Seja Bem Vindo!

SEJA BEM-VINDO! WELCOME! SEA BIENVENIDO! * Hoje é

21 de abril de 2017

A RETIRADA DA LAGUNA Á 150 ANOS - RESUMO SUCINTO


Propósito:

Não escrevo para falar  de "Heróis" ou "Mitos"!

Mas de homens e mulheres, "Seres humanos" militares e civis, brancos, negros, mulatos, índios, cavalos, mulas, bois, cães e suas relações com as adversidades extremas com a natureza, rios, terrenos disformes, sol, chuva, frio, calor, fogo, vento, dia, noite, o desconhecido,   fome, enfermidade, miséria, vida, morte, combater, defender-se, matar, morrer, sobreviver, viver, conviver numa epopeia de guerra, de marcha, de expedição, onde o maior inimigo não foram os exércitos paraguaios e nem os seus canhões, espadas ou lanças, mas as adversidades.

É uma História de "Pessoas"!
Não de julgamento de escolhas!  
De Certo ou Errado! Bem ou Mal!


É uma História de Experiências Humanas!





No tema anterior publicamos uma visão do Exército paraguaio de 1867, de que maneira eles registraram a contra-ofensiva contra as Forças Brasileiras que Retiravam-se do Território da República do Paraguai, especificamente da Invernada ou hacienda de Laguna

Agora publico uma transcrição de uma correspondência do Comandante interino Major Thomaz Gonçalves, que é um Relatório sucinto desta operação militar, episódio da Guerra do Paraguai, na região sul da Província de Mato Grosso, A Margem do Rio Aquidauana, junho de 1867.

Mantive a ortografia original.
A Estrutura e divisão Dídática coloquei parta que se possa compreender melhor as principais etapas desta marcha.

O propósito desta publicação não é de apresentar análises históricas, mas fornecer ao leitor uma possibilidade de envolver-se no enredo linguístico, temporalidade da época e construir sua própria releitura.

Resumo sucinto da Marcha dos Retirantes da Invernada da Laguna[1]





Parte dada pelo Commandante Interino das Forças em Operação no Sul de Matto-Grosso, que Invadiram o Territorio Paraguayo, Major José Thomaz Gonçalves, ao Presidente da Provincia de Matto-Grosso, Dr. José Vieira Couto de Magalhaes, em Officio de 16 de Junho de 1867

N.º 1. - Illmº. e Exmº. Senr.  Tenho a distincta honra de dirigir à V. Exa. a participação dos acontecimentos que acabão de dar-se por occasião da retirada a que se viu obrigada a força Operadora no Sul da Provincia de Matto-Grosso, depois ele invadido o territorio Paraguayo por effeito da occupação do fórte de Bella Vista.

Os soldados brazileiros, n'aquella delicada operação de guerra, luctarão com os mais estupendos obstaculos que se puderão imaginar, tocarão ao auge dos soffrimentos e a um tempo virão-se a braços com um inimigo encarniçado, com a mais horrivel epidemia que flagella a humanidade, o cholera morbus, que, n'uma proporção assustadora ele victimas, n'um só dia atacou mortalmente ao Chefe da expedição, o Illmº. Senr. Coronel Carlos de Moraes Camisão e ao seu immediato, o Tenente Coronel Juvencio Manoel Cabral de Menezes. Este facto que acabrunhou por momentos a officiaes e soldados, collocou-me de subito á frente da brioza e martyr columna operadora, lançando-me sobre os hombros o mais pesado cargo que jámais tocou a um militar. Como Capitão mais antigo, major de commissão, assumi immediatamente o commando, com a responsabilidade immensa das graves circunstancias que me rodeavão.

Relatando perfunctoriamente a V. Exa. os factos extraordinarios que se succederão no seio destas Forças, apresenta-la-ei o quadro, verídico sempre, ás vezes sublime, outras medonha  e negro, ele tudo quanto a sorte adversa poude em poucos dias suscitar contra a nossa diminuta porção de bravos.
  
  a) Ocupando o Território do Paraguai

No dia 21 ele Abril entrarão as forças brazileiras, sob o mando do Corone1 Camisão no forte Paraguayo de Bella Vista, que foi desamparado pela sua guarnição á vista de nossas bandeiras, feito glorioso para as nossas armas, o qual já deve estar no conhecimento do Governo Imperial, e que encheo de justo orgulho ao  chefe de nossa expedição.

Desde o dia da occupação, começando-se a fazer sentir a falta de gado, mandava a prudencia que fosse effectuada uma prompta retirada sobre Nioac, que era a nossa base ele operações e que algum tanto inconsideradamente fôra deixada, apenas protegida por uma pequena guarnição, visto como, mesmo a diminuta porção de 1.500 a 1.600 soldados, não permittia distribuir muitas praças por occasião de avançar contra o inimigo.

Entretanto, o Coronel Camisão, tendo tido informações dos fugitivos brazileiros, os quaes, como V. Exa. não ignora, se achavão entre nós desde o dia 11 de Abril, que a 3 1/2 legoas ele Bella Vista, n'uma fazenda do Presidente Lopez havia grande quantidade de gado, não trepidou em avançar, dando ordem de marcha ás forças no dia 30 do mez acima citado. Como subordinados, obedecemos de bom grado á resolução de nosso Chefe, tocando-me tão sómente como comandante do corpo, o cumprir os deveres difficeis que a todos exigião aquelle passo brilhante, porém, algum tanto arrojado.  
 
b)      Ocupação da Invernada Laguna

O inimigo que occultava a sua força, retirou-se como sempre, deixando-nos estrada franca até a Invernada da Laguna, onde acampamos, a 8 ¹/²  legoas do Rio Apa, na esperança de obter algum gado. Varias vezes farão os nossos Batalhões proteger aos campeiros, sendo sempre incommodados por partidas de Cavallarias, as quaes, sem fazerem frente a nossos soldados, impellião, contudo, totalmente, a execução do que pretendíamos.  

Foi, pois, pouco a pouco desvanecendo-se a esperança que nutria o Commandante das Forças, o qual, depois de resolver levantar acampamento, quiz, comtudo, por uma sorpreza audaz, ir bater o inimigo acampado a mais de legoa e cuja força era ainda desconhecida. Encarregados desta honrosa missão farão o Batalhão nº. 21 de Infantaria que eu tinha a ufania ele commandar, e o brioso Corpo de Caçadores a Cavallo, que tem á sua frente o denodado Capitão Pedro José Rufino.  

c)     Ataque ao acampamento paraguaio,
 “Isla Akãrabebo” 6 de maio 1867

Na madrugada de 6 de Maio forão os Paraguayos acordados ao som ele nossas descargas, sendo incontinenti occupado o acampamento inimigo. Gloria immensa coube á nossa soladesca! O enthusiasmo era indescriptivel! N’esta occasião, os Paraguayos desmascararão a força de que dispunhão. Mais ele 700 cavalleros carregarão por vezes a infantaria brazileira, ao passo que duas bôccas de fogo atiravão sobre ella innumeros projectis. As partes deste combate vão juntas, e minuciosamente relatão os seus brilhantes episodios. Muitas, lanças, armas, cavallos, arreios, ponchos, revierão para o nosso acampamento, pois que, havião os dous corpos recebido ordem para se retirarem, apenas os inimigos cedessem o campo.    

O dia 7 passou-se sem novidade, bem que um temporal violentíssimo, acompanhado de chuva torrencial, como tinhamos tido nos dias 4 e 5, fizesse suppôr dever-se esperar uma revindita da parte do inimigo.

d)      Início da marcha em Retirada da região da Fazenda Laguna
 8 de maio 1867

No dia 8 de Maio, ás 7 horas da manhã, começou a força a mover-se, sendo desde logo tiroteada fortemente, por infantes emboscados em uma mattinha, os quaes, porém, cederão á bizarria do Corpo de Caçadores a Cavallo, que desta os expellio apezar de cargas de Cavallaria que o obrigarão a formar circulos parciaes até a chegada de uma grande divisão do Batalhão n. 20, que com um bôcca de fogo correo em seu auxilio. O campo da acção ficou em nosso poder.

E enterramos os mortos, forão n'elle curados os feridos, e seguia-se avante, havendo préviamente o Coronel Camisão adaptado a seguinte ordem de marcha:

• O Corpo de Caçadores a Cavallo, que trabalhava a pé, por falta de cavalhada, na, frente;
• Seguido por uma peça de artilharia;
• Na retaguarda, o Batalhão n. 17 de Volutarios da Patria;
• No flanco esquerdo, o Batalhão n. 20 de Infantaria;
• E no direito, o Batalhão n. 21.
• Ficando comprehendida no centro d'estes corpos toda a bagagem que marchava protegida;
• Além d' isso, por duas fileiras de carros puxados a bois.

As 4 peças de artilharia, puxadas tambem por bois, vinhão debaixo da protecção de cada um dos corpos, caminhando este pesadissimo trem com extraordinaria lentidão.

Os Paraguayos extenderão então linhas de atiradores por todos os lados: frente, retaguarda e flancos, fazendo continuado fogo, ao passo que a artilharia d'elles, composta de duas

bôccas de fogo, de calibre 3 e 6, muito aligeirada e puxada por cavallos, tomava rapidamente posição, procurando incessantemente offender-nos. A marcha d'esse dia, de 2 ¹/² legoas, effectuou-se sempre ao som da artilharia e fuzilaria, conservando comtudo, a força brasileira a attitude a mais firme passivei, cabendo á nossa artilharia, pelas eminencias que occupou, e d'onde varias vezes fulminou o inimigo, o mais importante papel n'essa jornada gloriosa.   

V. Exa. conhece perfeitamente os perigos de uma retirada diante de uma cavallaria ousada, quando a infantaria não tem para oppôr, aos repetidos ataques d'ella, alguns esquadrões resolutos. A força moral que o soldado perde, por efeito de um movimento retrogrado, tem de ser substituida pela coragem continua e esforços incessantes. Mil e trezentos combatentes a pé, não podião desprezar setecentos homens perfeitamente montados e que dispunhão da artilharia extremamente movel.

Por isso o dia 8 de Maio deve ser considerado um brilhante feito de armas; por isso só, se por ventura fosse esse feito o unico na historia da força operadora em Matto-Grosso, merecerião os seus officiaes e soldados a attenção benevola do paiz.  

O dia 9 raiou com o troar do canhão e da fuzilaria de uma extensa linha de atiradores inimigos; entretanto, as posições que tomou a nossa artilharia e as perdas que experimentarão os contrarios com os nossos tiros, fizerão com que a entrada no forte ele Bella Vista fosse-nos facil, e os Paraguayos não procurassem nos detêr os passos.

e)     De regresso ao solo Brasileiro

O dia 10 foi de descanso, effectuando-se a 11, pela manhã, a passagem do Rio Apa, com a qual gastou a força mais de 4 horas, pela quantidade de animaes e carros que passarão ele uma margem a outra. As 9 horas começou a marcha na ordem adoptada anteriormente, caminhando-se perto de tres quartos de legoa sem avistarem-se inimigos. 

Entretanto, os terrenos, prestavão-se perfeitamente aos movimentos da cavalaria, por serem ligeiramente ondulados e abertos em todos os sentidos. Observou-se, por  isso, o maior cuidado, prevendo qualquer tentativa em que fosse ainda experimentado o valor brazileiro.

        f) Combate de Nhandipá

Na realidade, ás 11 horas do dia foi repentinamente atacada a linha de atiradores do Batalhão, n. 17 de Voluntarios, que marchava na frente, por infantaria inimiga, á que se seguio uma furiosa carga de cavallaria, que veio esbarrar contra aquelle Batalhão, abrindo-se em duas alas, as quaes desfilarão a todo galope de um lado e de outro de nossa força, procurando penetrar na bagagem. O fogo que soffreo então o inimigo foi terrível.

Cada Batalhão formou quadrado com rapidez espantosa, indo muitos cavalleiros morrer espetados nas pontas das bayonetas do intrepido Batalhão n. 21. A artilharia, mettendo em bateria com extrema velocidade, fez fogo mortifero de granadas sobre a cavalaria Paraguaya, que deixou o campo alastrado de mortos e feridos. A perda do inimigo não foi inferior a 70 homens; a nossa foi de 19 mortos e 29 feridos, no numero dos quaes contão-se os Tenentes do Batalhão n. 17, Joaquim Mathias de Assumpção Palestino, que falleceo dous dias depois, e Raymundo Fernandes Monteiro, que portou-se com muita intrepidez.

Ainda essa vez, como sempre, o campo ficou em nosso poder, dando-se sepultura aos mortos e recolhendo-se os feridos.  Um soldado Paraguayo, ferido, declarou que o Commandante da força inimiga era o Major Martin Urbieta e que o reforço esperado por este e pedido, depois de conhecidos os movimentos da força brazileira, havia chegado, devendo-se reunir com brevidade, outro que já se achava a caminho.

g)      Dispersão do gado e cavalos

Uma circumstancia veio, porém, entristecer os espiritos depois de acabada a animação d'aquelle glorioso combate. O gado que era trazido encostado ao flanco direito da força, havia desembestado com o estrondo das descargas, assim como, os poucos cavallos

Erão os recursos de bôcca que repentinamente escasseavão por modo desanimador, deixando a nossos soldados a perspectiva de 25 legoas de marcha, com o inimigo sempre na frente, e sem esperanças de renovação da boiada. 

Este facto importantissimo influiu poderosamente para que o Coronel Camisão tomasse então uma resolução, que veio para o futuro crear novos e terríveis obstaculos a facil retirada das forças.
A mudança na direção da marcha em Retirada: ao invés da estrada pela Colônia de Miranda-Nioaque, adotou pelo caminho em campo bruto para a Fazenda Jardim-Nioaque

Achava-se como guia, entre nós, o excellente pratico, José Francisco Lopes, o qual, de ha muito conhecedor dos terrenos do Apa e suas visinhanças, apresentou a possibilidade de conduzir a força, por lugares retirados da estrada, com 6 dias de marcha, á fazenda do Jardim que lhe pertencia e a qual dista de Nioac 9 legoas.

h)     As vantagens d'este desvio erão:

• Em primeiro lugar, o encurtamento de viagem, pois que, elle promettia levar a força em 8 dias a Nioac;
• E ainda abrir uma estrada de recursos completamente desconhecida dos Paraguayos;
• E onde poder-se-hia apanhar o gado que fosse encontrado n'aquelles terrenos, e que, segundo afiançava o mesmo pratico, era abundante;
• Além disso, arredava-se o inimigo do caminho de Nioac, onde sabia o Coronel achavam-se muitos carros de mantimentos que vinhão ao nosso encontro, obrigando os inimigos a nos acompanharem por lugares que elles mal conhecião.

Tomarão, pois, as forças nova direcção, abrindo nos pés de nossos soldados uma estrada, por terrenos nunca d 'antes trilhados. As razões apresentadas acima, são as ponderações justificativas d'aquelle passo; entretanto, outras lhe erão bem contrarias e os acontecimentos futuros demonstrarão á toda a evidencia que houve erro fatal na escolha d'aquella direcção.

Perderão com ella os nossos soldados bôa parte da força moral, abandonando a estrada para irem trilhar lugares cobertos de matto, ou campos não bem conhecidos; e os inimigos devião ter-se regozijado d'aquella determinação, que suberão aproveitar com habilidade.

O Coronel Camisão foi sempre guiado pelo desejo ardente em poupar fadigas e incommodos ao soldado e n'aquelle passo houve tão somente confiança desmedida em promessas que não se verificarão e que um conjunto de circunstancias muito especiaes tornou irrealizaveis.

A marcha,  pois, tomou novo rumo, cortando o pratico diretamente a Norte  para ganhar o ponto denominado Jardim, 5 legoas adiante da colonia de Miranda e 9 legoas distante de Nioac. 

O primeiro dia foi de marcha por cerrados, ficando assim inutilisados os meios de acção da Cavallaria e Artilharia inimigas, o que nos poupava o argumento de gravame de bagagem, consideração que pesou tambem no animo do Coronel Commandante.

Entretanto, com difficulade caminhava a nossa força, vencendo, apesar de andar o dia inteiro, muito pequena distancia no bom rumo.

No dia seguinte, 12, passarão-se as cousas do mesmo modo, indo a força acampar, depois de rodear muitas cabeceiras do carrego de José Carlos, n'uma mattinha que foi logo cercada pela cavallaria inimiga, a qual nos acompanhara de longe. Conquistou-se a aguada a tiros, e a força passou a noite em alarma.

No dia 13 cabia uma chuva torrencial que impossibilitou a marcha, tornando os terrenos que devíamos atravessar quasi intransitaveis e fazendo soffter a nossa soldadesca extremamente pela falta ele fardamento. N'esse pouso decidia o Commandante das Forças a reducção da bagagem, o que foi executado pelos Officiaes com a maior bôa vontade e espontaneidade. Os seus animaes de carga passarão a servir no transporte de cartuxame, e todos abandonarão as poucas commodidades, de que ainda gosavão, em consideração do bem geral.

i)        Os incêndios nas macegas pelos paraguaios, 
a defesa e contra-ataque dos brasileiros

A 14 recomeçou a marcha que em breve tornou-se penosissima pelo estado dos terrenos e pelo novo meio de guerra que adoptarão desde então os Paraguayos para impedir-nos a continuação da viagem. Lançavão fogo aos campos, os quaes, resecados pelo sol ardente de dias de trovoada, ardião com intensidade extraordinaria, cercando-nos por todos os lados de calor abrasador e fumaça asphyxiante. O vento Norte, que soprava constantemente n'esse mez, ainda mais critica tornava a posição da nossa força.

Protegidos pela fumaça vinhão então os inimigos tirotear-nos vivamente, respondendo os nossos soldados com grande tenacidade e constancia.

No pouso esta scena repetia-se, recebendo a força em massa, durante  muitas horas, um chuveiro de balas partido por detrás de densos rôlos de fumo.

No dia subsequente os inimigos procurarão deter-nos fazendo fogo vivo, encobertos por accidentes de terreno em quanto passava a nossa pesada bagagem um difficultoso banhado.   

A resposta de nossa parte trouxe-lhes, entretanto, a convicção de que nunca poderião fazer-nos frente, pois que as pontarias certeiras de nossos soldados se succedião, ao passo que as d'elles erão todas incertas e os tiros precipitados.

Continuarão, pois, o systema ele guerra desleal que havião adoptado, detendo-nos pelas queimas dos campos, durante muitas horas em que era impossivel a marcha. 

j)        Os transes porque passarão as forças começarão a ser horriveis.

A boiada dos carros era de a muito, morta para sustento das praças e regulada de modo que já muito soffrião ellas da falta na alimentação.

Officiaes e soldados enfraquecidos assim, erão, comtudo, obrigados á extrema vigilancia na guarda dos acampamentos, aos trabalhos em construir pontes e fazer rampas nos ribeirões e corregos, que encontrávamos engrossados pelas continuas chuvas. A inclemencia do tempo era desanimadora. Marchavão os nossos soldados ora em pantanaes ora em campos que o fogo devorava n'uma larga extensão.

k)      O cólera, a enfermidade começa a se alastrar

No dia 18 houve novo tiroteio, retirando-se o inimigo apenas começou a trabalhar a artilharia que elle respeitava extremamente.

N'esse dia começarão a aparecer com mais frequencia os casos ele uma molestia que os dous distinctos facultativos da força duvidarão por dias, apezar de seus symptomas irrecusaveis, em qualificar, e que em breve tornou-se um flagello medonho, capaz de causar a desorganização dos mais bem constituidos exércitos. Era o cholera-morbus que fazia a sua apparição, grassando repentinamente nas fileiras de nossos soldados reduzidos á susceptibilidade morbida depois de sofrimentos extraordinarios.

As causas, a marcha d'esta epidemia, vão minuciosamente descriptas na parte do medico, a qual acompanhou esta exposição.

l)        A progressão crescente da enfermidade foi assustadora


     No dia 19, de continuo tiroteio, os atacados da epidemia erão já em numero extraordinario; as victimas em poucas horas perecião no meio dôres crueis, chegando a ser summamente difficil o transporte dos doentes de pouso a pouso, apesar de marchar, muitas vezes,  menos de meia legoa.

A 20 o fogo inimigo durou desde a manhã até ás 4 horas da tarde, respondido rigorosamente pelos nossos que então luctavão com o cholera, com a fome e com o excesso de cansaço proveniente do serviço ela guerra aggravado pela necessidade em carregarem os seus companheiros, visto como, a boiada dos carros que se ia carneando obrigava a queimar aquelle meio  de conducção.

O pesadelo: a enfermidade do cólera, a fome, o cansaço, a miséria, escassez de todos os tipos de recursos, as chuvaradas, terrenos inóspitos, mortes, descontentamentos

Nessas penosas contingencias marchou a força debaixo de chuvas repetidas durante os dias 21, 22, 23, 24 e 25 em que chegou ao corrego  da Prata á 3 ¹/² legoas do Jardim. Então o numero e enfermos era tal que litteralmente metade da força era empregada em carregal-os, pois que, cada padiola ocupava oito homens em sua conducção.

O descontentamento e fadiga da soldadesca erão evidentes. Os sãos, depois de poucas marchas, cahião exaustos pelo cansaço, aos golpes da molestia; e o estado geral reclamava uma prompta solução. 

m)   Cambaracê, deixando um grupo de enfermos coléricos 
em um abrigo improvisada

O Coronel Camisão tomou então uma medida de que dependia a salvação do resto da força, medida cuja execução foi horrorosa, e custou-nos momentos angustiosos e crueis.

A 26 ficarão abandonados 76 moribundos, os quaes, apenas moveo-se a força, forão degollados pelos Paraguayos que seguião-nos sempre em certa distancia.

Nota: Quanto ao número de enfermos e feridos abandonados, farei uma publicação especial. Mas o número  era superior a 150. Os enfermos que foram deixados neste  local era constituído  por dois grupos: um por combatentes da Força Expedicionária,  soldados, cabo 76?  e um segundo grupo ainda maior constituído por agregados à Força Expedicionária entre outros,  carreteiros, mercadores,  empregado dos oficiais, mulheres, crianças, índios

Scena medonha que fica indelevelmente marcada no espirito d'aquelles que ouvirão os gritos dos miseros cholericos!

Quadro horroroso que a sorte adversa nos proporcionou na mais extraordinaria collisão!
Nesse dia  caminhou a força de um só folego 3 ¹/² legoas, levando ainda muitos enfermos nos armões e carros de artilharia. 

n)     Falecimento, José Francisco Lopes, Coronel Camisão, Tc Juvêncio

Sobre eles ião já deitados o Commandante das Forças e o seu immediato, atacado do cholera-morbus, indo fallecer ambos no mesmo dia (29) no acampamento junto á margem esquerda do Rio Miranda.
Na véspera, 27  havião tambem perecido do mesmo mal, o pratico José Francisco Lopes e seu filho os unicos que poderião levar as forças ao ponto em que encontravam-se estrada batida.

A divina Providencia permittio que aquella coincidência fatal se désse no dia em que muitos dos nossos soldados de cavalaria pisarão terrenos que lhes erão conhecidos.

o)     O novo comandante, Major José Thomaz Gonçalves 
e as providências imediatas

No dia 29 assumi, pois, o commando interino elas Forças, havendo préviamente reunido os diversos commandantes de corpos, os quaes concordarão em dar-me aquelle lugar que me tocava por direito de antiguidade, havendo então dado parte de doente o Tenente Coronel de Commissão Antonio Enéas Gustavo Galvão por ser no Exército de patente inferior á minha.

Desde então tomei as mais energicas providencias sobre os meios de passagem do Rio Miranda que se achava muito cheio, affogando-se por occasião da transposição 2 praças e o Senr. Capitão Antonio Dionizio do Souto Gondim, arrebatados pela muita correnteza das aguas.

Procurei desde logo impedir o desanimo que lavrava e sobre tudo conter o espirito de desobediencia que de dia em dia se pronunciava mais claramente.

O soldado brazileiro é felizmente facil em sugeitar-se e subordinar-se.

Alguns actos de vigor vierão calar no espirito de todos, produzindo excellente resultado.

Além d'isso, a molestia reinante apresentou melhoras, permittindo alento que foi logo por mim aproveitado a bem da disciplina.

A causa d'aquella modificação hygienica foi a quantidade extrema de limões e laranjas que a nossa soldadesca encontrou no pomar da Fazenda do Jardim, como o especifica a parte dos medicos.

Os dias 30, 31 de Maio e 1 de Junho forão todos empregados na passagem do rio, que conservou-se sempre cheio, dando apenas péssimo e perigoso váo. Com difficuldade passarão as nossas 4 peças e armões; havendo sido queimados os carros manchegos, força e galera para dar carne ás praças, como havião decidido os commandantes de corpos em reunião, do que existe acta (1) nota 23 I, cuja cópia tenho a honra de remetter a V. Exa. Esforcei-me em trazer as quatro boccas de fogo e consegui-o com grande satisfação.

p)     Enfim, na sede da Fazenda Jardim

Assim, pois, no dia 1 º de Junho acha vão-se as Forças do lado direito do rio Miranda, com 9 legoas diante de si em bôa estrada parra chegar em a Nioac. Os Paraguayos havião effectuado a passagem antes de nós e já se achavam em nossa frente.

Comprehendi a necessidade urgente de marchas rapidas sobre Nioac, por cuja sorte muito temia, apezar de saber que o official comandante d'aquelle ponto, á frente de mais de cem homens, tinha instrucções muito severas corroboradas por um bilhete que o Coronel Camisão a 24 de Maio dirigira ao Senr. Coronel Francisco Augusto de Lima e Silva, Chefe da Repartição Fiscal, e que ficára em Nioac para formar e promover o deposito de viveres, ordenando a este que se retirasse para lugar seguro, com objectos da Fazenda Nacional ficando o Official obrigado ai resistir aos inimigos n'aquelle  ponto  emboscando na matta.

q)     A Marcha da Fazenda Jardim à Nioaque

Dei, por isso, ás 6 horas da tarde ordem de marcha ás Forças, caminhando a noite inteira e chegando ás 3 horas do dia 2 no Canindé, a 3 legoas de Nioac.

Esta marcha forçada effectuou-se maravilhosamente, apesar da chuva copiosissima que cahio durante todo o trajecto, levando então cada corpo os seos doentes.

No Canindé achei signaes da passagem dos Paraguayos. Carros queimados existião no caminho, estando o chão coberto de farinha e arroz.

A soldadesca comeo, emfim, apanhando tudo que foi encontrado, depois de 22 dias de cruel fome, durante os quaes a ração de simples carne era tão diminuta, que, repartião-se 4 a 8 rezes em lugar das 21, que habitualmente ião para o córte!

Do Canindé segui incontinenti para Nioac encontrando pelo caminho restos de carros queimados e mantimentos atirados. A 1 legoa de distancia virão as forças as casas de palha do acampamento ardendo em chama de fogo.

r)       Nioaque em ruína e fogo pela segunda vez

Entrando ás 2 horas da tarde naquelle lugar de desolação e tristeza, visitado poucas horas antes pelo inimigo, que, achando-o completamente abandonado pela guarnição, havia lançado fogo ao deposito de viveres, retirando-se com o nosso aproximação.

A posição de Nioac era excellente para a defeza. Com poucos homens na matta do Orumbéva, confluente daquelle rio, com os viveres de que dispunha o depósito, poder-se-hia apresentar longa e heroica resistencia.

Os Paraguayos que chegarão a Nioac farão em muito pequeno numero, e só entrarão na povoação, quando verificarão que ella se achava deserta.

É, pois, inqualificavel o procedimento do commandante do destacamento de Nioac, o Capitão Martinho José Ribeiro, o qual desprezando as suas instrucções, que o obrigavão a defender a todo o transe o ponto que commandava e a nova e expressa ordem do seu Chefe, abandonou covardemente o seu lugar de honra.

Por este procedimento perdeo a Fazenda Nacional grande porção de viveres destinada a estas Forças, algum fardamento de praças e outros objectos que uma duzia de Paraguayos encontrou em abandono na casa que servia de deposito.

O Senr. Coronel Francisco Augusto de Lima e Silva fez como tinha ordem, recolher a lugar seguro o cartuxame, a caixa Militar, papeis Officiaes, alguns generos, etc., recahindo, pois, tão sómente sobre o commandante de Nioac, fraco e pusilanime a responsabilidade de seu acto, pelo que mando desde já sugeital-o a conselho de investigação e posteriormente ao de guerra.

Ainda em Nioac esperava-nos nova calamidade. No chão da igreja que servira de deposito havia ficado, espalhada, muita polvora que não podéra ser transportada.

Apezar das mais energicas e reiteradas recommandações, a imprudência de um soldado provocou uma formidavel explosão que queimou 13 praças, das quaes 6 falecerão poucos dias depois, apezar dos cuidados que fiz observar na conducção d'elles.

Nota: Visconde de Taunay, no Livro  a Retirada da Laguna, "Uns quinze desses infelizes morreram logo ali no local". Na Praça de Nioaque e nos eventos  teatrais alusivos a este episódio registram os seguintes nomes:
 Do Corpo Provisório de Artilharia
Sd Bernardo Rodrigues Cesar,
Sd João Pereira de Souza.

Do 1º Corpo de Caçadores a Cavalo
Sd Francisco Antonio das Chagas,

Do 17º Batalhão de Voluntário da Pátria, adido ao 1º corpo dos caçadores:
Anspeçada Bento de Arruda Botelho.

Do 21º Batalhão de Infantaria: 
1º Sgt Antonio Thimóteo Carneiro,
Anspeçada Manoel da Paixão,
Sd José Felix de Azevedo,
Sd Joaquim Sabino de Andrade
Sd Benedito José da Siqueira.

Placa na Praça de Nioaque, onde está grafado os nomes dos que pereceram na explosão da polvora dento da igreja.

s)       Abandonando definitivamente Nioaque, 
rumo ao Porto Canuto no rio Aquidauna

Com a retirada do Capitão Martinho José Ribeiro, era impossível a estada em Nioac, reduzido a cinzas.

No dia seguinte ordenei tomar-se a direcção ao ponto onde se achava o Sr. Coronel Lima e Silva fazendo desde então muito regulares marchas de 2 ¹/² e 3 legoas por dia, sendo nós acompanhados por uma pequena partida inimiga de observação, a qual retirou-se quando nos aproximamos do Rio Aquidauana.

t)       Reconhecendo o esforço dos Comandantes
 dos diferentes Corpos do Exército

Fallar a V. Exa. do comportamento da força, seria inutil.

Basta a simples narração que acabo de fazer a V. E. achar-me eu hoje ainda rodeado de algumas centenas de tão nobres militares, para que o maior brilhantismo toque a gloriosa força operadora em Matto Grosso.

Refiro-me completamente ás conscienciosas partes dos Senrs. Commandantes de Corpos sobre a bizarria de seus Officiaes e soldados.

No estado-maior do finado Coronel Camisão  sempre portarem-se  no exercicio de suas funcções, com muita bravura e sangue frio, os valentes Senrs. Capitão Bel. Antonio Florencio Pereira do Lago, Assistente do Ajudante General; o 1º Tenente Bel. José Eduardo Barbosa, Assistente do Quartel Mestre General; Tenente Bel. Catão Augusto dos Santos Rôxo, e 2º Tenente Bel. Alfredo de Escragnolle Taunay, distinctos officiaes que nos combates transmittião sempre as ordens do Commandante das Forças com muita calma e intelligencia, patenteando sangue frio digno de especial reparo, além de se occuparem nos trabalhos de suas especialidades como Engenheiros, coadjuvados pelo brioso, denodado e activissimo Major Fiscal do Batalhão n. 17º de Voluntarios da Patria, José Maria Borges.

O Secretario, Alferes de commissão Amaro Francisco de Moura, offerecendo-se desde o dia 8 de Maio parai ir servir na Artilharia, ahi prestou muito bons serviços, portando-se com bravura, como se vê pela parte do Commandante do Corpo Provisorio de Artilharia.

Merecem tambem os meus elogios o Major Pagador, Candido Pires de Vasconcellos, que acompanhando a força, mostrou muita calma; o Tenente de Commissão Antonio Bento Monteiro Tourinho, o Capitão de Guarda Nacional Caetano da Silva Albuquerque, os encarregados da tropa de cartuxame, Alferes Manoel Climaco dos Santos e Souza, o qual desenvolveo sempre muita actividade e Alferes Sabino Fernandes de Souza e de Guarda Nacional João Pacheco de Almeida, pelo bem que se portou.

Cada Commandante de Corpo houve-se nos innumeros encontros com o inimigo, por modo acima de elogio. O Senr. Capitão Pedro José Rufino distinguio-se pela intrepidez e ousadia de seus movimentos; o Senr. Tenente Coronel de Commissão Antonio Enéas Gustavo Galvão, Commandante do Batalhão n. 17 de Voluntarios da Patria pela reflexão e coragem; o Senr. Capitão Joaquim Ferreira de Paiva, do Batalhão n. 20, pela tranquilidade e sangue frio que reflectio-se por vezes sobre o seu Batalhão; e Sr. Major de Commissão Bel. João Thomaz de Cantuaria pela sua placidez, energia e tenacidade em dirigir fogo certeiro e constante com as quatro boccas de fogo do Corpo de Artilharia que commandava.

Durante os combates achei-me á frente do Batalhão n. 21 de infantaria, e com orgulho affianço a V. Ex. que em muitas ocasiões a atitude que assumia aquelle Batalhão chamou as vistas de toda força.
As partes que junto passo ás mãos de V. Ex. especificão os nomes dos Officiaies que mais coadjuvarão aquelles Commandantes, merecendo d'elles menção de honra.

Os dous medicas junto a esta columna, portarão-se sempre com a caridade e de dedicação que a sciencia recomenda e que as leis militares d'elles exigem.

Os digno e intelligentes  os Cirurgiões Drs. Candido Manoel de Oliveira Quintana e Manoel de Aragão Gesteira curavão aos feridos nos campos de acção, desenvolvendo por occasião do apparecimento do cholera actividade incansavel, sempre solicitas pelo estado do soldado enfermo, apezar de luctarem com a falta absoluta de medicamentos.

O unico Capellão que se achava junto a esta força, o Alferes da Repartição Ecclesiastica Antonio Augusto do Carmo, estava gosando de um mez de licença nos Morros quando marchou-se para Bella-Vista. Acabada ella, vinha a reunir-se a nós, quando em caminho foi feito prisioneiro por uma ronda inimiga, não se achando ao certo o destino que teve aquelle infeliz sacerdote.

u)     O fim da Marcha dos Retirante, Porto Canuto.

Ei, Exm. Sr. a narração succinta de tudo quanto occorreo ás forças em operações no Sul da Provincia de Matto-Grosso, desde os primeiros dias do mez de maio até a data presente.

Deus Guarde a V. Exc. - Quartel do Commando interino elas forças em operações no Sul ela Provincia ele Matto Grosso. 

Acampamento junto á margem esquerda do Rio Aquidauana, 16 de Junho de 1867.
lllm. e Exm. Snr. Dr. José Vieira Couto de Magalhães – Presidente da Provincia.

José Thomaz Gonçalves, Major de Commissão Commandante interino das Forças”.




[1] Relatório do Arquivo Publico de Mato Grosso, publicado ALMANACHE ILUSTRADO. Empreza Editora, Tres Lagoas MT. N.º 2 e 3, Anno III – 1929 e por Lobo Viana, na A Epopeia de Mato Grosso, 1938. 

Um comentário:

  1. qual foi a atitude de Antonio João quando o inimigo,pediu rendição na gurra do paraguai

    ResponderExcluir