséria e as lágrimas ao vosso território. A invasão do Norte, bem como a do Sul da vossa república, não tem outro fim mais do que reagir contra uma injusta agressão de nacionalidade.

Será bom que algum dos vossos oficiais venha entender-se conosco. Poderá retirar-se apenas quiser; a simples manifestação do seu desejo será bastante. O comandante da expedição jura pela sua honra, pela santa religião que ambos os povos professam, que há inteira segurança para o homem generoso que depositar confiança em nós. Disparamos tiros de peça como inimigos.

Agora queremos entender-nos como podendo e devendo, tornar-nos amigos, apresentai-vos com esta bandeira branca na mão e sereis recebidos com todas as atenções que umas as outras devem as nações civilizadas, ainda estando em guerra”.

A resposta, que foi encontrada no dia seguinte, estava escrita em um papel preso a uma varinha e era do teor seguinte:

“Ao comandante da expedição brasileira:

Os oficiais das forças paraguaias estão sempre prontos para todas as comunicações que lhes quiserem fazer, mas no estado de guerra aberta, qual existe entre o império e a república, só com a espada na mão podemos tratar convosco. Os vossos tiros de peça não nos alcançam e quando tivermos ordem de fazê-los calar, há no Paraguai terreno de sobra para as manobras dos exércitos republicanos”.

A letra era de mão firme e corrente. O selo da República ai estava aposto; barrete frígio[3] por sobre leão passante.


As formas empregadas nesta resposta atestavam certo grau de cultura intelectual e de boa educação, mas veio também o insulto. O comandante recebeu uma folha de couro na qual estavam gravados versos, mais grosseiros ainda que ingênuos, os quais diziam:

“Anda, cabeça pelada,
Mal-aventurado o general que vem por si mesmo procurar o túmulo.

Tinham ai acrescentado:
Os brasileiros supõem ir assistir às festas na Concepción.
Os nossos ai os esperam com baionetas e chumbo”.

Eram bravatas sem alcance e que nada tinham de sério, mas o que o era incontestavelmente, viam-no todos, era a impossibilidade de nos abastecermos, o Batalhão Nº. 21º mandado de novo no dia 27 para reunir e trazer gado, não o conseguira e embora tivesse a felicidade de não perder pessoa alguma em várias escaramuças de cavalaria, voltava com a triste certeza de que a região estava para conosco em disposições completamente negativas e hostis.

O comandante tomou conseguintemente a resolução de conservar-se momentaneamente em Bella Vista e em ordem expedida pelo viajante Joaquim Augusto que nos deixava, determinou que lhe enviassem de Nioac munições, víveres, os objetos pertencentes aos soldados e os arquivos da coluna. Advertira aos oficiais de que deviam pela sua parte mandar vir o que lhes fosse necessário para ali demorarem-se algum tempo.
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Notas de Referências

[3] Barrete Frígio, também denominado barrete da liberdade. Em estudos da heráldica, são os símbolos da nação, do estado, município, eclesiástica, de família. O Barrete Frígio ou barrete da liberdade é uma espécie de touca ou carapuça, que era originariamente utilizada pelos moradores da Frígia, uma antiga região da Ásia Menor, onde hoje está situada a Turquia. Por ser símbolo da República e da liberdade, é uma peça que aparece em destaque em muitos brasões de armas e bandeiras de nações, no caso específico o destacado pelo Autor Taunay, refere-se ao Brasão da Bandeira da República do Paraguai.
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e) Ao Forte de Rinconada

Nesse mesmo dia o alferes Pacheco de Almeida voltou de uma, comissão arriscada. Fora incumbido de reconhecer o estado do forte de Rinconada[4], a sete léguas de Bella Vista e levara-o a efeito com mais felicidade do que era de esperar. Com trinta índios que lhe tinham dado, acercara-se da fortaleza e tendo reconhecido ao penetrar nela que estava abandonada, incendiara lhe as paliçadas[5], destruíra quanto nela encontrara e trazia os seus índios muito contentes carregados de despojos.

Mas a falta de gado tornava já a própria posição de Bella Vista insustentável; pois começava a ser insuficiente a distribuição de víveres. Era preciso de um momento para outro ou marchar para diante na esperança de bater o inimigo que não podia deixar de ser pouco numeroso em nossa frente, visto que a guerra ao sul da república para lá devia chamar a maior parte das suas forças, (e então, depois de uma ação favorável, achariam os nossos destacamentos mais fácil presa no gado errante pelas campinas), ou então retrogradar para distritos da fronteira menos desprovidos de recursos.
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Notas de Referências
[4] Machorra, Bella Vista, Santa Margarita, Riconada constituíam se em antigas posições paraguaias de acordo com as informações registradas por Taunay, de uma linha de pequenas fortificações defendendo o curso do Rio Apa, tendo este como referência a linha limite nesta época para esta região, até a sua foz na margem esquerda do rio Paraguai.
Do ponto de vista da estratégia de soberania da República do Paraguai era uma maneira de assenhorar-se da posse territorial. Não muito diferente fizera da Parte do Governo brasileiro com a criação e instalação de fortes, presídios e Colônias Militares. Corumbá, Coimbra, Miranda, Nioaque, Dourados, Colônia de Miranda. Consultar o mapa para verificar a localização da Guarnição de Riconada.
[5] Uma paliçada, em arquitetura militar, constitui-se numa obra exterior de defesa, constituída por um conjunto de estacas de madeira fincadas verticalmente no terreno, ligadas entre si, de modo a formarem uma estrutura firme. https://pt.wikipedia.org/. janeiro 2017.
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PARTE III
a) As reminiscências e perturbações do comandante Coronel Camisão

Semelhante alternativa, semelhante opção, tirou todo o repouso ao nosso comandante; as suas agitações de espírito tornaram-se visivelmente violentas. Pôs-se de novo a imaginar a calúnia lavrando contra ele em toda a província de Mato Grosso e principalmente na capital e falando consigo mesmo, com exclamações que tentava embalde refrear:

__ “Atassalham-me[6] por toda a parte, murmurava, dizem a quem quer ouvir que ainda não tivemos encontro sério com o inimigo e apostam que nunca o teremos”.
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Notas de Referências
[6] NE – Dilacerar; espedaçar; criticar; humilhar.
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b) Surge a ideia de avançar até a “Hacienda Laguna”, “Invernada da Laguna” em território Paraguaio

No meio dessa perturbação e em falta de dados admissíveis para assentar em alguma cousa, os refugiados, consultados indiretamente, tornaram a falar, com mais vantagem do que até aí, em uma fazenda chamada Laguna, cerca de quatro léguas de Bella Vista, pertencente aos domínios do presidente da república e destinada a criação de “gado”; ai depararíamos, asseguravam, grandes manadas, posição segura e excelente base de operações. E como esta sugestão parecia não desagradar ao coronel, vários oficiais que o rodeavam e a quem ele parecia consultar, entregando-se ao seu entusiasmo:

__ “E porque, exclamavam, não havemos de ir até a Concepción como a isso nos desafiam? Viríamos até aqui para recuarmos ? Desde que seja possível contar com um quarto de ração, não haverá um só dos nossos que hesite um momento em seguir a seus chefes e que não deseje tentar com eles a fortuna do Brasil?

À frente dos mais entusiastas via-se o capitão Pereira do Lago, oficial tão ousado quanto positivo e obstinado, com uma coragem que exalta-se facilmente e nunca mais desce do nível a que uma vez sobe. Cabe-lhe certamente o maior quinhão nas nossas temeridades; mas também mais tarde soube sempre, nas jornadas mais difíceis da nossa retirada, fazer frente a todas as necessidades do momento com a sua atividade, com a sua poderosa iniciativa e com a perspicácia do seu lance de vista, grandes dotes ainda demais a mais realçados pela sua amenidade, lhaneza[7] e simplicidade de caráter.

Há muito conhecíamos quanto se pode esperar dele.

Mais de um ano antes, quando o desventurado general Galvão viu-se em risco de morrer de fome com toda a sua gente no Cochim, incumbiu a comissão de engenheiros de mandar reconhecer as passagens para o sul, os perigos de uma comissão em que tratava-se de caminhar para a frente, sem guia, através das planícies, inundadas que nos cercavam eram tais e tão evidentes que os engenheiros, com autorização do seu chefe, confiaram a sorte o apontar entre eles os dois oficiais que assim deviam arriscar-se. O primeiro nome designado foi o de Taunay , a única probabilidade de salvação para ele em semelhante incumbência era ter por companheiro de sorte o capitão Lago e felizmente o segundo bilhete que saiu tinha o nome deste. A satisfação foi geral, homenagem espontânea prestada ao mérito em uma dessas ocasiões em que só a verdade se manifesta.
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Notas de Referências

[7] NE – Franqueza; afabilidade.
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PARTE IV
a) Transcrições de Documento número 11, 12, 13, 14, 15 Expedidos na marcha entre Fazenda Machorra Império Brasil e o Forte de Bella Vista República Paraguai

Documento 11
Relatório do Comandante do 20º Batalhão de Infantaria, Capitão Joaquim Ferreira de Paiva, sobre a ocupação do Forte de Bella Vista

Acampamento do Batalhão Nº 20º de Infantaria nas ruínas do Forte da Bella Vista, na República do Paraguai, 21 de abril de 1867.

Ilmo. e Exmo. Sr.

Tenho a honra de participar a V. Ex.ª que marchando o Batalhão de meu interino comando na vanguarda, da Machorra, lugar onde no dia anterior haviam acampado estas Forças, depois de meia légua de marcha avistei a um quarto uma partida de Cavalaria inimiga que eu calculei no número de 60 homens pouco mais ou menos, cuja partida se retirava á proporção que os exploradores e o Batalhão avançavam o que comuniquei a V. Ex.ª por intermédio do Ajudante do Batalhão.

E continuando a marcha recebi aviso dos exploradores que os inimigos haviam lançado fogo a todos os edifícios e casas do Forte, o que também fiz chegar ao conhecimento de V. Ex.ª imediatamente, e achando-se nessa ocasião comigo o Ilustríssimo Sr. Tenente Coronel Chefe da Comissão de Engenheiros e dois de seus Ajudantes, estes Srs. Oficiais adiantaram-se com os exploradores e o piquete avançando para este ponto, e momentos depois voltou o Chefe dos Engenheiros com um dos seus Ajudantes e participando-me o ocorrido na frente, avancei com o Batalhão a marche-marche para a margem direita do Apa.

E ali chegando, tomei posição com o Batalhão e mandei a 1ª Companhia dar, a uma descarga sobre a passagem e os inimigos que ainda se achavam lançando fogo nos edifícios restantes do referido Forte, o que resultou a debandada precipitada e retirada deles. Aí fiz alto com o Batalhão e fiz passar para o outro lado do rio os exploradores com o piquete avançado e aguardei as ordens de V. Ex.ª .

E momentos depois, chegando V. Ex.ª ordenou-me que passasse com o Batalhão, o que fiz, explorando além deste Forte até a distância de meia légua sem poder tirar proveito por se retirarem os inimigos em fuga precipitada de que V. Ex.ª foi testemunha ocular, à vista do que ordenou-me V. Ex.ª a retirada para este Forte aonde nos achamos acampados.

Cumpre-me também fazer chegar ao conhecimento de V. Ex.ª que o comportamento e entusiasmo de todos os Oficiais e praças do Batalhão de meu interino Comando são dignos de todos os elogios.

Por ocasião da nossa chegada à margem direita do Apa, em frente do Forte e depois de estarem em debandada completa os inimigos, rompeu-se os vivas à Sua Majestade O Imperador e a este Batalhão, o primeiro que pisou o solo da República Paraguaia e flutuou o pavilhão nacional, pelo o Ilmo. e Exmo. Sr. Tenente Coronel Chefe ela Comissão de Engenheiros, e em seguida dei eu os vivas a chegada de V. Ex.ª o que foi correspondido por V. Ex.ª dando vivas à Sua Majestade O Imperador, a Integridade do Império e às Forças em Operações.

Ilmo. e Exmo. Sr.
Coronel Carlos de Moraes Camisão, D. Comandante das Forças.

Joaquim Ferreira de Paiva,
Capitão Comandante Interino.

O Alferes Amaro Francisco de Moura.
Secretário Militar.
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Documento 12
Relatório do Comandante das Forças Coronel Camisão sobre a ocupação do Forte de Bella Vista

Quartel do Comando das Forças em Operações ao Norte da República do Paraguai, Acampamento no Forte de Bella Vista, 26 de abril de 1867.

Ilmo. e Exmo. Sr.

Em aditamento ao ofício que em data de 23 do corrente dirigi a V. Ex.ª participo que foi encontrado entre as ruínas das casas, que à nossa chegada a este Forte ainda ardiam, um mapa demonstrativo da força de 33 homens, o qual concorda não só com a parte cuja cópia inclusa remeto a V. Ex.ª como com os indícios de ter este ponto recebido reforço, pelos ranchos novos e em construção que os Paraguaios estavam levantando.

O Forte de Bella-Vista consiste num quadrilátero de paus-a-pique formando um palanque respeitável, com baluartes circulares em dois cantos, e quatro canhoneiras para bocas de fogo de pequeno calibre.

Existem na área circunscrita pela paliçada várias casas bem construídas, sendo a do comandante do forte de data muito recente; pois que os Brasileiros ultimamente fugidos da Villa de Conceição e que por este ponto haviam passado em agosto do ano próximo findo, não a conheciam. É ela caiada e apresenta bons cômodos.

Os Paraguaios atearam fogo as suas propriedades na última extremidade.

Tão pouco contavam eles com uma invasão por este lado, que haviam derrubado em dois pontos da paliçada boa porção de paus para construírem diversas casas.

Ao redor do Forte que assenta sobre uma chapadinha, existem várias ranchos e casas com currais, casa de curtume, etc., rodeados de plantações de canas e mandiocas em muito bom estado, e que têm servido para introduzir fartura entre a nossa soldadesca.

O mau tempo e a procura de gado me retém presentemente neste Forte, diante do qual se conservam ainda os cavaleiros que se acham de observação para conhecerem o movimento destas Forças, como já tive a honra de comunicar.

Deus Guarde a V. Ex.ª.

Ilmo. e Exmo. Sr. Tenente Coronel Albano de Souza Ozorio,
Vice-Presidente da Província de Matto-Grosso.

Carlos de Moraes Camisão, Coronel Comandante.
___________

Documento 13
Proclamação da Ordem do Dia as tropas pelo Comandante das Forças Coronel Camisão sobre a ocupação do Forte de Bella Vista

Quartel do Comando das Forças em Operações ao Norte da República do Paraguai, Acampamento no Forte de Bella Vista, 22 de abril de 1867.

Ordem do Dia Nº 20

O programa que apresentei às Forças, ao partir da Colônia de Miranda, acha-se concluído em toda a sua brilhante plenitude. O inimigo fugia aos primeiros passos da briosa força brasileira e nos abandonou seus entrincheiramentos, incendiando as suas propriedades e devastando brutalmente o trabalho de longos anos.

O conflito em que devia patentear-se a coragem que é própria do soldado brasileiro, não se deu. Bastou a simples demonstração de sua placidez e energia.

Deus, em sua Resplandecente Justiça, permitiu a completa reação da injusta invasão do Distrito de Miranda, tocando-nos a glória imensa de executa-la em todo o seu elastério.

Orgulhoso por me achar à testa de tão distinta expedição, louvo em extremo, nesta ocasião, aos empregados do Quartel deste Comando, Srs. Engenheiros, Médicos, Oficial Pagador, Comandantes dos Corpos de Caçadores à Cavalo, Provisório de Artilharia, dos Batalhões Nºs. 17º, 20º e 21º, todos os Srs. Oficiais e Praças pelo entusiasmo no desejo de encontrar o inimigo e alegria ao marchar ao seu encontro, que se manifestaram em todas as ocasiões, desde a saída de Miranda, não só nos Corpos que formavam a vanguarda, os quais desenvolveram muita atividade e vigilância, como nos demais, o que patenteou-se na passagem do Rio Apa, a qual, apesar de seu péssimo vau foi em poucos minutos transposto, ainda mesmo pela Artilharia, cujo trem pesado faria crer em longa demora, dando-se o mesmo com o cartuxame.

Ainda merece os meus elogios o bravo e denodado guia destas Forças, José Francisco Lopes, o qual, impelido pelos sentimentos de pai e cidadão, pois tem a sua família prisioneira nesta República, nunca se esquivou a trabalhos e perigos, assim como os mais paisanos e fugitivos que ora me acompanham.

Carlos de Moraes Camisão, Coronel Comandante.

O Alferes Amaro Francisco de Moura.
Secretário Militar.
___________

Documento 14
Relatório do Comandante do 21º Batalhão de Infantaria, Major Gonçalves sobe o reconhecimento e exploração nos arredores do Forte de Bella Vista

Major de Comissão Comandante interino, José Thomaz Gonçalves

Ilmo. e Exmo. Sr.

Em cumprimento a ordem recebida, tenho a honra de comunicar a V. Ex.ª que, saindo do Forte da Bella Vista à frente do Batalhão de Infantaria Nº 21º do meu interino Comando, dirigi-me ao encalço do inimigo que se avistava no alto de uma eminência, procurando observar a Força que se achava acampada na margem esquerda do Apa.

Ao aproximar de nossos soldados, como sempre, desapareceram os cavaleiros apressadamente, deixando arreios e várias objetos pelo caminho, onde estavam bem impressos os trilhos de dois carros de carretas de artilharia, os quais se dirigiam para a Conceição.

Como sempre, o procedimento do Batalhão correspondeu a expectativa minha, os soldados suportaram com gosto o marche-marche durante longo tempo, reinando o maior entusiasmo e alegria; apenas se supõe que os inimigos nos queiram fazer frente, como V. Ex.ª tem por várias vezes presenciado. Entretanto, sem termos esta prova, que todos desejavam ardentemente, voltei depois de caminhar uma légua, chegando às quatro horas da tarde a este acampamento.

Deus Guarde a V. Ex.ª

Acampamento do Batalhão de Infantaria Nº 21º, na Bella Vista, República do Paraguai, 22 de Abril de 1867.

Ilmo. e Exmo. Sr.

Carlos de Moraes Camisão,
Comandante das Forças em Operações.

José Thomaz Gonçalves,
Major de Comissão Comandante interino.

O Alferes Amaro Francisco de Moura.
Secretário Militar.
___________

Documento 15
Relatório do Comandante do 17º Batalhão de Voluntários da Pátria, TC Enéas Galvão sobre o reconhecimento e exploração nos arredores do Forte de Bella Vista e buscando contato com as tropas paraguaias

Parte do Tenente Coronel em Comissão Antonio Enéas Gustavo Galvão, Comandante do Batalhão Dezessete de Voluntários da Pátria

Número vinte e quatro.

Quartel do Comando do Batalhão dezessete de Voluntários da Pátria, no Forte de Bella-Vista, República do Paraguai, vinte e quatro de abril de mil oitocentos e sessenta e sete.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor.

Ordenando-me Vossa Excelência para fazer com o Batalhão dezessete de meu comando, um reconhecimento pelos acampamentos da Força inimiga que se retirou deste Forte, e bem assim, por meios persuasivos ver se os cavaleiros inimigos, que têm constantemente acampado e colocado suas sentinelas em frente aos postos avançados desta Força, se resolvem a entregarem-se pela impossibilidade de os apreender pela falta absoluta de cavalaria.

Cumpre-me participar a Vossa Excelência que tendo às dez horas do dia transposto os postos avançados, fui logo encontrando vestígios de carros de artilharia, gente a pé, cavalhada e boiada, e depois de uma hora de marcha visitei um acampamento que pela Bandeira e profundidade calculei ser de trezentas a quatrocentas praças, o que combina com o mapa da força existente neste forte, que foi encontrado, tendo estado em poder de Vossa Excelência, como estou informado.

Enquanto a Artilharia, pelos sulcos das rodas depreendo serem três bocas de fogo; e tendo consultado nesta ocasião sobre a cavalhada e boiada aos prisioneiros brasileiros que se evadiram da Villa ela Conceição, e que iam comigo parece campearem gado, como homens práticos declararam-me ter o inimigo, levado consigo cerca de oitocentos Cavalos, não podendo precisar o número de rezes.

No fim de uma légua encontrei uma ponte sobre um ribeirão, a qual tendo sido demolida ontem, com custo deu-me passagem para a Infantaria, vendo-me forçado a mandar os animais dos oficiais a nado, e deste ponto a meia légua encontrei uma res carneada de fresco, fogo e um pequeno caldeirão, retirando-se nesta ocasião os referidos cavaleiros, os quais, sendo vistos a pouca distância deste lugar mandei fazer alto o Batalhão, e esforcei-me de os chamar com a bandeira branca que Vossa Excelência me havia dado, porém, não anuindo eles ao meu chamado, passei a cumprir a ordem de Vossa Excelência, fincando a bandeira no chão, e deixando ao lado dela duas proclamações, uma em português e outra em espanhol, e retirando-me com o Batalhão, coloquei duas mais em sítios que, com facilidade, devem ter sido vistas.

É o que me cumpre comunicar a Vossa Excelência. Deus Guarde a Vossa Excelência.

Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Coronel Carlos de Moraes Camisão,
Comandante em Chefe destas Forças em Operações.

Antonio Enéas Gustavo Galvão - Tenente Coronel em Comissão Comandante.

O Alferes Amaro Francisco de Moura.
Secretário Militar.
___________

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