1. Cento e cinqüenta anos depois, historiografia
sobre Guerra do Paraguai ainda tem conflito de versões
Tempo parece não ter sido suficiente para pacificar
versões quase antagônicas sobre causas e impactos do evento
09/08/14 06:00
por LEONARDO
VIEIRA
Pesquisadores do
filme “A Última Guerra do Prata” reviraram arquivos em busca de registros como
estes acima: soldados na linha de frente, acampamentos, armamentos usados no
conflito e trincheiras - Divulgação / Biblioteca Nacional do Uruguai
RIO - Cento e cinqüenta anos
depois, a Guerra do Paraguai ainda é motivo de conflito, mas em outro campo de
batalha: os livros de História. O tempo parece não ter sido suficiente para
pacificar versões quase antagônicas sobre as causas e os impactos do evento. De
um lado, há os que acreditam que tudo começou por conta do imperialismo da
Inglaterra, que não poderia permitir que um Paraguai desenvolvido e auto-suficiente
prosperasse no Cone Sul sem os produtos industrializados ingleses. Do outro,
historiadores que voltaram aos documentos e revelam que os atritos começaram
ainda por conta do processo de consolidação das fronteiras nacionais, além da
disputa pela hegemonia no Rio da Prata.
O embate já começa no nome da
guerra. Os paraguaios a chamam de Guerra da Tríplice Aliança, em referência à
união selada entre Brasil, Argentina e Uruguai. Estes países seriam os três
“fantoches” manipulados pelos ingleses contra o país guarani, na versão deles.
Já no Brasil, nós a chamamos Guerra do Paraguai, como se a culpa do conflito
fosse exclusivamente do nosso vizinho.
A mais recente corrente
historiográfica, surgida nos anos 1990, prega que a batalha deve ser
compreendida ainda no contexto de formação e consolidação dos estados da região
do Prata. A pouca definição sobre os limites de cada nação gerava atritos entre
os países, e este teria sido o motivo para o Brasil dar ultimato ao governo
uruguaio de Aguirre, em 4 de agosto de 1864 — supostamente por conta de
contrabando de gado brasileiro para o Uruguai. Ao responder a ameaça com o
rompimento das relações com o Brasil Império, os uruguaios pediram socorro ao
Paraguai de Francisco Solano López, aliado que precisava do porto de Montevidéu
para exportar mercadorias paraguaias mundo afora.
Em pouco mais de quatro meses, o
Brasil invadiu o Uruguai e depôs Aguirre; o Paraguai considerou o ato uma
declaração de guerra e aprisionou o vapor brasileiro Marquês de Olinda, em
Assunção. No fim de 1864, os paraguaios invadiram a província de Mato Grosso.
Pouco tempo depois, com o objetivo de chegar ao Rio Grande do Sul, tropas
guaranis invadiram a província argentina de Corrientes, arrastando a Argentina
para o conflito ao lado de Brasil e Uruguai, já com novo governo pró-Brasil.
BRASIL E INGLATERRA
ESTAVAM ROMPIDOS
Há, no entanto, livros didáticos
que ainda entendem a guerra como produto do imperialismo britânico, uma versão
descartada pelo historiador da UnB, Francisco Doratioto, autor do livro “A
Maldita Guerra”.
— Não havia indústria no
Paraguai, simples assim. Não há documentação que prove isso. O mercado interno
era ínfimo, o país só tinha 400 mil habitantes. E dizer que a Inglaterra queria
abrir o mercado consumidor fazendo uma guerra é algo totalmente ilógico — diz.
Doratioto lembra ainda que,
quando o conflito começou, o Brasil tinha relações diplomáticas rompidas com a
Inglaterra por conta dos atritos envolvendo o tráfico de escravos que
culminaram na Questão Christie. Na época, a rainha Vitória teria até enviado
uma carta a D. Pedro II lamentando os acontecimentos.
— Em maio de 1863, o Brasil
rompeu relações, que só foram restabelecidas em outubro de 1865. E o Tratado da
Tríplice Aliança contra o Paraguai é de maio de 1865. Não tem sentido culpar a
Inglaterra — explica o historiador.
Mesmo 150 anos depois, a “maldita
guerra” ainda é tema de uma série de produções acadêmicas. Estreou na última
terça-feira na TV Escola o primeiro de uma série de quatro episódios do
documentário “A Última Guerra do Prata”, que analisa desde os elementos
desencadeadores do conflito até seus impactos em nossos tempos. A obra é fruto
de um projeto de dois diretores, que venceu o concurso promovido pelo canal e
recebeu R$ 200 mil para as filmagens.
Ao todo, 16 pessoas trabalharam
quase um ano e meio revirando arquivos, entrevistando historiadores e visitando
antigos campos de batalha. De acordo com Alan Arrais, um dos codiretores, a
intenção do documentário é desmistificar teorias que ainda cercam o tema:
— Percebi que ainda se discutia
demais sobre quem teria causado a guerra e pouco se discutia o verdadeiro
impacto que essa guerra teve na região — conta Arrais. — Queríamos preencher
esse vácuo e confrontar o material com o que se estuda na escola. Alguns livros
didáticos ainda trazem versões ultrapassadas sobre o conflito — observa.
Ao visitar antigos campos de
batalhas no Paraguai e conversar com locais, Arrais chegou à conclusão que
ainda persiste uma historiografia minoritária, que entende que o país foi
injustiçado e vítima da Tríplice Aliança. Nela, o ditador Solano López é visto
como um mártir, que tentou desenvolver o Paraguai de forma autônoma, mas
esbarrou no capitalismo inglês e em seus sócios na América do Sul. Cerca de 90%
da população masculina paraguaia morreu nos cinco anos do conflito,
comprometendo o crescimento econômico do país por décadas.
— Eles são muito marcados por
essa guerra, mas o que se percebe é que existe um uso político da História
muito grande durante todo o século XX para justificar quem estava no poder —
diz o cineasta.
Em 1870, quando López foi
perseguido e morto em Cerro Corá, no Paraguai, a guerra já havia matado cerca
de 350 mil pessoas. Do lado brasileiro, dos 160 mil militares enviados, cerca
de 50 mil não voltaram para casa. E o preço pago pelo Brasil foi além da vida
de seus soldados. Estudioso do papel do negro durante o conflito, o historiador
da Unirio Ricardo Salles afirma que a guerra teve impacto no nosso processo de
abolição da escravidão. Segundo ele, grande parte da tropa brasileira era
formada por negros e pardos livres, além dos escravos libertos, que seriam 10%
do contingente:
— Eram setores marginalizados
pela sociedade. E quando voltaram, todos queriam o reconhecimento pelo ato de
patriotismo, mas ficaram frustrados com a resposta fria do Império — explica.
Para Salles, não foi coincidência
que a primeira norma que apontava para o fim da escravidão, a Lei do Ventre
Livre, tenha sido proposta durante a guerra, em 1867. Sem saída, o Império deu
um tiro no pé com a libertação dos escravos em 1888.
— A base de sustentação do regime
ainda era o café do Vale do Paraíba, eram os escravos. Sem escravos, caiu o
Império.
***
TV Escola o primeiro de uma série de quatro episódios
do documentário
“A Última Guerra do Prata”,
A ÚLTIMA GUERRA NO PRATA
SÉRIE HISTÓRICA TV ESCOLA
EPISÓDIO 1 - TRAILER
A última guerra do Prata - Vinheta - A última guerra do
Prata
Duração: 00:00:28
Série: A última guerra do Prata
Nível de ensino: Geral
Sinopse
A série A última guerra do Prata traz um novo olhar sobre
a polêmica Guerra do Paraguai, um trágico conflito em que morreram mais de 350
mil pessoas. A partir de visitas aos locais que sediaram campos de batalha,
análises de historiadores e consultas a documentos e fotografias raras, a série
revela os interesses geopolíticos que conduziram ao conflito, o cotidiano de
homens e mulheres que estiveram no teatro de guerra e ainda a influência que a
Guerra do Paraguai teve na formação das nações que hoje integram o Mercosul.
A última guerra do Prata - Vinheta - A última guerra do
Prata
Duração: 00:00:28
Série: A última guerra do Prata
Nível de ensino: Geral
Sinopse
A série A última guerra do Prata traz um novo olhar sobre
a polêmica Guerra do Paraguai, um trágico conflito em que morreram mais de 350
mil pessoas. A partir de visitas aos locais que sediaram campos de batalha,
análises de historiadores e consultas a documentos e fotografias raras, a série
revela os interesses geopolíticos que conduziram ao conflito, o cotidiano de
homens e mulheres que estiveram no teatro de guerra e ainda a influência que a
Guerra do Paraguai teve na formação das nações que hoje integram o Mercosul.
EPISÓDIO 2 - TRAILER
A última guerra do Prata - Trailer - Episódio 2
Duração: 00:01:05
Série: A última guerra do Prata
Nível de ensino: Geral
Sinopse
O segundo episódio da série A última guerra do Prata
apresenta os dois primeiros anos da Guerra do Paraguai. Revela como o confronto
entre Brasil e Uruguai acabou envolvendo o Paraguai do presidente Solano López,
que socorreu o governo uruguaio e declarou guerra ao Império Brasileiro.
Documentos e depoimentos de historiadores mostram que Solano López acreditava
que teria o apoio de províncias do interior argentino em sua luta. Ele invadiu
a Argentina e com isso favoreceu a aliança do governo de Buenos Aires com o
Brasil. O episódio ainda mostra quem eram os soldados brasileiros que se
voluntariaram para combater em uma guerra que deveria ser rápida, mas acabou
durando anos.
EPISÓDIO 3 - TRAILER
A última guerra do Prata - Trailer - Episódio 3
Duração: 00:01:10
Série: A última guerra do Prata
Nível de ensino: Geral
Sinopse
O terceiro episódio da série A última guerra do Prata
foca o período em que os aliados ficaram estacionados no Sul do Paraguai. O
desconhecimento do território e as divergências entre brasileiros e argentinos
culminaram com a derrota dos aliados em Curupaity. O episódio mostra o papel do
Marquês de Caxias na reorganização dos exércitos aliados e ainda aborda o
cotidiano dos homens e mulheres que viveram nos acampamentos da Guerra do
Paraguai – especialmente em Tuyuti, onde ainda é possível encontrar inúmeras
relíquias da guerra. Por fim, o episódio mostra que a queda da poderosa
Fortaleza de Humaitá e a tomada de Assunção não colocaram um ponto final na Guerra
do Paraguai.
EPISÓDIO 4 - TRAILER
A última guerra do Prata - Trailer - Episodio 4
Duração: 00:01:02
Série: A última guerra do Prata
Nível de ensino: Geral
Sinopse
O quarto episódio da série A última guerra do Prata
mostra o terrível último ano da Guerra do Paraguai. Momento em que as mazelas
do conflito foram expostas e revelaram a destruição de um país. O episódio
analisa o pós-guerra e discute os impactos da maior guerra da América do Sul em
cada uma das nações envolvidas. Por fim, especialistas avaliam as polêmicas
históricas e os mitos criados pelas historiografias sobre o conflito à luz das
pesquisas e estudos mais recentes sobre a Guerra do Paraguai.