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29 de abril de 2017

À CAMINHO DO APA - LAGUNA, PARAGUAI - 02 NA VILA DE MIRANDA

CAPÍTULO II
AS FORÇAS EM OPERAÇÕES NO SUL DA PROVÍNCIA DE MATO GROSSO
Parte 1 - Na Vila de Miranda 1866-1865


Desenho de Visconde de Taunay retratando o Quartel na Vila de Miranda, entre setembro e dezembro de 1866. Na parte superior, em francês: "O fogo colocado pelos paraguaios no interior da construção não se propagou a toda ela por causa de uma tempestade que desabou no dia seguinte a saída das forças inimigas. As árvores do último plano, margeiam o Rio Miranda à umas cem braças mais ou menos do quartel". A seguir, em baixo, em português: "Quartel de Miranda - Edificado no lugar da antiga estacada, a que chamavam de forte. Bons prédios acham-se todos destruídos pelo fogo: a vila oferece aspecto desolador". Original disponível: http://www.retiradalaguna.hpg.ig.com.br/ 18.12.2004


a) O Coronel Carlos de Moraes Camisão assume o comando das Forças em Operação

Foi a 1º de janeiro de 1867 que o coronel Carlos de Moraes Camisão, nomeado pela presidência de Mato Grosso, assumiu o comando desses mal-aventurados a quem só profundo sentimento de disciplina pudera conter até então sob as bandeiras.

b) A Situação da região da Vila de Miranda: segurança, salubridade, localização, estratégia militar, abandono, população

O sítio de Miranda é quase inabitável; bordado, em extensão considerável, de brejos que a menor chuva inunda em um momento, ainda na boa estação e que os raios ardentes do sol secam com a mesma rapidez, privado de boa água, pois a do rio Miranda é sempre turva e lodosa, o terreno em sua própria disposição não oferecia de mais a mais uma só das condições militares às quais poder-se-iam em rigor sacrificar as considerações da higiene. Ao longo de uma corrente em que podem navegar grandes barcas, estende-se a margem uniformemente baixa a que caminhos abertos e planos tiram toda a segurança.

A comissão de engenheiros tinha-se frequente e energicamente pronunciado contra maior demora em semelhante foco de infecção e o chefe da junta médica apontara-o já por duas vezes nos seus relatórios como causa da ruina da expedição, pois o seu pessoal diminuía de contínuo com a morte ou com a dispensa forçada dos doentes. Continuava o beribéri[1] a fazer em nossas fileiras numerosas vítimas naquele lugar ainda sujeito à influência dos grandes pantanais que a tropa acabara de atravessar, entre o Coxim e Miranda.

Os paraguaios, quando invadiram o Distrito, reconheceram o perigo dessa residência, e, retirando daí em fevereiro de 1866, reforçaram com o destacamento que ali tinham os postos do Porto de Souza[2] e de Taquarussú[3] que eram as suas sentinelas avançadas sobre o rio Aquidauana.
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Notas de Referências:
[1] Beribéri, nota no Capítulo 1.
[2] NE – Sobre o Porto Souza, escreveu Taunay, “E, com efeito, os paraguaios rondavam toda a margem , esquerda do rio Aquidauana e tinham um posto fortificado no Porto do Souza”.
DISTANCIAS ALEM DO AQUIDAUANA
Do porto do Sousa a Miranda 10 léguas
De Miranda ao Eponadigo 9 léguas
Do Eponadigo à Forquilha 7 leguas 
Da Forquilha a Nioac 10 léguas
Do porto do Sousa a Nioac 36 léguas
Os efetivos e os pontos com Destacamento da Força Paraguaia:
“Duas extensas cartas, cuja integra remettemos, que receberam os moradores d'este lugar do cidadão
João Barbosa Bronzique, prisioneiro dos paraguayos em sua fazenda, desde o ano passado (1865), deram-nos informações do estado a que se acham reduzidos os inimigos e da força espalhada em diversos pontos; têm eles nas colonias de Dourados e Miranda 100; no Brilhante 100; Sete Voltas 10; Vaccaria 100; Água Fria 30; Nioac 500; Taquarussú 200; Porto do Sousa 200. Ao todo 1.240 homens, a que se devem acrescentar os 50 de Miranda que vieram para o Espenidio e Sousa, e outros que existem junto do Apa e morro do Canastrão, onde possuem boa cavalhada. Desde o Porto do Souza até o de Maria Domingas. Os paraguayos têm ultimamente lançado fogo a todos os campos e desbastado as margens parecendo ter assim conhecimento dos próximos movimentos ele nossa força.
Morros, 16 de Abril de 1866”. Em Matto-Grosso Invadido. Visconde de Taunay. São Paulo 1929.
“Antigo porto no rio Aquidauana, no atual município de Aquidauana. Bacia do rio Paraguai. Localizava-se algumas léguas a Montante da cidade. Não consta nos mapas atuais. História. A Força Expedicionária de Mato Grosso o atravessou para alcançar Miranda, em 1866, durante a Guerra da Tríplice Aliança. Antes, os paraguaios mantiveram, ali, por algum tempo, soldados em vigília". Enciclopédia das Águas. IHGMS. 2014.
[3] NE – Rio Taquaruçú, de acordo com a Enciclopédia das Águas. IHGMS. 2014. Afluente, pela margem esquerda, do rio Aquidauana, no município de Anastácio; em seu médio curso é limite entre os municípios de Anastácio e Nioaque. Cruzando por este rio estava a estrada antiga entre Nioaque e Aquidauana. Percorrida por paraguaios e brasileiros. Havia um Destacamento do Exército Paraguaio apos a invasão do território mato-grossense.
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Já antes da invasão estrangeira os próprios habitantes de Miranda intentaram fazer com que se transferisse a cabeça da comarca quer para Pedra Branca[4] quer para Forquilha, invocando contra o estabelecimento atual razões demasiado justas, as febres gerais nos meses das águas e os transbordamentos do rio, que subia nas grandes enchentes de trinta a quarenta palmos e chegava a cobrir quinhentas braças da margem direita ao ponto de alcançar as primeiras casas da povoação.

Miranda, quando a nossa gente ali acampou, estava em ruínas. Os paraguaios tinham-lhe deitado fogo ao deixarem-na, parte das construções ardera; mas podiam-se lhe reconhecer ainda sinais não equívocos de decadência anterior ao incêndio, a qual sucedera a uma primeira época de desenvolvimento e bem-estar. 

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Notas de Referências:
[4] NE – Pedra Branca, denominação Pedra Branca, poucas léguas acima, e a Forquilha ainda além e na Confluência dos rios Miranda e Nioac. Livro Ierecê a Guana. Taunay, Alfredo d'Escragnolle Taunay, Visconde de, 1843-1899 (Rio de Janeiro : B. L. Garnier, 1874)
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A população devia ter sido bastante considerável. Cômodas habitações subsistiam de pé e sobre os fundamentos de um velho reduto, um quartel bem construído que aliás fora muito danificado pelo fogo, fechava uma praça donde saiam duas ruas que iam ter à frontaria da igreja paroquial, ambas ladeadas de casas que se levantavam alguma distância umas das outras.



Desenho de Alfredo Maria Adriano d'Escragnolle Taunay Visconde de Taunay. Album Viagem pitoresca a Mato Grosso. Três círculos desenhados lado a lado. O círculo central é maior que os laterais. O círculo à esquerda não contém desenho ou inscrição. O círculo à direita contém a anotação a grafite "Igreja". O círculo central contém anotações a grafite: "Quartel" e "A Dios todas las glorias de Miranda" 
Original da http://ihf19.org.br Instituto Hercule Florence. 20/04/2017


Deste edifício restavam apenas as paredes laterais, o esqueleto da torre, o galo de folha de Flandres e uma cruz esculpida no alto do frontão. Fora construído pelo zelo de um virtuoso missionário italiano, frei Mariano de Bagnaia[5], que não só nisso empregara o produto das esmolas, que tirara por toda a parte com labor e dedicação infatigáveis, mas ainda a isso consagrara a sua modesta côngrua e os tristes restos da igreja, depois que ela fora saqueada pelos paraguaios que até lhe tiraram os sinos[6], tinham sido algum tempo antes testemunhas de uma cena de interesse local que parece-nos merecer que lhe concedamos aqui lugar, posto que venha interromper-nos o começo da narração.

c) O Frei Mariano de Bagnaia em Miranda

A 22 de Fevereiro de 1865 o padre Mariano, que a princípio ao aproximar-se a invasão refugiara-se nas margens do rio Salobra[7], voltara espontaneamente a entregar-se aos paraguaios no intuito de implorar-lhes compaixão para a sua mal-aventurada paróquia. O seu primeiro cuidado, ao chegar à povoação, fora correr à sua catedral, objeto da sua mais viva solicitude. Espetáculo desolador esperava-o ali: os altares derribados, as imagens santas despojadas dos seus adornos, todos os vestígios da profanação. Ao vê-lo, apoderou-se dele tal sentimento de indignação e de desespero que não pôde ter-se que não proferisse logo ali com voz retumbante, na presença do chefe paraguaio e da sua gente, um anátema solene contra os autores de tamanhos atentados:

__Ouviram-no todos cabisbaixos, como se essa voz austera fora a de algum dos antigos padres que os haviam catequizados e o comandante empenhou-se em convencer o missionário de que os Mbaias[8] (Os índios) eram os únicos culpados.

O santo homem, lavado em lágrimas, ia de um altar a outro, como para certificar-se do ultraje cometido contra cada um dos objetos da sua veneração e só depois de minuciosa verificação de todas as indignidades praticadas, resignou-se afinal a celebrar o santo sacrifício da missa, depois de haver tudo aparelhado para que fosse possível a cerimonia.

O que foi depois feito do padre Mariano, conduziram-no à Assunção[9]. Terá sido vítima do seu zelo? 

Dois oficiais da guarda nacional o tenente João Faustino do Prado e o alferes João Pacheco de Almeida, que o tinham acompanhado na sua volta a Miranda, vendo, depois de dois ou três dias passados na povoação, o caminho que levavam as cousas, pretextaram desejo de ir em busca das famílias que tinham deixado escondidas nas matas e, tendo arranjado alguns víveres, lograram a ventura de escapar-se, tomando depois com razão a cautela de não voltarem. Quanto ao padre Mariano nada transpirou acerca da sua sorte[10].


Foto Frei Mariano de Bagnaia, à direita, com outros frades, extraída do Livro do Frei Alfredo Sganzerla, p.172.


Documento com a assinatura do Frei Mariano de Bagnaia em visita episcopal a Nioac, 26 de Agosto de 1882.

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Notas de Referências:
[5] NE – Sugestão: Ler o Livro, A História do Frei Mariano de Bagnaia - Frei Alfredo Sganzerla. 
[6] Conforme relatos das pesquisas do Frei Alfredo Sganzerla, não apenas de Miranda, mas também das povoações de Corumbá e Nioaque os sinos das Igrejas, por serem de bronze foram levados para as fundições metalúrgicas na República do Paraguai. Rezam diversas lendas entre estas localidades sobre a atuação de Sacerdotes católicos e o roubo dos sinos. Neste espolio de guerra não somente os sinos foram carregados, mas todas as espécies de objetos metálicos sacros ou de bens particulares das populações.
[7] Rio Salobra. Salobra, além da denominação ao rio é também em tempos atuais um Distrito do Município de Miranda, no Mato Grosso do Sul.
No tempo da invasão pelo exército do Paraguai constituiu-se em uma região de refúgio imediato para muitas populações da povoação de Miranda que não conseguiram refúgio em outras cercanias.
O Rio Salobra é um afluente do Miranda com a nascente na Serra da Bodoquena, por percorrer terrenos cujo subsolo é de origem calcária, a coloração de suas águas é parda, leitosa e esverdeada. Em virtude desta composição química das suas águas apresenta sabor levemente salgada, contém mais sais que a água doce normal, daí a denominação de Salobra. Parte dos conceitos foram pesquisados na Enciclopédia das Águas – IHGMS.
[8] NE – Mbaia, do Guarani, mbaí, denominación que le daban los indígenas a los extranjeros, principalmente al español. Diccionario Guarani-castellano. Félix de Guarania. Assunción, Paraguay, 2011. Servi Libro. As traduções brasileiras designam simplesmente de índios. 
[9] NE – Quando o autor escreve o Livro e registrou estas informações sobre o Frei Mariano, ainda não se conhecia que destino lhe fora dado.
[10] Foi encontrado ainda vivo depois da batalha de Campo Grande ganha por S. A. o Conde d'Eu, a 16 de agosto de 1869. 
Frei Mariano nasceu na Itália Província Viterbo em 1820, nome de batismo era Saturnino Colonna, batizado na cidade de Bagnaia. Adotou o nome de Mariano de Bagnaia, depois de ter optada pela vida religiosa, na Ordem dos Capuchinhos. Estudou Teologia, Filosofia e Letras. Ao integrar o grupo de Missionários para trabalhar fora do seu país, veio para o Brasil.
A 4 de março de 1847, chegou ao Brasil, no Rio de Janeiro, Capital do Império. Em 1848 já estava na Província de Mato Grosso. Em 1850 está trabalhando com aldeias indígenas na região de Albuquerque, foz do rio Miranda com o rio Paraguai. Em 1859 é nomeado vigário da Vila de Miranda. Em Maio de 1864 saiu em visita pastoral às paróquias da sua Comarca. Recolhendo bastante frutos espirituais e administrando o sacramento da Confirmação a muita gente. 
Na eminência da invasão dos Paraguaios em dezembro de 1864, refugiou-se com os paroquianos, as margens do Miranda, na localidade chamada Salobra. Atualmente Rio e Distrito do Município de Miranda.
Preocupado com o povo da Vila, e das suas paróquias tentou ir implorar clemência ao militares paraguaios. Entretanto, nada conseguiu, pelo contrário, apresentando resistência, foi preso e conduzido a Nioaque, onde ficou sendo a Quartel General dos Paraguaios, após a ocupação e a fuga da população nioaquense. Depois de alguns dias de prisioneiro, foi conduzido com outros prisioneiros de guerra para Concepcion e dali para Assunción. Liberto em 16 de agosto de 1869 pelo exército brasileiro do presídio de Parrero Grande. O caminho de retorno foi de Assunção a Nioaque, segue para Miranda, Corumbá e Cuiabá. Em 1870 é nomeado vigário de Corumbá.
Depois de deixar o território sul-mato-grossense parte para o Rio de Janeiro e deste para o interior da Província de São Paulo. http://nioaquehistorias.blogspot.com.br/2016/04/fragmentos-religiosos-paroquia.html
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d) A substituição de Comando das Forças em Operação

Voltando ao nosso assunto, a demora que o corpo de exército teve em Miranda foi de cento e treze dias, desde 17 de setembro de 1866 até 11 de janeiro seguinte, 1867.

A 28 do dezembro 1866 o coronel Carvalho, um dos comandantes enviados da capital da província, atacado também da epidemia, retirara-se, deixando interinamente o comando ao tenente-coronel Juvêncio Manoel Cabral de Menezes, presidente da comissão de engenheiros e a 31 do mesmo mês o coronel Carlos de Moraes Camisão apresentou-se em Miranda, onde no dia seguinte, 1º de janeiro de 1867, fez-se reconhecer como chefe, como acima deixamos dito.

Despachou imediatamente para Nioac dois membros da comissão de engenheiros, Catão Roxo e Escragnolle Taunay, que o tenente-coronel Juvêncio já havia designado para irem examinar as passagens e o local, nele preparar o acampamento e tomar algumas disposições cativas ao recebimento dos doentes e ao armazenamento das munições de guerra e de boca ia-se afinal satisfazer o ardente desejo de todos; afastarem-se dos pântanos, procurarem ar vivificador. O novo Comandante dera-se pressa em atender a essa evidente necessidade.

A 10 publicou a ordem de levantar acampamento cuja execução, no entanto só se efetuou no dia seguinte, depois de dar-se ao corpo de exército nova organização. Haviam-no anteriormente dividido em duas brigadas, cada uma das quais composta de três corpos; mas quer uma, quer outra estavam por tal arte reduzidas que as manobras, que se baseavam sobre um número determinado de homens, tinham-se tornado quase impossíveis. 

Com a reunião do todo em uma brigada única de 1.600 homens, o estado maior ficou livre de pessoal exagerado, não sem economia sensível para o tesouro público; e semelhante medida há muito reputada útil, foi geralmente aprovada; mas a supressão do emprego de ajudante-general trouxe na prática o grave inconveniente de fazer com que o corpo de exército perdesse o seu mais precioso oficial, o tenente-coronel Miranda Reis, que tornou a tomar o caminho do Rio de Janeiro.

Um comentário:

  1. Muito interessante, Dalmolin. Cuidadoso, preciso, detalhista, bem embasado em boa literatura e documentos. Parabéns pelo precioso trabalho, textos que deveriam ser ministrados em sala de aula para nossa juventude.

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