CAPÍTULO II
AS FORÇAS EM OPERAÇÕES NO SUL DA PROVÍNCIA DE MATO GROSSO
____________
AS FORÇAS EM OPERAÇÕES NO SUL DA PROVÍNCIA DE MATO GROSSO
Parte 2 - Deslocando de Miranda à Nioac 11 a 24 de janeiro 1867
FOZ DO RIO NIOAQUE NO MIRANDA
Conhecido por Forquilha
Próximo ao Rodovia MS-345 Bonito à Anastácio
Imagem Adaptada Google Earth Pro 2017
A 11 a força pôs-se em movimento e pela primeira vez as praças de artilharia montada, puxadas por bois, acompanharam a marcha da infantaria.
Os diferentes corpos saíram da povoação de Miranda completamente fardados, armados e providos de munições.
Livres, pressentiam-no, das privações a que tinham sido submetidos, altivos com o sentimento de disciplina que os fizera tudo atravessar adestrando-se cada vez mais ao manejo das armas, o que esses homens pediam era um clima salubre que acabasse de restara-lhes as forças e os pusesse em estado de operar, iam deparar esse auxílio em Nioac[1].
A estrada era longa e costeava magníficos bosques, grupos de árvores imponentes, em que dominavam os umbus[2] embalsamando o ar à distância com as suas flores abertas, os pequis[3] carregados de frutos e as providas mangabeiras[4].
____________
Notas de Referências:
[1] NE - 25 léguas ao Sul de Miranda. Atualmente pelas rodovias a distância é de aproximadamente 168 km. As coordenadas Geográficas da cidade de Nioaque são Latitude: 21º 09' 35" S - Longitude: 55º 49' 49" O de Greenwich. Determinadas pelo Coronel Renato Barbosa Rodrigues Pereira. Marco afixado na Praça Central. Livro de Ata de reuniões da Câmara Municipal de Nioac – Folha 28 do dia 06 de Maio de 1940.
[2] NE – Umbu, intitulado por Euclides da Cunha como a “árvore sagrada do sertão”, o umbuzeiro é também conhecido como imbuzeiro (nome cientifico: Spondias tuberosa). O seu fruto é o umbu ou imbu. A palavra que lhe deu esse nome é o “ymbu”, de origem tupi-guarani, que significa “árvore que dá de beber”, uma referência a sua característica de armazenamento de água, especialmente da raiz, qualidade necessária para sobrevivência nos longos períodos de seca no seu habitat natural. A planta pode alcançar sete metros, tem tronco curto e copa em forma de guarda-chuva. As flores são brancas, agrupadas, perfumadas, com néctar que é retirado pelas abelhas para se alimentarem e produzirem mel. (http://www.cerratinga.org.br/umbu)
[3] NE – Pequi, O pequi (nome científico: Caryocar brasiliense) é um fruto típico do Cerrado, cuja nomenclatura vem do Tupi e significa “pele espinhenta”. Já seu fruto possui o tamanho aproximado de uma maçã e uma casca verde. No seu interior, existe um caroço revestido por uma polpa comestível macia e amarela. Embaixo da polpa há uma camada de espinhos muito finos, por isso ao roer o pequi cozido, é preciso ter cuidado. Por baixo dos espinhos há uma amêndoa macia e muito saborosa. A época de produção dos frutos é de novembro a janeiro. A germinação do pequi pode demorar até um ano, mas menos da metade dos caroços germinam. (http://www.cerratinga.org.br/pequi)
[4] NA – Mangabeira, arbusto da família das apocyneas cujo fruto tem sabor de maçã. Fruto chama-se mangaba.
____________
____________
Os acidentes do solo são formosíssimos: os regatos e as ribeiras correndo abundantes, ofereciam por toda a parte água excelente. Os olhares já não caiam sobre as tristes perspectivas dos pântanos, ao contrário deleitavam-se na contemplação de prados verdejantes, de planos cheios de felizes contrastes sob sombras vigorosamente coloridas.
A estrada até Lauiad[5] dirige-se diretamente para leste; atravessa a torrente do Betemigo, do Enagaxigo e do Ponadigo[6], nas margens dos quais existiram aldeias indígenas[7].
De Lauiad em diante à direção[8] é S.SE. O panorama que daí se descortina e que se desenrola de improviso é incomparavelmente imponente. Vasta planície aos pés do espectador, enriquecida de magníficos pormenores; além, às grandes orlas do bosque do Aquidauana acompanhando as sinuosidades das suas formosas águas; ao longe, a cordilheira de Maracaju com os seus picos escalvados a refletirem os esplendores do sol e a formarem uma coroa por sobre toda essa prodigiosa massa azulada pela distância.
Esse sítio foi com razão chamado pelos guaicurus Campos Formosos (Lauiad).
O sentimento de admiração parece ser apanágio dos povos civilizados; a manifestação desse sentimento, a exterior pelo menos, é muito rara no homem primitivo.
Mas os largos traços de uma cena majestosa da natureza conseguiram uma vez penetrar o invólucro material do selvagem e unir ao Autor da obra o rude espectador maravilhado. O primeiro guaicuru que lançou os olhos para essa zona encantada, não pôde reter uma exclamação de surpresa; com a voz gutural e profunda saltou a palavra “Lauiad”, que ficou para sempre consagrada.
Reconhecemos não longe daí, à beira da estrada, que é quase em linha reta até Nioac, os restos de um acampamento inimigo, que devia ter pelo menos contido cinco mil homens, tal era com efeito o número dos paraguaios que o haviam ocupado, antes que parte deles fosse chamada a Humaitá, fato que não podia deixar de confirmar-nos na opinião de nossa insuficiência numérica ao abrir-se a guerra.
____________
Notas de Referências:
[5] NE – Lauiad, segundo denominação dos índios guaicurus, Campos Formosos.
[6] NE - Betemigo, Enagaxigo e Ponadigo, denominações indígenas a córregos localizados aproximadamente a duas léguas na antiga estrada que interligada a Vila de Miranda e a Povoação de Nioaque.
Ponadigo ou Eponadigo, como em geral todas as denominações de lugares do Distrito de Miranda, é este nome de origem guaicuru e significa— bando de traíras. Ierecê A Guaná. Autor: Taunay, Visconde De (Afonso D'Escragnolle Taunay
[7] NE - Ierecê a Guaná: seguido de, Os índios do distrito de Miranda: vocabulário da língua guaná ou chané. Ierecê a Guaná. Autor: Taunay, Visconde De (Afonso D'Escragnolle Taunay)
[8] S.SE é a abreviatura para designar a direção Sul e Sudeste. Os pontos cardeais, colaterais e subcolaterais indicam, juntos, dezesseis orientações no espaço de referência. São meios de orientação no espaço terrestre utilizados em diversos instrumentos, tais como as bússolas e os mapas. Os quatro pontos Cardeais – Norte, Sul, Leste e Oeste N,S,L/E,O/W. Pontos colaterais: NE nordeste, NO ou NW noroeste, SE sudeste, SO ou SW sudoeste. Pontos subcolaterais: ENE este-nordeste, ESE este-sudeste, SSE sul-sudeste, NNE norte-nordeste, NNO/NNW norte-noroeste, SSO/SSW sul-sudoeste, OSO/WSW oeste-sudoeste, ONO/WNW oeste-noroeste.
____________
Esse acampamento abrangia com a sua circunvalação uma coluna inteira, arredondada, cujas rampas eram banhadas por águas bastante profundas e de notável pureza, nas quais vimos flutuarem “nenuphares[9] com os seus thyrsos” de lindas flores azuis.
Algumas informações relativas a esse acampamento foram-nos dadas por um brasileiro, excelente explorador de regiões novas, o sertanejo José Francisco Lopes, cujo filho, costumado ao mesmo gênero de vida, tinha sido chamado pelo chefe dos paraguaios e convidado a tomar o partido deles como guia, mas o moço não assentira nisso e a exemplo do pai, guardara-se para seguir-nos e será no meio de nós e salvando-nos que vê-los-emos ambos terminar ao mesmo tempo a sua generosa existência.
___________
Notas de Referências:
[9] NE - Pontederia cordata, vulgarmente chamada aguapé. Herbácea, pertence à família Pontederiáceas, nativa dos EUA até Argentina, perene, rizomatosa, de crescimento rápido, de até 1 m de altura. Folhas verdes escuras brilhantes, em forma de lança. Inflorescências de cor lavanda azulada, semelhantes a espigas, emergindo do meio das folhas. Nativas ou cultivadas em lagos e rios em águas rasas, fixam-se no fundo lodoso dos lagos, exibindo apenas as folhas e as flores. http://www.floresefolhagens.com.br. Acessado janeiro 2017.
____________
A quatro léguas de “Lauiad” acha-se a Forquilha, onde o Nioac reúne-se ao Miranda.
Todos esses sítios são de beleza sem par e tais que é impossível a um brasileiro deter-se na ideia de que o futuro entregue a posse deles ao Paraguai a cessão da esplanada incomparável de Nioac é quase uma abdicação do cetro daquela região.
Entre outras uma eminência, donde se dominam as margens cobertas de matas do Uacogo[10], do Nioac e do Miranda enlaçando a planície nas suas curvas convergentes, oferece uma perspectiva que excede ainda, si é possível, a de Lauiad e é tal a luz suave e brilhante que cobre toda a região que involuntariamente a imaginação vem emprestar a sua magia a esse conjunto de encantos irresistíveis da terra e do céu. As frescas águas do Nioac, apertadas entre ribanceiras elevadas, cobertas de taquarussús[11], correm sobre um leito quase continuo de pedra vermelha, disposta em grandes lajes e em muitos sítios o trabalho da corrente sobre a pedra é tão notável que até se recomenda à atenção e ao estudo do geólogo[12]. E que sábio ou artista não acharia ampla messe nesses miraculosos campos?
Rio Nioaque atual e marcas pisada dinossauro.
Imagem 2017 - http://nioaquehistorias.blogspot.com.br/2016/05/secao-3-nioaque-no-rastro-do-dinossauro.html
Na extensão de dez léguas que separam a Forquilha de Nioac, os terrenos têm nível inferior aos que precedem Lauiad, não todavia a ponto de poderem em tempo algum ser invadidos pelas cheias; são pelo contrário secos e cobertos de pedregulho, que forma um como “mac-adam[13]” natural. Nas matas são comuns os pequis; há também uma árvore corpulenta que arreia-se de bagas sacharinas[14] e agradáveis, chamadas frutas de veado. Os jacarandás[15] também não são ali raros.
________
Notas de Referências:
[10] NE – Uacogo. Governo de Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, foi um dos governadores mais importante do Mato Grosso no período colonial. Considerado o responsável por consolidar as pretensões portuguesas em terras mato-grossenses. Na tentativa de dominar a navegação do Pardo até o Taquari, organiza duas excursões com o objetivo expresso de investigar toda a região navegável para que pudessem estabelecer como posse definitiva dos portugueses. Nova identificação para a região. Desta forma, a ordem de Dom Cáceres era mudar o nome do rio “Mboteteú para Mondego”, atual Rio Miranda e ao Embotetey ou Uacogo de Aquidauana, denominação que conserva ainda hoje. Nioac, Nioaque, primitivamente entre outras denominações, “Anhuac”, dos índios Guaicurus, significando “Clavícula Quebrada”. Originalmente atributo ao Rio, atualmente ao Rio, cidade e Município de Nioaque.
[11] NE - Taquarussu é decorrência da existência de grande quantidade de bambus ou taquaras, mais conhecidos como taboca. Planta da família das gramíneas, que ainda subsistem nas matas e margens de muito rio.
[12] NE – O Vale dos Dinossauros no Rio Nioaque. Pode-se até dizer que Taunay, ao referir ao rio Nioaque, pressentia que no seu leito escondia alguns segredos da natureza, pois sugeria já em 1867 um estudo Geológico. Na década de 1980, o professor e pesquisador da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, Gilson Martins descreve pela primeira vez a existência de sítio paleontológico, no leito, margem do rio Nioaque, aproximadamente a três quilômetros da cidade, são as “pegadas de dinossauros” . Pesquisas preliminares apontaram que as pegadas teriam sido deixadas no período Cretáceo por dinossauros bípedes de postura ereta, como os ornitópodes. No entanto, acrescentaram a possibilidade de que sejam rastros de terópodes, cujo exemplar popularmente conhecido é o tiranossauro. Os estudos prosseguem por diversos pesquisadores e instituições de pesquisas.
[13] NE – MacAdam, Macadame (do inglês Macadam) é um tipo de pavimento para estradas desenvolvido pelo engenheiro escocês John Loudon McAdam, cerca 1820. O processo recebeu o nome de Macadam em homenagem ao seu criador McAdam.
Consiste em assentar três camadas de pedras postas numa fundação com valas laterais para enxugo da água da chuva. As duas primeiras camadas, a uma profundidade de aproximadamente 20 cm, recebem brita de tamanho máximo 7,5 cm. A terceira camada é feita com 2 camadas de 5 cm, cheias de pedra de tamanho máximo de 2,5 cm. Cada camada é calçada com um rolo pesado (um cilindro), fazendo com que as pedras se acamem umas nas outras. Este assentamento de sucessivas camadas de pedra gradualmente menor, de modo que as pedras maiores sirvam de base sólida e levando a que o cascalho fino nivele o solo, é conhecido como macadam water-bound. Embora este método requeira intensa mão-de-obra, resulta num pavimento forte e enxuto. (Adaptado de https://pt.wikipedia.org/wiki/Macadame)
[14] NE – Sacharinas, o mesmo que sacarina. A Sacarina é um dos mais antigos adoçantes.
[15] NE – Jacarandás, O Jacarandá é uma espécie arbórea de grande porte, encontrando-se vulgarizada em diversas cidades do mundo.
Tem a sua origem na América do Sul (Brasil, Argentina, Peru ). Na sua zona de origem esta espécie é semi-caduca ou perene, no entanto a larga amplitude térmica na nossa latitude faz com que o Jacarandá perca a folha.
Não é raro algumas folhas permanecerem na árvore quando esta se encontra em situações mais abrigadas e protegidas do frio.
O Jacarandá prefere solos ricos, arenosos e bem drenados, mas apresenta grande tolerância à maioria dos tipos de solo, não resistindo ao sal. Resiste bem à secura, fato que lhe permite uma dispersão geográfica tão vasta. (Adaptado de http://www.portalsaofrancisco.com.br/alfa/arvores/jacaranda).
____________
A marcha sobre Nioac realizou-se com muita ordem e regularidade, indo alguns dos doentes em redes e outros em cestos[16] com recosto semelhantes aos de que serviu-se o exército francês na Argélia e que foram inventados por Larrey[17] no Egito. Este excelente meio de transporte foi-nos de grande auxílio; ainda nessa ocasião suavizou os últimos momentos do capitão Lomba, do Nº. 21º Batalhão, que morreu ao chegar, último sacrifício à má sorte ligada a nossa longa demora em Miranda.
A benigna influência da esplanada a que havíamos chegado fez desaparecer completamente a epidemia de beribéri!
Os indivíduos afetados restabeleceram-se prontamente; não tornamos a ver esses, terríveis entorpecimentos, sinais precursores da enfermidade que tão cruelmente nos perseguira.
____________
Notas de Referências:
[16] NE – Outro significado, espécie de cangalhas.
[17] NE – Larrey, Dominique Jean Larrey , Barão Larrey e do Império Frances. Foi médico e cirurgião militar, pai da Medicina de Emergência. Nascido em 8 de julho de 1766 em Beaudéan e morreu em Lyon 25 de julho de 1842. Cirurgião-chefe do Grande Exército, seguindo Napoleão I em todas as suas campanhas. Ele foi um pioneiro da ajuda aos feridos no campo de batalha, praticando cuidados no terreno o mais rapidamente possível, por meio de ambulâncias móveis cirúrgico. Adaptado do Inglês, https://en.wikipedia.org/wiki/Dominique_Jean_Larrey.
Nenhum comentário:
Postar um comentário